Tema: Teatro
Por Meran Vargens e Elson Rosário Meran Vargens, Pós doutora pela Escola de Teatro da UNIRIO e pelo Instituto de Artes da UNICAMP, Doutora pelo PPGAC-UFBA e Mestra em Teatro pela Goldsmiths College University of London, é atriz, diretora, coreógrafa e professora da Escola de Teatro da UFBA. Elson Rosário, documentarista, produtor e especialista em Gestão Cultural: Cultura, Desenvolvimento e Mercado pelo Centro Universitário SENAC-Santo Amaro/SP atua nas áreas de audiovisual, teatro e música há 40 anos.

O TEATRO NA BAHIA CONTEMPORÂNEA

 

“É fato que, hoje em dia, companhias teatrais baianas de grande sucesso, local e nacional, como a Companhia Baiana de Patifaria, ou o grupo do espetáculo Os Cafajestes, ou ainda o grupo Los Catedrásticos, com ênfase no humor e na musicalidade, se aproximariam mais claramente de um teatro que poderia ser considerado tipicamente baiano. O Bando de Teatro Olodum, o primeiro, desde os elencos profissionais mestiços com predominância negra do século XIX que proliferaram no Brasil, a reunir um elenco e – apenas no seu caso – temáticas marcantes negras, contribuiria para a formação de um teatro com a cara, o espírito e o corpo mais tipicamente baianos”

Armindo Bião (2000)

Seu Bonfim, espetáculo solo do ator Fábio Vidal do grupo Território Sirius Teatro, em cartaz desde março de 2000 até março de 2020 nos palcos e atualmente nas redes sociais da internet, representante simbólico do Teatro Baiano Contemporâneo - Foto: Zélia Uchôa.

 

Desde o soteropolitano considerado como primeiro comediógrafo brasileiro Manuel Botelho de Oliveira (1637-1711)1 até o jovem ator e escritor negro Aldri Anunciação (1997) criador do portal Dramaturgias da Melanina Digital, o ato de contar e interpretar histórias ou atividades para o público baiano conta com o auxílio de atores, diretores e dramaturgos, que com seu trabalho criativo, despertam reflexões e sentimentos, resultando na construção de forte e particular identidade teatral inserida no âmbito geral da cultura da Bahia.

A linguagem teatral traz uma peculiaridade, a palavra encenada. A palavra requer um idioma, e traz em si os muitos sotaques envolvendo a estrutura do pensamento e a cultura de maneira mais profunda pois aciona todas as camadas do cérebro em combinações para a viabilizar a expressão e a comunicação. E o teatro, efetivamente, demanda a presença do outro como fruidor da sua arte.

O artista de teatro só vive na dimensão em que existe um público para apreciá-lo. Nos dias que correm, a arte de representar no estado continua na busca dessa satisfação estética e intelectual do espectador, fator determinante para seu sucesso, espelhando as práticas em uso pela sociedade e a vida diária que caracteriza a baianidade com suas inclinações políticas e filosóficas.

Para compreender como o Teatro Baiano vem sendo realizado na contemporaneidade é preciso, porém, entender mesmo brevemente os caminhos e descaminhos da sua trajetória que o fizeram sobreviver com muito talento, criatividade, otimismo e competência até aqui, início do Séc. XXI.

 

UM POUCO DA HISTÓRIA ATÉ AQUI...

A linha cronológica da história do teatro baiano começa com manifestações cênicas que chegam ao país nas primeiras décadas do século XVI a bordo das naus portuguesas, seguidas pelos autos de José de Anchieta na catequese dos povos indígenas e pela aparição de Gregório de Matos e Guerra na criação do Teatro Barroco que revelará os primeiros autores teatrais brasileiros, no Séc. XVIII. Volta a ter relevância no Séc. XIX com a inauguração do Real Teatro São João da Bahia, no ano de 1812 em Salvador, que será o principal centro de formação, difusão e desenvolvimento das artes cênicas baianas por cem anos.

No início do Séc. XX, a cena baiana fortalecida perde o protagonismo cultural com a chegada e consolidação das salas de cinema e vê o seu público diminuir. Volta a crescer nos anos de 1950 com a eclosão do movimento dos grupos amadores2, o que viabiliza a profissionalização do setor com a criação da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, polo pioneiro de formação técnica, intelectual e artística. Enfrenta tempos sombrios no final dos anos de 1960 com a violenta repressão da ditadura civil-militar mas resiste, cria o Teatro de Cordel e volta a bater recordes de público nos anos de 1970.

Inicia os anos 80 com grande efervescência apresentando novos atores, diretores e propostas estéticas produzindo ao longo da década 690 montagens baianas, “mas terminam nostálgicos graças à inércia e aos prejuízos que as sucessivas gestões políticas causaram à cultura baiana3.” Começa a década de 90 impulsionada pelos fenômenos populares de A Bofetada (Cia. Baiana de Patifaria) e do Recital da Novíssima Poesia Baiana (grupo Los Catedrásticos), influenciadores de uma nova mentalidade nos modos de produção e gênese da expansão e da profissionalização do teatro local.

Apesar do arrocho da crise econômica provocada pelo Plano Collor resiste mais uma vez, vai em frente e transforma-se numa potência produtiva. Aumenta o número de lançamentos de novos espetáculos, ganha oficinas e cursos de formação, cria novos coletivos cênicos e recebe investimentos públicos por meio de editais e leis de incentivo encerrando o Séc. XX como um dos mais fortes e importantes polos teatrais do Brasil.

 

ANOS 2000: NOVAS POLÍTICAS, NOVOS COLETIVOS, TEATRO NEGRO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Cerimônia de entrega do Prêmio Braskem de Teatro – 2018 – Foto: Acervo PBT

 

Na análise da evolução histórica e política do teatro baiano, a primeira década do século XXI será caracterizada pela implantação de novas políticas públicas, pelo movimento do Teatro de Grupo da Bahia, pela ascensão do Teatro Negro e pelo expansão dos cursos de formação profissional .

No período de 2000 a 2015, o setor tem acesso à uma infraestrutura razoável, com casas de espetáculos e diversos espaços culturais na capital e interior; calendário consolidado de festivais nacionais e internacionais que promovem o intercâmbio com outros estados e países; um respeitado e importante evento anual de premiação da classe4; universidades, escolas e cursos de formação e qualificação profissional nos vários níveis do setor educacional; além de dezenas de coletivos teatrais e excelentes profissionais, que criam bons espetáculos e desenvolvem pesquisas de novas poéticas de encenação.

Essas condições vão impulsionar o crescimento do teatro baiano em todo o estado estabelecendo um novo período de forte ebulição criativa. A arte do fazer teatral na Bahia, na eterna procura de sustentabilidade financeira, dá continuidade aos esforços para ampliar a profissionalização da classe, na tentativa de se sobreviver trabalhando exclusivamente no setor.

 

NOVAS POLÍTICAS CULTURAIS PARA O TEATRO BAIANO

A cena baiana chega nos anos 2000 marcada por várias ações realizadas pela gestão de Paulo Gaudenzi na Secretaria de Turismo e Cultura da Bahia e pelo aporte de recursos da iniciativa privada, via leis de renúncia fiscal, que resulta numa produção significativa das atividades do segmento teatral, notadamente na cidade de Salvador. Neste mesmo período, o ator e professor Armindo Bião, durante sua passagem pela diretoria geral da FUNCEB, inicia um ainda tímido edital para produção de espetáculos dos grupos teatrais de alguns municípios baianos, promovendo também a circulação de espetáculos dos coletivos soteropolitanos em outras cidades, para além da capital.

Em 2003, com a posse de Luis Inácio Lula da Silva na presidência da república e a ida de Gilberto Gil para o Ministério da Cultura, se inicia um período de grandes conquistas para o setor cultural nacional, com a criação e execução de projetos reestruturantes, destinados a mudar a forma como o país criava, produzia e consumia sua arte e cultura.

O Fundo de Cultura do Estado da Bahia (FCBA) é criado em 2005 para incentivar e estimular as produções artístico-culturais baianas e passa a ser gerido pelas Secretarias da Cultura e da Fazenda, vindo a se juntar ao programa estadual do Fazcultura.

O ano de 2007 marca o fim da hegemonia do carlismo do grupo político de ACM, dando início à hegemonia do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo estadual. Em disputa eleitoral bastante acirrada, Jaques Wagner é eleito governador, trazendo uma mudança significativa sobre a forma de conceber e gerir a cultura na Bahia. Entendida como toda criação simbólica do ser humano, a cultura passa a ser um valor em si e, por consequência, demandou a criação de uma secretaria específica para a área.

A nova Secretaria de Cultura é separada do Turismo, pela equipe de transição e o diretor teatral Márcio Meirelles escolhido pelo governador para ser o gestor da nova pasta pelos próximos quatro anos. Em nível nacional, a Cultura continua nas mãos de Gilberto Gil, com assessoria do secretário-executivo Juca Ferreira, que em 4 de outubro desse ano de 2007 lança o programa Mais Cultura, com investimentos acima dos R$ 2 bilhões até 2010, último ano de mandato do presidente Lula. O novo rumo dado na forma de conduzir a política pública para a cultura irá afetar também o desenvolvimento do Teatro Baiano.

Márcio Meirelles – Secretário de Cultura da Bahia – 2007 a 2010 – Foto: João Meirelles.

 

A gestão de Márcio Meirelles e de sua equipe realiza mudanças estruturais na maneira de gerir a Cultura Baiana. A meta prioritária é a construção de um Sistema Estadual de Cultura para a Bahia, de modo que a cultura fosse definitivamente tida como uma política de Estado, tratada em sua especificidade e compreendida como central ao desenvolvimento do estado e municípios.

A nova forma de distribuir as verbas públicas não é bem recebida por alguns artistas soteropolitanos acostumados ao modo utilizado pelas gestões anteriores. Pelo fato de o novo secretário de cultura ser um homem de teatro, muita gente da cena baiana ficou decepcionada com o seu projeto, pois se esperava uma atenção especial para a classe, o que acabou não acontecendo.

No segundo semestre de 2009, o setor teatral de Salvador se manifesta nas ruas e mobiliza a imprensa, lançando um movimento de protesto intitulado A Cultura na UTI, que ganhou força no desfile cívico do 2 de Julho, pedindo mudanças na área cultural do estado. O coletivo questiona a forma de distribuição dos recursos dos editais e se queixa da burocracia e da demora de liberação das verbas.

O aumento de recursos do Fundo de Cultura da Bahia5 e a busca intensa por esse mecanismo de apoio à cultura por parte dos produtores, causa o esvaziamento do uso da lei de incentivo Fazcultura, que antes era o principal fomentador da produção cultural local.

Durante o período de 2007 a 2010, no segmento de teatro foram realizados, pela equipe de Márcio Meirelles, 21 encontros setoriais, sendo quatro na capital e 17 no interior. O Encontro de Dramaturgia na Bahia (parceria ente FUNCEB e FPC) e o Encontro de Coordenadores de Grupos Teatrais trataram de temas específicos do fazer teatral. O apoio ao Fórum de Teatro de Rua, organizado pelo Movimento Teatro de Rua, gerou resultados importantes como a criação da Rede de Teatro Popular de Rua, com 80 representantes de Salvador e 19 do interior.

A política setorial de teatro é pautada especialmente pelo fomento à montagem e à difusão, possibilitando o incentivo à produção teatral e o acesso a essa produção, tendo como referência a valorização da diversidade. Como em outros segmentos, atenção foi dispensada à formação, à criação de redes e à inserção da Bahia nos movimentos nacionais e internacionais, bem como a um melhor conhecimento da cadeia de valor na economia do teatro.

 

O MOVIMENTO DO TEATRO DE GRUPO DA BAHIA

Desde os meados anos 1990 se inicia a criação de novos grupos de teatro na Bahia. Na virada para o novo milênio, especialmente na primeira década de 2000, há um aumento na quantidade desses coletivos em todo estado, gerando o fenômeno denominado posteriormente de “organização do movimento de teatro de grupo da Bahia”.

Também o Teatro Vila Velha, tradicional polo de resistência artística com ações de mobilização da sua nova gestão, estimula e potencializa novos coletivos a ocuparem seu espaço cultural como residentes e promove intercâmbios apoiando e revelando para o público da capital a força criativa de tantos outros grupos da periferia de Salvador e do interior do estado. A Escola de Teatro da UFBA, berço tradicional na gestação de agrupamentos teatrais, contribui também para o fortalecimento geral do movimento.

 

O Segredo da Arca de Trancoso, direção de Cláudio Machado  – grupo Vilavox – 2012 - Foto: Lilih Curi.

 

Fazem parte desta nova cena vibrante, coletivos baianos mais antigos, como a renovada Sociedade Teatro dos Novos, a Companhia Baiana de Patifaria, o Los Catedrásticos, outros fundados nos anos de 1990 em Salvador, a exemplo do Bando de Teatro Olodum, A Roda Teatro de Bonecos, Dimenti Produções Culturais, Cia. de Teatro Os Bobos da Corte, Teatro Griô, além do Teatro Popular de Ilhéus e Núcleo Afro Brasileiro de Teatro de Alagoinhas NATA. 

Aqueles criados a partir dos anos 2000 na capital: o Território Sirius Teatro, o GrupUsina, o Coletivo Abdias Nascimento, o Vilavox, o Alvenaria, A Outra Companhia de Teatro, o Teatro NU, Oco Teatro Laboratório, a Cia. de Teatro Gente da Bahia, o Panaceia Delirante, o Roda Moinho, o Ateliê Voador e o Viansatã. E de outros municípios baianos, sendo os mais significativos e atuantes a Cia. de Teatro Popular Noite de Reis, de Monte Santo, a Cia. Ópera Kata e grupo Finos Trapos, de Vitória da Conquista, a Trup Errante de Juazeiro, os  Dobradores de Arte, de Caetité, a Cia. Tupã de Teatro, de Lauro de Freitas.

A partir de 2007 a SecultBa cria o Projeto de Manutenção de Grupos viabilizado pela Fundação Cultural do Estado, ponto de destaque na história do Teatro Baiano por ser a primeira vez que uma política pública compreende a importância da necessidade dos grupos terem um local que permita a pesquisa continuada de seus processos de criação e incremento nos seus modos de produção. Desde esta primeira chamada, se estabeleceu uma nova configuração da cena artística local pela quantidade de coletivos inscritos.

Inaugurava-se uma nova época, que priorizava e impulsionava a manutenção e a continuidade de ações e projetos cênicos de amplo espectro, viabilizando aos grupos de teatro terem uma sede. A sede é o grande diferencial quando se pensa no desenvolvimento da linguagem, alcance de possibilidades de relação com a comunidade, a formação de público e a elevação da autoestima e pertencimento dos artistas desses coletivos.

Outras ações da política setorial de teatro vão ampliar o fomento à montagem e à difusão, possibilitando o incentivo à produção teatral e o acesso a essa produção, tendo como referência a valorização da diversidade em todo estado da Bahia. É criado o programa de Capacitação de Agentes Culturais na Área Teatral, que promove em cursos modulares de 2 anos, a profissionalização de todos os setores da cadeia produtiva teatral em cidades do interior da Bahia com apoio do SATED-BA.

São contratados profissionais de grande competência técnica para ministrar as aulas, a exemplo de João Lima, Ana Paula Carneiro, Uarlen Becker, Jarbas Bittencourt, Gordo Neto, Fábio Espírito Santo, Fernando Marinho e Diana Marinho. A partir dessa iniciativa, novos grupos vão surgir em todos os territórios de identidade cultural do estado, criando novos Pontos de Cultura e formando as Teias de Teatro do Interior da Bahia.

Outro momento que reflete a efervescência do cenário teatral se dá na abertura de espaços de atuação para esses coletivos em dois grandes eventos que acontecem anualmente em Salvador – o Festival Internacional de Artes Cênicas (FIAC) e o Festival Latino Americano de Teatro (FILTE), realizados respectivamente desde 2007 e 2008, que pela primeira vez na história das suas edições, criam a partir de 2012, comissões especiais de curadoria para selecionar os grupos teatrais do estado.

Mais uma iniciativa importante para a comunidade teatral foi o lançamento do Edital TCA.Núcleo “Em Construção” - criado em homenagem a Lina Bo Bardi, durante a construção da primeira etapa do NovoTCA – no qual um grupo cênico ocupava por seis meses as dependências do edifício teatral em estado de reforma, promovendo atividades artísticas diversas, que compunha o projeto proposto pelo grupo e aprovado pela comissão de seleção.

Essa atitude histórica da nova gestão do Teatro Castro Alves, coordenada por Moacyr Gramacho e Rose Lima, em conjunto com a FUNCEB, redimensiona uma estrutura implantada há 16 anos no Projeto Núcleo do TCA, que em suas montagens anuais, convidava um diretor local ou de fora, que propunha uma montagem e era responsável pela escolha do elenco do espetáculo, a partir de uma seleção pública.

Apresentação do espetáculo Medida por Medida do Teatro Popular de Ilhéus na Praça Central na cidade de Euclides da Cunha – 2017. Acervo do TPI – Foto: Romualdo Lisboa.

 

Nas duas edições deste edital, coletivos cênicos históricos do interior do estado foram selecionados. O grupo NATA, de Alagoinhas, apresentou como resultado final da sua ocupação o espetáculo Exu, a Boca do Universo com direção de Fernanda Júlia (Onisajé) em 2013 e o Teatro Popular de Ilhéus, que realizou a ocupação em 2014, levou para o público da capital a montagem de Medida por Medida, uma livre adaptação do texto de Willian Shakespeare com dramaturgia e direção de Romualdo Lisboa, tradução de Fernando Yamamoto. Essa ação colaborou para o aumento da visibilidade do teatro feito na Bahia, pois os dois grupos se apresentaram em turnês com esses espetáculos por vários estados brasileiros, nos anos que se seguiram.

A abertura proporcionada pelo novo Ministério da Cultura para a escuta pública da comunidade teatral, por meio de conferências e encontros, cria, a partir de 2004, um ambiente propício para uma articulação de coletivos teatrais em nível nacional, o Redemoinho – Movimento Brasileiro de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral, no qual alguns grupos baianos irão participar ativamente dentre os 70 grupos de 11 estados, que reivindicam a aprovação de uma lei federal de Fomento.

Apesar do desejo e das boas intenções em conquistar uma política de Estado para o teatro brasileiro, após cinco anos de atuação o Redemoinho se dissolve em março de 2009, no seu último encontro em Salvador após um difícil e áspero diálogo onde os antagonismos ideológicos entre seus participantes se torna o maior obstáculo para a continuação do movimento.

 

Teatro La Independencia, espetáculo do Oco, Teatro Laboratório. Texto de Paulo Atto - Direção de Luis Alonso-Aude. Foto: Agamenon Abreu – 2018.

 

Os grupos de teatro baianos que participaram do Redemoinho aproveitaram a experiência adquirida no intercâmbio interestadual proporcionado pelo movimento e aperfeiçoaram seus modos de produção continuando a atuar sob o impulso da resistência e do exercício da criatividade, para manter suas atividades de modo contínuo. Em 2012 realizam o Empuxo, uma zona de encontro das artes cênicas, onde são discutidas as questões que envolvem o desenvolvimento do teatro baiano, propondo a retomada das reuniões do setorial/Bahia do movimento Redemoinho em 2013.

Segundo editorial da revista Vox da Cena, Ano III, nº 3, em abril de 2015 “Hoje, com uma quantidade de grupos bastante expressiva, com o reconhecimento de muitos deles também fora da Bahia, com as constantes premiações que estes grupos vêm recebendo, com a ligação de alguns deles a novos espaços culturais alternativos, com os grupos (inclusive os do interior) representando a Bahia em festivais e mostras e, por fim, com sua participação e seu engajamento constante em discussões acerca das políticas públicas para a cultura, em questões relacionadas à ocupação da cidade, com sua ligação à realização de festivais de teatro, torna-se irreversível o reconhecimento da importância desta força criativa que são os grupos de teatro.”

Em 2015, crises político-econômicas são instauradas no país, em função disso o edital setorial de teatro da FUNCEB não é publicado nesse ano, por conta do corte no orçamento do governo estadual, que promete uma nova edição para 2016 com o mesmo montante de 2014, cerca de R$ 2 milhões.

Além do corte dos recursos, a crise nacional também expõe a fragilidade da estrutura da instância governamental ligada à cultura na Bahia, que age de boa-fé mas não consegue recursos para ampliar sua estrutura administrativa, responsável por gerenciar o burocrático setor de prestações de contas dos projetos acumulados ao longo de nove anos. Após fiscalização do Tribunal de Contas do Estado, é solicitada a interrupção da política de editais setoriais até a regularização da capacidade gerencial da FUNCEB. Boa parte da produção teatral que passou a depender do apoio oficial, por meio do Fundo de Cultura (recursos do ICMS) ou do Fazcultura e da Lei Rouanet (dedução no Imposto de Renda de empresas patrocinadoras), e que têm um impacto direto no que vai ser o mercado de trabalho em teatro a cada ano, sofrerá com a interrupção do fluxo dos recursos.

Nos próximos anos o ambiente será de escassez de verbas e de luta pela sobrevivência das atividades dos grupos. Em 2019, serão apresentados os espetáculos que obtiveram financiamento público no último edital para o setor teatral da década realizado no final de 2016 com contratos assinados em 2017 e parcelas depositadas em 2018.

Em 2019, A Outra Companhia de Teatro, um dos mais atuantes e premiados grupos de teatro nos últimos 16 anos, anuncia a extinção do coletivo e realiza sua derradeira montagem, “O Último Embarque”.

Última Chamada, último espetáculo d’A Outra Companhia de Teatro – 2019 – Foto: Diney Araújo.

Apesar da péssima fase dos últimos tempos, o Teatro Baiano sai ganhando muito nos poucos anos em que foi realizada esta forma de investimento das verbas públicas. Podemos verificar isso agora, neste momento caótico da pandemia do Covid-19, quando o espírito de perseverança dos coletivos teatrais aflora e se transforma em exemplo de resistência na vanguarda de enfrentamento da crise, mobilizando a classe trabalhadora das artes na Bahia.

 

A ASCENSÃO DO TEATRO NEGRO NA BAHIA CONTEMPORÂNEA

Cabaré da Rrrrraça – Bando de Teatro Olodum – 1997 – Foto: Divulgação.

O sucesso e trajetória do Bando de Teatro Olodum, coloca em evidência a ascensão do Teatro Negro na Bahia e inspira o surgimento de novos grupos de negros fazendo teatro negro e de outros grupos de teatro, falando de assuntos negros no início do Sec. XXI.

Em 2005, acontece em Salvador o 1º Fórum Nacional de Performance Negra, promovido pelo Bando, Companhia dos Comuns (RJ) e Teatro Vila Velha. O encontro reúne companhias negras de todo o país, que trocam experiências e debatem sobre sua capacidade criativa e transformadora.

Há uma questão que permeia o teatro negro: são espetáculos feitos por negros ou por atores negros ou que falem sobre assuntos negros? Numa definição elaborada pela pesquisadora Evani Tavares Lima6, Teatro Negro é o conjunto de manifestações espetaculares negromestiças, originadas na Diáspora, que lança mão do repertório cultural e estético de matriz africana, como meio de expressão, recuperação, resistência e afirmação da cultura negra.

As ações dos grupos de teatro negro contemporâneos, inspiradas em discursos de identidade, ampliam o alcance do movimento social negro ao promover o debate político-social sobre as questões étnico-raciais, apresentadas em suas montagens e performances num exercício de militância forte e poderoso7. Mas antes de continuar comentando sobre os protagonistas da cena negra contemporânea da Bahia, precisamos conhecer os precursores e fundadores que abriram caminhos e lançaram as bases históricas deste movimento.

O primeiro ator negro baiano que se tem registro é Xisto Bahia (1841-1894) também dramaturgo, cantor e compositor que alcança projeção nacional no século XIX. Xisto, depois de várias turnês pelo Norte e Nordeste, dirige uma casa teatral carioca onde é visto atuando pelo Imperador D. Pedro II. É de sua autoria a primeira música gravada no Brasil, o lundu Isto é bom demais.

O segundo é João Cândido Ferreira, “um artista mulato baiano”, conhecido como De Chocolate que, tendo trabalhado em revistas musicais e teatros parisienses, volta ao Rio de Janeiro, onde funda em sociedade com o cenógrafo português Jaime Silva a Companhia Negra de Revista, cuja data de estreia, em 31 de julho de 1926, marca o início do teatro negro no Brasil.

Nos anos de 1950, Antonieta Bispo, torna-se a primeira atriz negra e Mário Gusmão o primeiro ator negro formados na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. Gusmão torna-se referência de reconhecimento do talento do ator negro numa conjuntura hostil e de poucas oportunidades para os artistas negros8.

Em 1959 é protagonista do Auto da Compadecida (Ariano Suassuna), com direção de Martim Gonçalves, no papel do Cristo Negro, primeira peça na Bahia em que um ator negro recebe papel de destaque. Nos anos de 1960 foi o ator mais premiado e de maior visibilidade na Bahia notadamente por conta dos espetáculos dirigidos por João Augusto no Teatro Vila Velha, que se tornou sua casa artística e abrigo.

Ao longo da sua trajetória profissional, que vai do final dos anos 50 até 1996, Mário Gusmão, com forte presença, participa de todos os acontecimentos da sua época: a contracultura, o cinema novo, a tropicália, os atos contra a ditadura, a abertura política, o início do movimento negro, a aproximação cultural do Brasil com as artes africanas, a dança moderna baiana, a criação dos modernos blocos afros em Salvador e no sul da Bahia.

Considerado hoje um ícone do teatro negro baiano por seu pioneirismo, ativismo e sucesso profissional nas artes cênicas, cinema e televisão, o faz ser respeitado e admirado, sendo fonte de inspiração para novos artistas negros ou não negros que chegam depois dele na cena contemporânea baiana e nacional.

As tentativas de teatro negro na Bahia prosseguem com a criação de novos grupos. Em 1969 surge o Teatro Negro da Bahia (TENHA) criado pela diretora teatral e dramaturga Lúcia de Sanctis, que ao expor seus objetivos de dirigir um grupo voltado à valorização dos artistas negros, foi taxada por críticos teatrais de ter cunho racista sua proposta de trabalho. Após a pressão causada por esses comentários agressivos, o grupo se desfez.

A diretora e dramaturga Nivalda Costa funda o Grupo de Experiências Artísticas (TESTA), em 1975, e chega a ter um de seus textos, o da peça Vegetal Vigiado, vetado pela Censura Federal durante o período que se manteve em atividade reivindicando a posição do negro na sociedade.

O grupo Palmares Iñaron nasce em 1976, numa iniciativa dos atores, diretores e pesquisadores Antônio Jorge Godi, Lia Espósito, Kal Santos e Ana Sacramento que com os temas raça e posição, denuncia a ditadura militar e contribui para a formação do Movimento Negro Unificado. Com uma abordagem antropológica que valoriza as culturas negra e indígena, as montagens do grupo recebem críticas desfavoráveis na imprensa local, que depreciam a estética e a dramaturgia apresentadas em cena.

O grupo Valete, fundado em 1980, traz um grupo de atores locais negros e talentosos dirigidos pelo francês Eric Podor, que realiza montagens que se destacam na cena local. As Criadas (Jean Genet) com Antônio Manso, Sergio Guedes e Albano d’Ávila, realizada em 1981 na Sala do Coro do TCA, chama atenção dos críticos pelo “profissionalismo conseguido por toda equipe(...) unidade perfeita entre atores, diretor, figurinista, sonoplasta etc.” sendo considerada um dos melhores exemplos de teatro negro já realizado na Bahia, pelo dramaturgo e diretor Paulo Atto9 . Outros espetáculos com temática do negro são produzidos pelo grupo, Cerimônia para um Negro Assassinado (Fernando Arrabal) e O Escurial ( Michel de Ghelderode). O êxito do coletivo os conduz para a França, onde continua a atuar, até que, após o falecimento do seu diretor, encerra suas atividades.

A diretora Sonia de Brito, ainda como estudante da ETUFBA, estreia com Homens de Papel (Plínio Marcos) em 1980 e atrai a atenção da crítica, sendo considerada uma das revelações do ano. Posteriormente em 1981, dirige Eles Não Usam Black-Tie (Gianfrancesco Guarnieri), colocando em cena dez artistas negros, dentre os quais Nélia Carvalho e Ray Alves, prossegue sua carreira com a montagem do espetáculo besteirol Folias Bíblicas (Pod Minoga) em 1982, depois passa a dirigir espetáculos infantis.

Com exceção do grupo O Valete, que sai do país, os demais coletivos e artistas negros tiveram pouca duração na cena baiana, sendo sufocados, cancelados e desvalorizados pela conjuntura de uma época em que o racismo estrutural era dissimulado e o mito da democracia racial predominava na cidade mais negra do Brasil.

Em 1981, outra iniciativa que valoriza a participação de atores negros é a montagem no Teatro do ICBA do espetáculo Língua de Fogo (Saul Bellow e Fernando Py), do então jovem diretor Luiz Marfuz, que consegue seu primeiro sucesso profissional fazendo uma abordagem cênica “que remete a vários arquétipos da cultura negra, trazendo à Bahia uma África atemporal” com um elenco de maioria negra: Kal Santos, Hilton Cobra, Bené Batista, Tércio Santos, Célia Bandeira, Isaura Oliveira, Gilmar Simões, Nélia Carvalho, Marilda Santana, Paulo Menezes, Simone Carvalho, Tereza Santos e Vera Pita além de Ângela Andrade e Wilson Mello.

A motivação de criar um teatro popular e culturalmente ligado às coisas da Bahia e do Brasil no ano de 1986, é o início do caminho que leva Márcio Meirelles a criar, junto com Chica Carelli, Maria Eugênia Millet, Hebe Alves e Leda Ornelas, o Bando de Teatro Olodum, em 1990, a partir de uma oficina ministrada em parceria com o Grupo Cultural Olodum, iniciando uma trajetória bem sucedida, com presença, discurso e militância negros.

Logo depois, ingressam no grupo o coreógrafo Zebrinha (José Carlos Arandiba, 1993) e o diretor musical Jarbas Bittencourt (1996), consolidando uma equipe técnica e artística que, “através da presença e temática negra até então quase inexistente nos palcos soteropolitanos, a reflexão sobre questões político-ideológicas em seus aportes estéticos e temáticos, a produção colaborativa dos partícipes, a pesquisa de campo para elaborar espetáculos e promover debates, fóruns, laboratórios, oficinas, palestras, seminários para robustecer o capital cultural, essa companhia promove um exímio teatro negro .”

Segundo o crítico paulista Walmir Santos “O repertório do Bando diz respeito ao seu povo e à realidade da capital baiana, sem perder de vista o caráter universal da arte. É um teatro indignado, mas que não abre mão da alegria. Foi assim em espetáculos como Essa é nossa praia (1991) e Bai, Bai Pelô (1994), textos assinados pelo também encenador Márcio Meirelles. A contundência e o apelo popular equilibram-se com a lapidação das linguagens cênica e dramatúrgica. Há uma nítida preocupação com o conteúdo épico. É sintomática a inclusão de coros formados por dezenas de atores, em sua maioria também cantores, dançarinos e tocadores. As obras dos dramaturgos alemães Bertolt Brecht e Heiner Müller são referências para o grupo, que já montou Ópera de Três Mirréis (1996) – adaptação de Ópera de Três Vinténs – e Medeamaterial (1993). Na metade dos anos 90, o Bando participou do projeto de reconstrução do Teatro Vila Velha, símbolo de resistência artística na ditadura militar. Atualmente, é um dos grupos que nele reside .”

O Bando de Teatro Olodum há mais de 30 anos coloca em evidência a violência, a discriminação e as injustiças sofridas pelo negro ainda hoje. A luta por respeito ao povo negro e, especialmente, à arte negra, levantada pelo Bando, serve de inspiração a muitos, e já transcendeu as fronteiras do Brasil10.

Em 1991, foi criada a Companhia de Teatro Popular Negro, liderada pelo diretor Luís Bandeira. Depois de tentativas frustradas para se conseguir patrocínio, o grupo percebeu que a palavra “negro” impedia a aceitação do seu trabalho, numa demonstração explícita de preconceito do racismo estrutural. Modificaram o nome para Companhia de Teatro Popular do Serviço Social da Indústria (SESI), sem abrir mão da forma e proposta de atuação que utiliza a dança, o canto e a música com o intuito de ressaltar a realidade da cultura baiana, levando aos palcos o teatro popular e de rua.

O mesmo Luis Bandeira, persistente e perseverante, no início dos anos 2000 aproveita o fôlego afirmativo das questões negras na sociedade e vai criar, em 2007, com outros artistas negros já veteranos do teatro soteropolitano um novo grupo, a Cia Gente de Teatro da Bahia, com o objetivo de “resgatar a autoestima do povo negro, informando e conscientizando as comunidades carentes sobre direitos humanos, questões de identidade, estética negra e a sua influência marcante na história [...] através da moda, dança, culinária, e principalmente na construção do Brasil.”

 

Exu, a Boca do Universo, espetáculo do Núcleo Afro-brasileiro de Teatro de Alagoinhas – 2014. Foto: Adeloyá Ojú Bará (Andrea Magnoni).

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Em 1994, no Teatro do ICBA, a diretora Carmen Paternostro monta Os Negros (Jean Genet), com um elenco potente formado por atrizes e atores negros veteranos, em conjunto com novos nomes na cena que “apresenta uma afinidade com a proposta do texto e da diretora e uma agilidade incrível na troca de perspectiva dos seus papéis, por vezes, violentos”. São eles e elas: Antônio Godi, Aldri Anunciação, Barbara Borgga, Dadau, Débora Adorno, Dody Só, Elydia Freire, Jeanete Lurdes, Joilson Nunes, Marli Santana, Noeli Campos, Urias Lima, José Carlos Jr e Gideon Rosa.

O movimento do Teatro Negro da Bahia, ganha um novo protagonista vindo do interior da Bahia. A de Teatro NATA - Núcleo Afro-brasileiro de Teatro de Alagoinhas, fundada em 17 de outubro de 1998, na cidade de Alagoinhas, vem realizando montagens teatrais, oficinas, leituras dramáticas, e movimentando o espaço teatral baiano com projetos que discutem, divulgam e valorizam a cultura Afro-Brasileira, em Alagoinhas, Salvador e em grande parte do interior do Estado da Bahia. Seus espetáculos possuem como eixo norteador a história, cultura e religiosidade Afro-Brasileira, a fim de desmitificar os preconceitos e as imagens equivocadas que povoam histórica e culturalmente o imaginário coletivo da sociedade, resultado de um processo de colonização e racismo. Posteriormente, parte dos seus integrantes ingressa nos cursos de Direção, Interpretação e Licenciatura da Escola de Teatro da UFBA, aprimorando as habilidades //artísticas e técnicas do grupo, que se destaca hoje no cenário baiano.

No âmbito universitário, a Companhia de Teatro Abdias do Nascimento (CAN) foi criada em 2002, pelo ator, diretor e ativista Ângelo Flávio Zuhalê para reverberar em cena o discurso político da diáspora negra. Formado exclusivamente por estudantes negros da Escola de Teatro da UFBA, o CAN realiza estudos voltados para a discussão de ações de políticas afirmativas e democratização da cultura, analisando a questão racial no Brasil na contemporaneidade.

O grupo Teatro Popular de Ilhéus, fundado por Équio Reis nos meados da década de 90, em 25 anos de atuação já realizou dezenas de montagens e intervenções artísticas em diversas comunidades e cidades brasileiras, chegando também a se apresentar na Alemanha, Áustria e Itália. Dirigido atualmente por Romualdo Lisboa e Tânia Barbosa, é composto por um coletivo de atores, dançarinos e músicos que tem também participado da construção da cena contemporânea negra utilizando a dramaturgia do cordel, o teatro popular e a história de luta dos negros da região sulbahiana onde atuam.

 

Auto do Boi da Cara Preta, musical infantil do Teatro Popular de Ilhéus – 2008. Acervo do TPI – Foto: Karoline Vital.

Nesta linha de trabalho montaram em 2008, o musical infanto-juvenil O Auto do Boi da Cara Preta texto de Romualdo Lisboa, direção de Tânia Barbosa, desconstruindo o racismo estrutural que nos é passado desde a infância e em 2013, o espetáculo épico 1789, Uma Ópera Afro-Rock sobre a Revolta dos Escravos do Engenho de Santana, texto e direção de Romualdo Lisboa. O espetáculo narra a história real ocorrida entre os anos 1789 e 1791, no atual distrito ilheense do Rio do Engenho, quando os africanos escravizados se revoltam contra as condições de trabalho. Este episódio, considerado como o embrião do movimento sindical no Brasil, apresenta questões profundas. No elenco, além dos artistas do TPI, a presença de membros do Terreiro Matamba Tombeci Neto, descendentes diretos dos escravizados do Engenho de Santana, com destaque para a participação da matriarca Mãe Hilsa Mukalê.

Uma Ópera Afro-Rock sobre a Revolta dos Escravos do Engenho de Santana – 1789 – com a atriz e ialorixá Mãe Hilsa Mukalê. Acervo TPI. Foto: Flávio Rebouças.

 

Com a implantação de cotas nas universidades federais, mais negros e estudantes de classes mais pobres conseguem adentrar no espaço acadêmico. Em 2015, surge a Organização Dandara Gusmão, formada por estudantes negros da Escola de Teatro da UFBA,  reivindicando mais espaço dentro das atividades acadêmicas e atuando por meio de três ações pontuais: PRETato11 - Evento apresentando 4 cenas distintas (cada uma com 15 minutos), com apenas atrizes e atores pretas e pretos protagonizando a cena, com produção preta e professor orientador: preto. O PRETato foi baseado, no projeto de extensão chamado ATO DE 4, criado em novembro de 1996, pelos ex-alunos Ney Wendel e Bertho Filho, em comemoração aos 40 anos da Escola de Teatro da UFBA. AFROCLUBE – exibição de filmes com temática preta e que possam fazer forte paralelismo com as vivências das pessoas pretas. OFICINA DE TEATRO PRETO – atividade de integração com os novos estudantes pretos que ingressam na escola com objetivo de inseri-los no debate de combate e nos protestos/manifestações que denunciam a prática racista dentro da UFBA.

Em 2017, foi realizada homenagem a Mário Gusmão, através da 51ª montagem da Companhia de Teatro da UFBA, que, com uma equipe técnica formada em sua maioria por profissionais negros, encenou com brilho e beleza o legado cultural do maior ícone do Teatro Negro Baiano, em “Gusmão, O Anjo Negro e sua Legião”. Em depoimento sobre o espetáculo, seu diretor e dramaturgo, o negro Osvanilton Conceição declara: “Revisitar a história de vida de Mário Gusmão [...] é como estar diante de um grande espelho e, nele, ver refletida a minha imagem e as imagens de outros artistas da cena, que, assim, como eu, têm corpos, mentes e experiências atravessados por cicatrizes, por memórias e por históricos de batalhas vencidas contra diversos ‘dragões da maldade’.”

 

Pele Negra, Máscaras Brancas – Direção de Onisajé Fernanda Júlia – 2019. Foto: Adeloyá Oju Bará (Andrea Magnoni).

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Em 2019, outra montagem da Cia de Teatro da UFBA se torna a marca contemporânea da ascensão do Teatro Negro da Bahia, ao fazer sucesso popular e chamar atenção da mídia comercial: Pele Negra, Máscaras Brancas (texto de Franz Fanon adaptado por Aldri Anunciação) traz o ineditismo por ter uma mulher negra dirigindo pela primeira vez a já tradicional Companhia de Teatro da UFBA, Fernanda Júlia (Onisajé)12. Após lotar o Teatro Martim Gonçalves por quatro semanas em março, a peça teatral é convidada para o projeto Domingo do TCA, fazendo duas sessões concorridas para 3.000 pessoas em um único dia, no mais importante palco baiano. Até o final desse ano vai atingir a marca de 10.000 espectadores em temporadas e apresentações realizadas em Salvador (BA), Alagoinhas (BA) e São Paulo (SP).

A montagem foi indicada ao Prêmio Braskem de Teatro 2019 nas categorias Melhor Espetáculo Adulto, Direção para Fernanda Júlia – Onisajé (que é doutoranda do PPGAC-UFBA), e Revelação para a atriz trans, Matheuzza Xavier aluna da graduação da Escola de Teatro da UFBA.

Outras iniciativas cênicas além das montagens do teatro profissional e o da academia fazem parte da construção da história do teatro negro da Bahia. Aqui uma breve descrição sobre eles, que tem em comum a abordagem de temas sobre a negritude e o combate ao racismo na realização dos seus espetáculos13.

Em 1979, surgiram, em Alagados, bairro pobre e de maioria de habitantes negros de Salvador, o grupo infantil Sapinho Colorido e o Grupo de Teatro dos Alagados. Nestes grupos, crianças, jovens e adultos usam como instrumento a arte teatral para seus protestos em manifestações contra a intolerância religiosa e a precária infraestrutura de trabalho.

O Grupo de Teatro do Calabar, em 1980 foi criado no bairro do Calabar, comunidade de maioria negra e pobre que fica encravada numa das zonas de maior especulação imobiliária da cidade entre os bairros da Graça e Ondina, em seus espetáculos são abordados o tema do direito à moradia, a denúncia contra o racismo e a perseguição policial aos moradores do local.

O Movimento Negro Unificado (MNU) criou seu grupo de teatro em 1980 para exercer o seu ativismo também no âmbito cultural. Em 1985, surgiu o Grupo Experimental de Teatro do Centro de Cultura Popular, (CECUP) trazendo para os palcos reflexão sobre a violência cotidiana contra negros.

Em 2000, Anativo Oliveira e Rejane Maia, atores oriundos do Bando de Teatro Olodum, criam o Grupo de Teatro Beje Eró, na Vila Viver Melhor, localidade situada no bairro do Ogunjá – Engenho Velho de Brotas – com a proposta de dar acesso à arte e ao conhecimento aos jovens e, crianças do local e valorizar a arte negra.

No subúrbio ferroviário de Salvador, em 2003, Claudio Mendes e Nauzina Santos criam a Associação Cultural Herdeiros de Angola com o objetivo de “educar, capacitar e elevar a autoestima da juventude local acreditando no futuro e na garantia dos seus direitos como cidadãos, respeitando cada indivíduo através da educação e da valorização da sua cultura, sem discriminação de raça, cor ou religião”.

O Grupo Oloruns da Arte, surge em 2005, ligado à Central Única da Favela de Sussuarana, sendo abrigado nas dependências do Centro de Pastoral Afro Padre Heitor Frisotti (CENPAH), com o objetivo de lutar contra o racismo através da arte. Seus espetáculos apresentam temas que discutem o preconceito racial, violência, sexualidade, religião, diálogo com os pais entre outros, com exibições em escolas e instituições.

O Projeto Teatro Negro no Subúrbio, foi criado em 2008 pela ONG Grupo Outra Metade, numa parceria com o Centro Cultural Plataforma. A partir das atividades deste projeto que estimula a produção teatral, a formação intelectual e discussões sobre o racismo foi criado o Dùdú Odara, Grupo de Teatro Negro pelo ativista cultural Hamilton Borges, que tem como objetivo a montagem de espetáculos que gerem debates e reflexões sobre negritude, afrodescendência e combate ao racismo.

Também incluindo entre suas propostas as abordagens do Teatro Negro, foi criado o Coletivo de Produtores Culturais do Subúrbio que surgiu para enriquecimento, fomentação, apoio e potencialização, principalmente, dos grupos culturais pertencentes aos subúrbios como a Arte & Sintonia Companhia de Teatro, a Cia de Dança e Teatro E², a Cia de Teatro Axé do XVIII, o Grupo Anexu’s, o Grupo Cirand’art, o Grupo Kulturart, o Grupo Mudando a Cena, o Grupo Obás de Oyó, o Grupo PIM e o Grupo Somos Nós.

 

O IMPULSO NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO TEATRO BAIANO: O PAPEL DE ESCOLA DE TEATRO DA UFBA

Em 2006, o Teatro Baiano atravessa um bom momento, se desenvolvendo por meio de diversas iniciativas nos setores governamentais e privados. Isso provoca o aumento do número de pessoas interessadas em estudar e se profissionalizar na área.

 

Solar Santo Antônio, casarão-sede do primeiro curso de teatro universitário brasileiro criado por Martim Gonçalves em 1959, atual Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. Foto acervo ETUFBA.

 

O sucesso das atrizes e atores baianos no cinema e na televisão nacional, e mesmo nos espetáculos locais, pode ser considerado como fator que também impulsiona a procura de vagas nos curso de Interpretação, Direção Teatral e Licenciatura em Teatro da Escola de Teatro da UFBA. O vestibular de 2006 desta unidade universitária bate o recorde de inscritos no curso de Interpretação, com 213 estudantes interessados em disputar uma das 20 vagas disponíveis14. Esta tendência de crescimento continuará no ano seguinte, mas podemos afirmar que outras iniciativas no âmbito acadêmico, realizados em anos anteriores, contribuíram para esse sucesso.

A criação do curso de Pós Graduação em Artes Cênicas (PPGAC-UFBA), em parceria com a Escola de Dança (1997), já de imediato com cursos de doutorado e mestrado, foi um avanço significativo para os rumos do teatro feito na Bahia. Os cursos mantiveram o princípio de que o teatro se desenvolve, se estuda e se pesquisa na prática. E abriu a possibilidade de pesquisas incluírem processos criativos e de encenação em suas dissertações e teses. Esse caráter, entre outros, dinamizou a pesquisa em artes no panorama nacional e o PPGAC-UFBA é, por 14 anos, consecutivos. um programa de excelência (nota 6) pelos critérios de avaliação da CAPES.

Com a pós graduação vieram novos olhares sobre a cena e a interação com um fórum nacional de artistas-pesquisadores-professores das artes cênicas. Por ser um dos primeiros no Brasil, muitos vieram estudar na Escola de Teatro da UFBA e desenvolver ali suas pesquisas, especialmente no plano de formação de docentes das Universidades Federais. Pesquisadores da cena de todas as regiões do Brasil, especialmente das regiões do Nordeste, Centro Oeste e Norte, começaram a aportar em Salvador com suas inquietações artísticas na bagagem para desembrulhá-las e movimentar os corpos da cidade.

A princípio com duas linhas de pesquisa, Etnocenologia e Processos de Encenação, o Programa abriu espaços para que pesquisas fossem realizadas a partir das nossas bases culturais, quer no campo teórico, quer no campo do processo de criação. Pronto, mais ainda se firmou o território para as pesquisas afrorrefenciadas, das culturas populares, temáticas de gênero e da performance, da interação entre linguagem, da afirmação de que a diversidade cultural brasileira e baiana é uma benção. Ao longo dessas duas décadas foram abertas novas linhas de pesquisa para abarcar a demanda de projetos inscritos no programa cada vez mais plural.

Assim, outro campo que se tronou fértil foi o da dramaturgia que adentrou por diversas temáticas, desde dramaturgia em jogos eletrônicos, textos construídos em processos de criação colaborativos, realizados por novos dramaturgos e dramaturgas que surgem na cena local a exemplo de Paulo Henrique Alcantara, João Sanches, Gil Vicente Tavares, Gílson Oliveira, Daniel Arcades, Adelice Souza, Joice Aglaê; às propostas dramatúrgicas de Meran Vargens em sua Trilogia Baiana: Cidade Real, Cidade Expressa, Cidade Fantástica e de Antônia Pereira com a Trilogia Memórias composta pelos espetáculos A Morte nos Olhos, A Memória Ferida, Na Outra Margem; e as inovadoras poéticas de Aldri Anunciação, com suas atividades de extensão que culminaram nos cursos e encontros do projeto Melanina Acentuada, num fórum de processos de criação, e da proposta de seus textos na trilogia que deu origem ao premiado texto e espetáculo Namíbia, Não!15

A linguagem dos palhaços, dos contadores de história, do teatro de rua, da performance, do teatro de improviso, das questões identitárias, da diversidade estética, das teorias e métodos além do universo da pesquisa histórica do mundo circense, das diversidades de práticas pedagógicas ligadas a formação do artista da cena, do professor de teatro no ensino formal e não formal, das práticas de estágio em projetos de extensão nas mais diversas comunidades em Salvador e no interior do estado, ampliaram o vocabulário teatral e contribuíram para a profissionalização e sustentação dos artistas baianos com suas demandas expressivas.

Ao mesmo tempo, nos cursos de Graduação, houve a implementação de um novo currículo, que investiu ainda mais na premissa da prática artística como base do aprendizado da arte teatral. O curso passou a ter uma estrutura curricular modular, inovadora em seu critério de avaliação, fazendo com que os alunos seguissem juntos, em turmas, ao longo dos 3 ou 4 anos de curso, como nas companhias de teatro, sempre vinculados a uma montagem por semestre. Isso resultou na criação de vários coletivos de teatro nascidos na universidade e criados pela afinidade, intimidade e cumplicidade com linguagens, métodos, estéticas, poéticas e temáticas. Este currículo foi novamente alterado, mas deixou este legado.

É curioso também observar um acontecimento pouco comentado, mas que foi determinante nos rumos da cena baiana. No final dos anos 90 e início dos anos 2000, havia uma relação direta de grupos profissionais de teatro da cidade com a rede privada de ensino médio como o grupo de percussão cênica Issucatasom, o grupo Dimenti e a Companhia de Teatro Os Bobos da Corte. Isso promoveu um ingresso de alunos vindos deste universo escolar para a Escola de Teatro da UFBA e seus diferentes cursos.

Em julho de 2004, a política de ações afirmativas foi aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) da UFBA e publicada na resolução n°01/04. No final do mesmo ano, sairia o edital para o vestibular de 2005, o primeiro que trouxe a opção de reserva de vagas para alunos pretos e pardos que estudaram em escola pública. Essa resolução ampliou o conjunto de alunos vindos de classes sociais menos favorecidas e dos estudantes negros para a Escola de Teatro da UFBA. Esse caldeirão humano interagindo em laboratórios de criação, discutindo modos de fazer teatro, registrados no próprio corpo, dialogando diretamente com os professores e as propostas inseridas nos currículos, promoveu, inevitavelmente, um reboliço nos paradigmas e nos pressupostos da arte cênica da Bahia.

É assim que, na segunda metade deste período, o Teatro Negro ganha fôlego novo no cerne da Escola de Teatro, criando disciplinas que lidam diretamente com os estudos da diáspora, a Cia de Teatro da UFBA promove duas montagens com elenco e equipe totalmente composta por negros (Gusmão, O Anjo Negro e sua Legião e Pele Negras, Máscaras Brancas) e, em parceria com o PPGAC, realiza o I Fórum Negro das Artes Cênicas que chega a sua 4ª edição em 2020, em plena pandemia, de forma virtual.

A escola segue sendo um centro plural. Defende sua vertente de abarcar as artes da cena como um todo. Mantém produções e o incentivo a produções dos mais diferentes campos da linguagem cênica, e começa atrair para ingressarem no curso de pós graduação artistas integrantes de grupos de teatro que tem a pesquisa naturalmente como base de suas montagens, mas que ainda resistem travar um diálogo teórico-prático com a academia.

Nesta iniciativa difundiu parcerias com o grupo Oco Teatro Laboratório, com quem já desenvolvia o FILTE e o Colóquio Internacional Cênico da Bahia – CICBAHIA, passando a ter a pesquisa de Luis Alonso sendo realizada no território do programa, ou Fernanda Júlia - Onisajé com o grupo NATA, ou ainda Marcia Limma do grupo Vila Vox, ou Luis Antônio Junior fundador de A Outra Companhia de Teatro.

Ao analisarmos a lista de indicados para o Prêmio Braskem de Teatro em todas suas edições, temos a presença de alunos, ex-alunos e professores entre os premiados. Em 2019, a maioria das montagens de destaque são realizadas coincidentemente por autores, artistas, diretores e técnicos teatrais que em algum momento das suas trajetórias passaram pelos cursos da Escola de Teatro da UFBA.

Mas em 2006 não é só a Escola de Teatro que contribui para esse novo bom momento. Também há uma boa procura por vagas no curso profissionalizante do Estúdio Sitorne e a iniciativa privada aproveita a conjuntura favorável para investir na abertura de um novo curso superior de artes cênicas em Salvador. A Faculdade Social da Bahia (FSBA) realiza a partir desse ano, dois vestibulares com entrada de 20 a 26 alunos por semestre para Licenciatura em Teatro e Bacharelado em Interpretação Teatral.

Entre 2013 e 2017, o grupo Teatro dos Novos investe na formação das primeiras turmas da Universidade Livre do Teatro Vila Velha, desenvolvendo experiências cênicas e montagens amparadas pelos verbos aprender e fazer. Aprender fazendo e fazer aprendendo. Os integrantes da Livre além de atuarem nos espetáculos do Teatro Vila Velha, também exercitam a cenografia, o figurino, a maquiagem, o som, a música, o vídeo, a gestão, a produção e a comunicação.

 

OS ANOS DE 2010: ADEUS AOS BONS TEMPOS

A partir de agora destacamos na nossa narrativa os melhores espetáculos de cada ano dessa década vencedores do Prêmio Braskem de Teatro16. Eles representam a diversidade dos temas abordados, as poéticas de encenação e a nova dramaturgia baiana refletindo o teatro feito na Bahia nos dias atuais.

A produção de espetáculos teatrais inicia a segunda década do século XXI com uma média mensal de 30 peças em cartaz, na capital do estado, apesar da crise econômica, mas marca um retrocesso (se comparado aos meados dos anos 90) no número de espectadores. O período vai ser marcado por uma crise político-econômica, que irá abalar a estrutura de financiamento da cultura nacional com consequências ruins para o teatro baiano.

Num quadro de desmonte das políticas públicas locais as notícias boas vêm do empoderamento feminino ampliando a presença das mulheres que ocupam com mais vigor a cena teatral e da dramaturgia com sotaque baiano, que aumenta seu alcance utilizando-se de diferentes temas e campos da linguagem.

 

  1. PÓLVORA E POESIA

(TEXTO ALCIDES NOGUEIRA / DIREÇÃO FERNANDO GUERREIRO)

 

Caio Rodrigo (Paul Verlaine) e Talis Castro (Arthur Rimbaud) atores em Pólvora e Poesia – 2010. Foto: Divulgação.

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Pólvora e Poesia é o destaque da cena soteropolitana no primeiro ano da década. As vidas, palavras e sentimentos dos poetas franceses Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, são retratados no espetáculo na montagem bem recebida pelo público e pela crítica. Um confronto entre a razão, a paixão e a vida desregrada destes dois poetas transformadores de seu tempo. Deste conflito surge o amor tempestuoso, marcante e intenso, compondo a trama dirigida por Fernando Guerreiro, com texto do escritor e novelista Alcides Nogueira – vencedor do Prêmio Shell 2001.

O espetáculo estreou em 2010 em Salvador, ocupando o Espaço Cultural da Barroquinha. Nesse histórico espaço, a equipe realizou inúmeras apresentações com excelente repercussão entre a crítica e o público, culminando em 05 indicações no Prêmio Braskem de Teatro: Caio Rodrigo na categoria melhor ator, Talis Castro na categoria revelação, Rodrigo Frota na categoria especial, Fernando Guerreiro como melhor diretor e a peça como melhor espetáculo. Diretor e montagem foram escolhidos como os melhores em suas respectivas categorias e disso resultam novas temporadas em Salvador.17

Continuam a ser realizados eventos exclusivos e importantes para o fortalecimento da cena local, como o Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC), o Festival Internacional de Artistas de Rua, o IC- Encontro Internacional de Artes18 e o Festival Latino-Americano de Teatro na Bahia (FILTE). Estes começam também a ter suas verbas diminuídas e alteram a quantidade e o tipo de espetáculos selecionados para participarem das suas programações, optando por montagens com menos artistas envolvidos em cena e equipe técnica limitada.

 

  1. SARGENTO GETÚLIO

(TEXTO JOÃO UBALDO RIBEIRO/ DIREÇÃO GIL VICENTE TAVARES)

O destaque do ano de 2011 é o monólogo Sargento Getúlio que foi o grande vencedor do Prêmio Braskem, nas categorias Melhor Espetáculo Adulto e Melhor Ator para Carlos Betão. O espetáculo narra a história de Getúlio Santos Bezerra, sargento sergipano, que recebe a missão de prender e levar um preso político de Paulo Afonso, na Bahia, a Aracaju, em Sergipe. É sua última missão antes de sua aposentadoria. No entanto, o panorama político se altera e Getúlio recebe a contraordem de soltar o prisioneiro e sumir. Mas o sargento que havia prometido levar o preso, reitera que irá cumprir a primeira ordem. Segue em desatino à incumbência que lhe foi dada de início.

A partir de 2011, no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, as nomeadas ministras da Cultura Ana de Hollanda logo após substituída por Marta Suplicy não têm habilidade política suficiente para lidar com a enorme diversidade dos muitos agentes da arte e da cultura que estão espalhados pelo país, promovidos ou revelados pelos programas implantados por Gilberto Gil e Juca Ferreira, no período de governo do presidente Lula.

Em paralelo na Bahia, no mesmo ano tem início o segundo mandato de Jaques Wagner no governo do estado. É nomeado como novo secretário de cultura o pós-doutor em Políticas Culturais professor Albino Rubim que procura dar continuidade e aprimorar as ações reestruturantes iniciadas por Márcio Meirelles.

 

  1. ENTRE NÓS – UMA COMÉDIA SOBRE DIVERSIDADE

(TEXTO E DIREÇÃO JOÃO SANCHES)

 

Igor Epifânio e Anderson Dy Souza atores de Entre Nós – Uma Comédia Sobre Diversidade – 2012. Foto: Divulgação.

Vencedora do Prêmio Braskem de Teatro 2012 como melhor espetáculo, João Sanches com o melhor Texto; Igor Epifânio como melhor Ator, a peça gira em torno de dois atores em processo de criação de uma estória de amor entre dois jovens gays, personagens batizados por eles de Fabinho e Rodrigo. Neste meio tempo, os atores se embaraçam na concepção da estória, por conta dos próprios preconceitos, recalques e visões de mundo diferentes acerca do tema diversidade sexual.

Com tantos encalços nesta criação, eles resolvem solicitar ao público que decida sobre o desfecho da peça: se o casal de personagens deve ficar junto, e, em caso positivo, se a peça deve terminar com um beijo entre eles ou não. Enquanto os personagens Rodrigo e Fabinho encaram suas sexualidades com naturalidade, os atores que os interpretam se constrangem, se confrontam e se atrapalham em cenas carregadas de humor.

Mais de setecentos alunos da rede pública assistiram à peça, que foi contemplada com o Edital de Culturas LGBT do Centro de Culturas Populares e Identitárias, e contou com o apoio financeiro da Secretaria de Cultura e da Fazenda do Governo do Estado da Bahia, através do Fundo de Cultura.

Nos próximos anos observa-se que o perfil do público que frequenta o teatro baiano se modifica, com o aumento das plateias em espetáculos, com textos mais densos, mesmo sem diminuição de público das comédias, que vem dominando a preferência dos baianos desde o final dos anos de 1980 e por quase todo os anos 90.

Agora se consegue levar mais pessoas para assistir peças que têm temáticas alternativas a exemplo das diferenças regionais, do racismo, das questões de gênero ou das sexualidades, montados em decorrência de projetos experimentais, ,selecionados por editais públicos, que permitem a cobrança de ingressos mais baratos. Este sucesso dos grupos de teatro da capital e do interior abre caminhos para participação das produções baianas em festivais e turnês em outras praças estaduais e mesmo fora do país com apoio governamental e de patrocínios da iniciativa privada.

 

  1. 2013. LONGA JORNADA NOITE ADENTRO

(TEXTO EUGENE O’NEILL / DIREÇÃO HARILDO DEDA)

Em 2013, o destaque teatral vai para a Companhia de Teatro da UFBA que, em empreendimento inédito, encenou Longa Jornada Noite Adentro (Eugene O’Neill) dirigido por Harildo Deda, em um drama que foca um dia de uma família ‘disfuncional’, onde vem à tona as dores, as frustrações e os ressentimentos das personagens: a mãe (representada pela atriz Joana Schnitman) é viciada em morfina, o pai (desempenhado pelo intérprete Antônio Fábio) se afunda no álcool depois de perceber que não é mais um ator respeitável, pois, por dinheiro, aceitou anos a fio encenar uma montagem de apelo popular.

O filho mais velho (papel de Wanderley Meira) é emocionalmente instável e tem ciúme do irmão mais novo e este (personagem de Vinicius Martins) tenta escapar dos problemas familiares como poeta e escritor, mas é vítima da tuberculose. A atriz Patrícia Oliveira faz a criada da família, um contraponto de leveza ao drama. A encenação de Déda fala das relações familiares mas também aborda um tema sempre bem conduzido pelo experiente diretor, o metateatro. Ele afirma em relação a boa receptividade da plateia que “uma boa encenação comprova que o drama também faz as pessoas rirem".

 

  1. AS CONFRARIAS

(TEXTO JORGE ANDRADE / DIREÇÃO PAULO CUNHA)

Em 2014, mais uma vez um espetáculo da Cia.de Teatro da UFBA será o destaque anual da cena baiana. O Troféu Braskem de Teatro vai para o espetáculo As Confrarias (Jorge Andrade), que tem boa avaliação da crítica e presença maciça do público no Teatro Martim Gonçalves, conforme informa a mídia comercial.

No texto clássico de Jorge Andrade (1922 – 1984), discute-se, entre tantas outras questões, o papel do artista na sociedade. A mãe de um rapaz – um ator morto por forças do governo -, interpretada por três atrizes (Jacyan Castilho, Marta Saback e Vivianne Laert), percorre as antigas ruas mineiras, procurando uma confraria – associação religiosa de leigos no catolicismo tradicional – que aceite enterrá-lo. Contudo, suas intenções não são tão simples. Tomando para si a “função do artista”, antes exercida pelo filho, a mulher questiona os fundamentos da sociedade, atacando as várias confrarias que regulam as vidas das pessoas. O texto encenado ganha corpo com o trabalho vigoroso de 28 atores da Companhia de Teatro da UFBA e funciona como uma ode à arte teatral, ao nos lembrar de que a vida e o teatro não são facilmente distinguíveis entre si.

Em 2015, com o apoio de Jacques Wagner, Ruy Costa é eleito governador da Bahia e nomeia com indicação do partido, o educador, poeta e compositor Jorge Portugal para a Secretaria de Cultura. Dilma começa seu segundo mandato e chama Juca Ferreira de volta para liderar as ações do Ministério da Cultura. Logo após, todos os primeiros movimentos articulados por Juca e sua equipe para restabelecer o protagonismo do segmento cultural no país, são destruídos pelo golpe de 2016.

 

  1. BULULÚ - ESTÓRIAS DA INVENÇÃO DO MUNDO

(TEXTO CALDERÓN DE LA BARCA / DIREÇÃO MONCHO RODRIGUEZ)

Bululú- Estórias da Invenção do Mundo, com Bartolomeus (João Guisande)  e Amadeus (Danilo Cairo). Foto: Divulgação – 2015.

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O grupo Toca de Teatro, consolidando uma brilhante trajetória na cena baiana, é o destaque teatral de 2015 com a montagem do espetáculo Bululú - Estórias da Invenção do Mundo (Calderón de La Barca) que conquista o Braskem de melhor espetáculo de 2015. A peça, fruto de parceria entre o Toca de Teatro (Bahia) e Plataforma Internacional Fafe - Cidade das Artes (Portugal) traz no elenco os atores Danilo Cairo e João Guisande. A direção é do espanhol Moncho Rodriguez.

A peça conta a saga de dois comediantes muito especiais: Amadeus (Danilo Cairo) e Bartolomeus (João Guisande). Os dois, que são tão antigos quanto o próprio teatro, acabaram de chegar a um lugar onde pensam que estão a representar. Lá, eles decidem contar o famoso romance da Invenção do Mundo, inspirado no Grande Teatro del Mundo, de Calderón de La Barca. Bululú traz para a cena uma criação crítica e divertida que aborda o universo do teatro, da realidade, do sonho, da vida, do ator e do espectador na sociedade atual.

É mais um espetáculo de metateatro, que discute a importância da arte nos dias de hoje, dominado pelo mundo virtual, e apresenta duas visões diferentes sobre este tema, que fala do ofício do ator. A comissão julgadora do Prêmio Braskem deve ter aprovado essas duas visões pois Danilo Cairo e João Guisande, pela primeira vez na história do certame dividem o prêmio de melhor ator.

Jorge Portugal, em sua primeira experiência como gestor de um órgão público, enfrenta dificuldades para desenvolver os poucos projetos da sua gestão, notadamente pelo contingenciamento das verbas para a sua pasta, situação que vinha acontecendo desde a administração anterior da SecultBa. O edital de teatro não foi publicado em 2020, por conta do corte no orçamento do governo estadual, em função da crise econômica, mas com a promessa de voltar em 2016 tendo um aporte de cerca de R$ 2 milhões.

Em 2016, a cultura nacional e o teatro baiano, após o impeachment de Dilma, passam a enfrentar a ação destruidora iniciada por Michael Temer, que tenta extinguir o Ministério da Cultura. A pressão política da sociedade civil mobilizada pela classe artística o faz recuar. Até o final do seu mandato, quatro ministros se revezam na pasta da Cultura, paralisando e tumultuando o desenvolvimento das ações governamentais na área.

 

  1. REBOLA!

(TEXTO DANIEL ARCADES / DIREÇÃO THIAGO ROMERO)

Rebola!, espetáculo que aborda a temática LGBTQI – grupo Teatro da Queda – 2016. Foto: Divulgação.

 

O grande sucesso de público e de crítica do ano de 2016 é o espetáculo Rebola! Realizado pelo Teatro da Queda, é uma homenagem à criação e resistência de espaços de articulação para a comunidade LGBTQI. Inspirado em um dos grupos de teatro mais importantes do Brasil na década de 70, os Dzi Croquettes, Rebola! transforma o palco do teatro no bar Xampoo e conta a história do fechamento do estabelecimento gay e de seu proprietário, Lobo.

Inconformados, jovens atores transformistas bolam uma noite dançante e cheia de números cômicos, com muito rebolado, para convencer a Lobo de não fechar o bar. O espetáculo foi resultado de um processo de ocupação vivido no Beco dos Artistas, antigo reduto de artistas e da comunidade gay de Salvador, que estava em decadência, e nasce como um ato político a favor do amor, do respeito e da cidade.

No elenco, o veterano Hamilton Lima é o convidado especial para o papel de Lobo, acompanhado por uma nova geração de atores talentosos da cena baiana Gustavo Nery, Fernando Ishiruji, Victor Corujeira, Genário Neto, Thiago Almasy, Rodrigo Villa, Diogo Teixeira, Caíque Copque e Sulivã Bispo. O Teatro da Queda acerta quando procura acessar seu público no local onde ele está, sendo assistido por mais de três mil pessoas na primeira temporada.

O espetáculo sacode o cenário teatral animando a classe num momento em que a conjuntura político-social está repleta de ameaças à liberdade de expressão em todo país. Indicado ao Prêmio Braskem de Teatro em quatro categorias – Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Texto (Daniel Arcades) e Melhor Espetáculo Adulto, foi vencedor nessas duas últimas.

Perguntado sobre seus projetos teatrais em 2016, o diretor Márcio Meirelles desabafa: "O único projeto que tenho é sobreviver neste momento difícil, nesta cidade hostil à cultura plural. Nesta cidade província imperial que mantém os súditos calados pela festa constante. Meu grande projeto é coletivo. Somos muitos trabalhando feito loucos literalmente para manter as portas do Teatro Vila Velha abertas, em meio a esta crise mais de valores do que econômica", complementa.

Depois de mais de um ano sem colocar recursos financeiros públicos diretos nos setoriais da arte baiana, a Secretaria de Cultura lança edital, já no apagar das luzes de 2016.

 

  1. 2017. UM VÂNIA, DE TCHEKHOV

(TEXTO ADAPTADO DE ANTON TCHEKHOV / DIREÇÃO GIL VICENTE TAVARES)

Grande vencedor do Prêmio Braskem de Teatro 2017, quando levou para casa as estatuetas de Melhor Espetáculo Adulto, Melhor Ator (Marcelo Praddo) e Melhor Direção (Gil Vicente Tavares), o espetáculo “Um Vânia, de Tchekhov” é uma versão de um dos maiores clássicos do teatro mundial. Em cena, as atrizes Alethea Novaes e Isadora Werneck, e os atores Gideon Rosa, Marcelo Flores e Marcelo Praddo, dão vida aos personagens principais de Tio Vânia, criados pelo russo Antón Tchekhov, em 1897. Obra teatral de uma beleza profunda, trata da frustração dos sentimentos, da castração dos desejos, da impossibilidade da paixão. Temas eternamente atuais e poeticamente escritos por um dos maiores dramaturgos de todos os tempos.

Em 2017 inicia-se um possível novo fenômeno popular na cena teatral baiana, o espetáculo Na Rédea Curta. Apresentando uma dupla de jovens atores, Thiago Almasy (Junior) e Sulivã Bispo (Mainha), se torna ícone do humor cotidiano soteropolitano ao lançarem, no YouTube, a web série Frases de Mainha em 2016. De lá pra cá, depois de 130 mil inscritos no canal, os personagens alcançam um efeito viral crescente, divertindo o público com a valorização da “forma de falar” do povo baiano, ao tempo que abraça o viés da cultura popular que se perpetua através da oralidade, com cenas que levam o público às gargalhadas.

A partir dessa repercussão, eles resolvem montar o espetáculo Na Rédea Curta, se tornando o primeiro caso, pelo menos na Bahia, de uma dramaturgia criada para internet migrar para o palco italiano, que estreou no Teatro Jorge Amado no segundo semestre de 2017. Ao interpretar uma mãe solteira e seu filho acomodado, moradores da periferia, Junior e Mainha despertam um afeto e uma identificação tão surpreendentes que realiza sessões sempre esgotadas na cidade de Salvador. Em diferentes temporadas, a montagem soma mais de 100 apresentações, todas com bilheterias esgotadas por um público que quer ir ver de perto aqueles personagens com quem tanto se identifica.

Ocorre nova mudança no quadro da gestão da cultura na Bahia. A produtora Fernanda Tourinho é exonerada e no seu lugar assume as relações públicas Renata Dias na direção geral da FUNCEB. Um mês depois, Jorge Portugal alegando motivos de ordem pessoal, será substituído em 02 de outubro de 2017, pela atriz, professora e ativista do movimento negro Arany Santana no comando da pasta estadual da Cultura. As mulheres agora comandam a cultura da Bahia no meio da crise.

 

PROTAGONISMO DAS MULHERES NA CENA BAIANA

A cena teatral do ano de 2017 teve como maior destaque o protagonismo feminino19. Os solos, de uma maneira geral, continuaram ainda muito presentes nos palcos (até por conta da falta de recursos), mas este ano muitos projetos debateram questões da mulher, o lugar de fala, violência, política e subjetividade. Protagonismo feminino - Nesta linha, vale ressaltar o Tristes, Loucas e Más, Festival de Mulheres em Cena.(...) Com ações que tinham como objetivo impactar esferas de construção política e social, fomentou reflexões sobre direitos igualitários. A mostra reuniu 13 solos de diferentes estéticas, além de debates. (...) Também o experimento cênico Sobre Mulheres, Cavalos e Lobos, com encenação, texto e performance de Fernanda Veiga e Will Brandão, abordou o despertar da mulher para sua essência ancestral a partir da potência do feminino selvagem. O lugar de escuta do masculino também foi realçado nesta pesquisa, que ainda sinalizou para ocupação de espaço não convencional: O Charriot, localizado na Conselheiro Lafayete, Comércio.(...) Já o espetáculo Donas – Comédias Que Elas Cantam reuniu as histórias e canções guardadas nas memórias de mulheres de Madre de Deus, São Francisco do Conde e região. A peça percorreu as ilhas da Baía de Todos-os-Santos.(...) Outro projeto de valorização da memória e da mulher foi Assoalho de Lembranças, que marcou o encerramento do projeto Minha História Conto Eu, realizado pela atriz e bonequeira Alessandra Flores, com participação da jornalista e escritora Bruna Hercog, com mulheres de península Itapagipana. São apenas alguns exemplos.

A matéria da jornalista e atriz Eduarda Uzêda dá visibilidade a estes projetos e eventos que agregam solos, performances, cursos e manifestações da cultura popular, além de evidenciar um aspecto que toma conta dos processos de criação contemporâneos que são as pesquisas de relatos de vida para criação de roteiros e dramaturgias, neste caso ampliando a dinâmica teatral baiana do ponto de vista do empoderamento feminino nas artes.

A mulher sempre enfrentou adversidade para e por pertencer ao universo teatral, para e por ser membro desta trupe. Ao longo dos séculos, foi considerada profissão de prostitutas. Profissão amoral para a família tradicional. Este estigma sempre exigiu das mulheres de teatro uma disposição maior para enfrentar o diálogo com a sociedade. Além da cultura estruturada no machismo, que também permeava as ações dos bastidores do mercado e dos eventos teatrais.

Na Bahia não foi nem é diferente. Um território de coronéis na política, na mesa, na sala de estar, e nos fóruns decisórios da sociedade. Mas a Senhora Dona Bahia, traz no seu seio mais uma de suas tantas complexidades, especialmente em Salvador e no recôncavo baiano, onde a influência da sociedade matriarcal afrodescendente é determinante. Nela postos de poder estão entre as mães de santo, onde a mulher ocupa um lugar de respeito e poder na comunidade. E essa natureza matriarcal, como água, é capaz de infiltrar-se por muitos micro espaços!

É preciso agradecer às mulheres de teatro por terem redimensionado parte desta sociedade provinciana. Sim, agradecer às pioneiras Nilda Spencer, atriz, professora, tradutora, colunista teatral que enfrentou a família para seguir com brilhantismo sua vocação artística sendo a primeira mulher a ocupar a direção da Escola de Teatro da UFBA; a atriz Jurema Penna por sua luta em ocupar espaços de criação e direção cênicas, batalhando ainda pela defesa dos direitos autorais e a expansão do fazer teatral para além da capital do estado; a atriz e professora Lia Mara por seu pioneirismo em desbravar o campo da voz e da palavra na cena, na vida, no fórum das artes e da ciência e ainda a diretora e dramaturga Lúcia de Sanctis, por ser a primeira mulher baiana a liderar um grupo teatral que coloca em evidência as qualidades e méritos dos artistas negros enfrentando o racismo.

Assim chegamos ao século XXI como as demais cidades e estados brasileiros com o feminismo protagonizando a cena teatral. Se nos textos dramáticos e encenações encontramos contextos cênicos e performáticos discutindo o papel da mulher e seu espaço na vida social, o feminicídio e a violência que afeta a família dessas mulheres no cotidiano dos gestos sociais, na esfera intelectual para além daquelas aceitas/ofertadas pelo patriarcado à mulher, precisamos reconhecer o papel das muitas mulheres que ergueram o teatro baiano.

Estiveram à frente, ao lado e por trás da realização de projetos importantes quer artísticos, quer pedagógicos, quer de desenvolvimento de linguagem, de estudos teóricos na área e de gestão. As mulheres de todos os tempos enfrentaram as piadas de mau gosto de uma sociedade provinciana e machista, mesmo que envolta num aparente estado de liberação e aceitação.

Com todas as crises enfrentadas no Brasil da ditadura civil-militar, as mulheres do teatro resistiram e nos anos 80 decidiram por construir suas carreiras na Bahia e adentraram os anos 90 consolidando a profissionalização das diversas carreiras, funções, atividades que integram o fazer teatral através de propostas cênicas inovadoras. Deram um passo a mais.

Nilda Spencer no espetáculo Ensina-me a Viver - 2001  Foto: Célia Aguiar.

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Além das carreiras de atriz e dos lugares de braço direito de diretores e gestores, a mulher começou a ocupar o cargo de direção dos espetáculos com destaque, inovando a linguagem teatral, as metodologias presentes nos processos de criação e colaborando com a dramaturgia, inclusive aquela feita a partir da sala de ensaio. Como nos demais territórios, também a Bahia está no rol em que diretores homens ganham mais que diretoras mulheres, tem mais espaço na imprensa, são recebidos de forma “melhor” pelos empresários no momento de um patrocínio.

Nos anos 90 e que seguem produzindo, evoluindo a linguagem teatral com ousadia Carmem Paternostro, Hebe Alves, Chica Carelli, Meran Vargens vão abrindo espaço para que entrem pela porta da frente Elisa Mendes, Adelice Souza e Fernanda Júlia - Onisajé dirigindo produções do Núcleo de Teatro do TCA. Fernanda Paquelet dirigindo a Cia Baiana de Patifaria, Paula Lice trazendo para a cena o ator Vinicius Bustani abordando a temática LGBTQI, Alda Valéria com seu instigante espetáculo Deus Danado ou ainda Cecília Raiffer, hoje no Ceará, com a Cia. Engenharia Cênica.

Atualmente percorrendo as fichas técnicas dos espetáculos, vamos encontrar além das dezenas de atrizes baianas talentosas, várias mulheres exercendo as mais diferentes funções mesmo aquelas anteriormente consideradas masculinas como iluminação, direção de palco, produção, dramaturgia, cenografia, gestão, trilha, direção musical, onde podemos citar Ana Paolilo, Ana Paula Bouzas, Ana Rúbia de Melo, Ângela Andrade, Aninha Franco, Chica Carelli, Claudia Salomão, Cleise Mendes, Débora Landim, Edna Pereira, Eliana Pedroso, Fernanda Paquelet, Fernanda Tourinho, Hebe Alves, Hilda Nascimento, Irma Vidal , Márcia Cardim, Maria Eugenia Millet, Maria Marighela, Marísia Mota, Nadja Turenko, Nehle Franke, Pólis Nunes, Rita Assemany, Rô Reys, Rosa Villas-Boas, Rose Lima, Selma Santos, Sibele Américo, Sônia Rangel, Sônia Robatto, Susan Kalik, Tânia Lisboa, Teresa Costa Lima, Vadinha Moura, Valdinéia Soriano, Virgínia Da Rin, Yumara Rodrigues, Zeca Abreu e Zélia Uchôa. Veremos o que está sendo construído por elas para as próximas décadas!

 

O DESMONTE DA CULTURA NACIONAL

Uma nova tragédia irá atingir a área da cultura em 2018: a eleição fraudulenta de Jair Bolsonaro manipulada juridicamente políticos, civis, da mídia comercial.

Susan Kalik, diretora, produtora e roteirista, faz uma análise que retrata com fidelidade a cena cultural de Salvador no início de 2018. Salvador tem uma cena cultural pulsante, viva e faminta. Tenho ficado particularmente feliz com o movimento dos grupos teatrais da cidade, que têm realizado ações em espaços alternativos, criado uma dramaturgia própria, e que resiste, muitas vezes, sem apoio financeiro de editais. (...) O que, de fato, me parte o coração é ver talentos obrigados a deixar a cidade, ou até mesmo mudar de profissão, na busca por oportunidades mais constantes e mais bem remuneradas. Quando isso acontece, perdemos como cidade, perdemos como cultura baiana”.20

Ainda em 2018, com direção artística de Luiz Marfuz, o tradicional Prêmio Braskem de Teatro, que comemora 25 anos, teve como tema A arte é livre. “No ano de 2017, uma onda conservadora caiu em cima da produção dos artistas do país, em quase todas as áreas”, explica Marfuz. “Isso pode parecer óbvio, mas muitas vezes precisamos reafirmar o óbvio, para que não desapareça”, garante o diretor, que realizou um espetáculo com música, dança, teatro e audiovisual centrado na rica história de 2.500 anos do teatro. Sua intenção explícita foi provocar a reflexão sobre a natureza livre da criação artística, considerando as manifestações e o cerceamento artístico vividos nos últimos tempos.

 

  1. PORQUE HÉCUBA

(TEXTO MATÉI VISNIEC / DIREÇÃO MÁRCIO MEIRELLES)

É neste clima de terra arrasada, que o espetáculo Porque Hécuba (Matéi Visniec) encenado por Marcio Meirelles com a atriz convidada Chica Carelli leva o Troféu Braskem de Teatro como melhor espetáculo adulto de 2018. Produzido pela Universidade Livre do Teatro Vila Velha, Porque Hécuba conta a história de Hécuba, rainha de Troia, que perdeu os filhos na guerra que durou 10 anos, e acabou com a vitória dos gregos - mas o texto de Matéi Visniec nos mostra nossas guerras cotidianas, a violência transformada em espetáculo, a manipulação dos fatos e dos bens que sofremos... e a montagem de Márcio Meirelles situa isso no carnaval da Bahia, onde os deuses que produzem essa situação se divertem, no camarote, com a tragédia humana – com muita música, dança e a experiência de estar num espaço cênico onde o espetáculo envolve o público de maneira única, como o carnaval.

Na página da montagem21 numa rede social, o jornalista Edson Rodrigues faz uma análise crítica do espetáculo à luz dos tempos em que ele está inserido: “Porque Hécuba é, então, um desses feitos que só as artes cênicas podem nos proporcionar. Criada a partir de um nada de recursos e de um todo de talentos, a peça vem sendo oferecida ao público, em suas consecutivas versões, em meio a um Brasil da desesperança. Uma fênix performática, mas reflexiva. Existe, é certo, para nos provar que há um sentido das coisas a ser mudado, por completo. Qual sentido? (...) O teatro de Marcio Meirelles e Chica Carelli deve soar, para muitos, um tanto sem nexo nesse estado de coisas brasileiro e baiano, não por culpa dele, mas por total equívoco de um modo de estar que nos força a viver nesses tempos tenebrosos de Pindorama. Mas esse teatro do TVV - que nesse texto classifico como ‘de resistência’ em contraponto a um teatro de fácil digestão e que ostente ‘gente conhecida da tevê’ - persiste, apesar de sua inadequação ao ambiente político, moral e econômico vigente; apesar da desimportância que os idiotas teimam em querer a ele imputar; apesar da miserável falta de apoio – quer seja financeiro, quer seja logístico, quer seja ao menos motivacional – que um governo qualquer possa lhe endereçar. Nesses termos, por que Hécuba? Porque é preciso caminhar sempre na direção da utopia. E porque nesse caminhar, não se engane, é forçoso adquirir a coragem de brigar e morder, como uma cachorra que finca os dentes naqueles que lhe atiram pedras. Pois nada nos será dado.

* Edson Rodrigues é jornalista, educador, as vezes fazedor de arte, Mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA”.

 

Chica Carelli em Porque Hécuba – Foto: João Meirelles – 2018.

 

Em maio de 2019, numa entrevista com a diretora da FUNCEB Renata Dias, publicada na revista Muito, a jornalista Tatiana Mendonça questiona. “Desde 2016, a Secult não lança editais setoriais, aqueles que servem para fomentar produções artísticas em áreas como teatro, dança, música, literatura. (...) Em abril, o governador Rui Costa anunciou que o jejum acabaria neste mês. A diretora da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), a relações-públicas Renata Dias, explica que o órgão ainda precisa demonstrar a instituições de controle, como o Tribunal de Contas, que pode firmar novos contratos, já que ainda há um volume grande de análises de prestações de contas pendentes de editais anteriores.

Durante os nove anos de políticas culturais operadas pela Funceb, foram se avolumando as análises de prestações de contas, por conta da incapacidade da estrutura interna do órgão em realizar a fiscalização das centenas de projetos realizados durante esse período. Em 2017, esta situação levou a Procuradoria Geral do Estado e o Tribunal de Contas do Estado a não recomendar a realização de novos editais até que a Funceb demonstrasse estar capacitada tecnicamente a fazer novos convênios.

 

NOVA FASE PARA UMA DRAMATURGIA COM SOTAQUE BAIANO22

Os esforços para estimular a formação de novos autores realizados por órgãos governamentais a exemplo da FUNCEB e Fundação Pedro Calmon promovendo o Encontro de Dramaturgia na Bahia e os cursos da Escola de Teatro da UFBA e seu Programa de Pós- Graduação em Artes Cênicas vão fortalecer o Teatro Baiano colocando em atividade novos dramaturgos e dramaturgas que irão se unir aos autores teatrais veteranos na construção de uma dramaturgia potente e com sotaque baiano.

Vermelho Melodrama, grupo Dimenti – 2019 – Foto: Patrícia Almeida.

 

Os autores contemporâneos da dramaturgia baiana de maior destaque na cena dos últimos vinte anos são Adelice Souza, Alexandre Luís Casali, Ângelo Flávio, Aninha Franco, Armando Avena, Armindo Bião, Bertho Filho, Carmen Paternostro, Cláudia Barral, Cláudio Lorenzo, Cláudio Simões, Claudius Portugal, Cleise Mendes, Débora Moreira, Deolindo Checcucci, Dinah Pereira, Edson Rodrigues, Elisio Lopes Jr, Fábio Espírito Santo, Fábio Vidal, Gil Vicente Tavares, Heraldo Souza, Hilma Nascimento, João Sanches, Leandro Araújo, Luciana Comin, Luiz Marfuz, Luis Sergio Ramos, Márcio Meirelles, Marcos Barbosa, Marcos Dias, Meran Vargens, Paulo Henrique Alcântara, Plínio Seixas, Rô Reyes, Romualdo Lisboa, Sonia Robatto, Susana Veja e Tom Figueiredo.

No ano de 2019, um recorte dessa nova fase da dramaturgia baiana ocupa a maioria dos palcos da cidade com espetáculos que abordam questões de relevo no debate contemporâneo como o empoderamento feminino, as causas LGBTQI+23, ações afirmativas da negritude e racismo, o descaso com a cultura, além da psicofobia, genocídio e outras questões sociais que vem à tona no momento de polarização política dos dias que correm.

Criança ferida ou de como me disseram que eu era gay com Vinicius Bustani - 2018 – Foto Caio Lírio.

Alguns destes novos textos realizados com a temática LGBTQI+ alcançam sucesso e arrebatam prêmios. Um dos mais recentes espetáculos que aborda com profundidade e delicadeza esta questão é  “Criança ferida ou de como me disseram que eu era gay” (Vinicius Bustani) com direção e dramaturgia de Paula Lice, que se propõe a falar sobre homofobia velada e já naturalizada nas nossas relações mais intimas.

O intento é alertar para a necessidade de uma revisão de hábitos, chavões e até boas intenções, que acabam por criar gerações de crianças solitárias, confusas, com sensação de isolamento e falta de lugar no mundo. Através de situações cotidianas, que misturam relatos biográficos do ator Vinicius Bustani e ficção, a narrativa evoca momentos e imagens da infância, que marcam o começo da percepção da homofobia, que assume que o desejo divergente da heteronormatividade é errado, e versa sobre os tipos de danos que isso causou em Vinicius e pode causar em crianças e adolescentes que começam a aprender sobre si dessa forma.

Para se aventurar nessa jornada pessoalíssima, o ator convidou a atriz, diretora e dramaturga Paula Lice, para compor direção e dramaturgia do projeto. Os dois, em processo colaborativo, deram forma ao espetáculo. O formato escolhido, teatro-documentário, mostrou-se extremamente valioso para aproximar cena e plateia, através de um relato de experiência verídico e verossímil, que cria uma relação de empatia, cumplicidade e engajamento entre as paredes que comportam a performance.

Em setembro de 2018, o espetáculo recebeu um prêmio da Ordem do Mérito Cultural da Diversidade LGBT outorgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), pelo trabalho na luta contra a homofobia. Foi indicado na categoria Texto para a maior premiação de teatro da Bahia, o Prêmio Braskem de Teatro 2018.

O espetáculo “Criança ferida ou de como me disseram que eu era gay” seguindo rastros de Entre Nós – Uma Comédia Sobre Diversidade, de João Sanches, cria vínculo com as redes públicas e privadas de ensino levando a produção dramatúrgica baiana contemporânea realizada pelo teatro profissional aonde as questões se colocam e afetando diretamente a comunidade, já que as apresentações eram seguidas de debates.

“ Criança ferida” realiza 22 apresentações em instituições e projetos de ação social, além de cinco temporadas em teatros de Salvador, com sucesso de público e crítica. Na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública compareceram mais de 1000 pessoas, entre alunos/as, professores/as e colaboradores/as. No Hospital Humberto de Castro Lima, realiza sessão voltada para corpo de funcionários/as. Durante dois meses aconteceram 6 apresentações para alunos e alunas de escolas públicas nos espaços culturais de Alagados e Plataforma e estudantes e professores/as dos cursos de Dança, Psicologia e Bacharelado Interdisciplinar de Artes da UFBA, através do projeto "Criança ferida itinerante" financiado pela Fundação Gregório de Matos (Prefeitura de Salvador) através do Arte Todo Dia.

Dois outros espetáculos que também obtiveram êxito de público com dramaturgia elaborada por baianas e baianos são: Aos 50 – Quem me Aguenta? (Edvana Carvalho) que traz uma abordagem crítica e consciente de uma mulher negra aos 50 anos frente às demandas de uma sociedade quebrando paradigmas e mostrando as novas possibilidades do feminino no contexto contemporâneo e Dois Pesos, Duas Medidas tem a dramaturgia criada por Daniel Caliban, Fernanda Beltrão e João Guisande onde atores gordos apresentam duas personas que trazem com humor e coragem situações cotidianas reais e imaginadas sobre o universo gordo. Em comum as duas peças possuem textos construídos a partir da pesquisa de relatos de vida para criação de suas encenações, uma tendência do processo de criação dramática contemporânea.

Sucesso desde a estreia, Aos 50 – Quem me Aguenta? é um espetáculo solo de Edvana Carvalho que apresenta conversas curtas e engraçadas sobre as diversas situações vividas por ela ao longo da vida. Os casos abordados e a maneira como são contados geram identificação direta no público. Com texto assinado pela própria atriz, traz também uma abordagem crítica e consciente de uma mulher frente às demandas de uma sociedade que ainda se guia pela valorização da juventude. Assim, temas como machismo, racismo e preconceitos diversos, servem como fonte para quebrar paradigmas e mostrar as novas possibilidades do feminino no contexto contemporâneo.

Edvana Carvalho em cena no seu espetáculo solo Aos 50, Quem Me Aguenta? – 2019 Foto: Divulgação.

Já a peça “Dois pesos, Duas medidas" é dirigida por João Guisande e conta em cena com o ator Daniel Caliban e a atriz Fernanda Beltrão. Na atração, os atores apresentam duas pessoas que trazem com humor e coragem, situações cotidianas reais e imaginadas sobre o universo gordo. Beltrão e Caliban exibem seus corpos, desnudam-se e trazem histórias para provocarem reflexões acerca da ansiedade gerada por uma sociedade gordofóbica, a relação da infância com a comida, a ideia de existência de um corpo ideal ou uma medida certa.

Fernanda Beltrão e Daniel Caliban em cena no espetáculo Dois Pesos, Duas Medidas – 2019 – Foto: Divulgação.

 

Outro novo dramaturgo contemporâneo é Diego Araúja, que cria e dirige a  peça Holocausto Brasileiro – Prontuário da Razão Degenerada se destacando na temporada teatral de 2019. O espetáculo foi adaptado por ele, em colaboração com Bárbara Pessoa com o projeto de montagem idealizado pela produtora cultural Gabriela Rocha, a partir do livro da jornalista Daniela Arbex, publicado em 2013, a partir da História do Hospital Colônia Barbacena, em Minas Gerais, considerado como o maior hospício psiquiátrico do Brasil. A obra original traz à tona histórias deste hospício onde milhares de pacientes foram internados à força, sem diagnóstico de doença mental, causando a morte de 60 mil pessoas entre 1903 e início dos anos 80.

Este genocídio, no entanto, não é um caso isolado: o uso da saúde mental como argumento moral para a segregação e o impedimento da vida tem muitos rastros e se mantém cotidiano, abatendo-se principalmente sobre a população negra, que inclusive representava 70% dos internos de Barbacena. E é com esta afro-perspectiva que a peça se propõe a analisar o manicômio e centros psiquiátricos, debatendo o adoecimento do sistema social, a loucura, o estigma e a psicofobia sob o viés intransigente do racismo.

A peça-ensaio propõe uma espacialidade cênica que mescla variados gêneros: o lúdico, o lírico, o documental, o dramático e o performativo. É uma proposta artístico-científica que busca mostrar que, para além da associação com o nazismo alemão e o terrível holocausto, os genocídios no Brasil têm origem própria: a colonização, a escravidão e o racismo estrutural. O elenco conta com a presença de duas atrizes portadoras de transtornos mentais – Helisleide Bomfim, integrante do grupo Os Insênicos, e Yuri Tripodi, que também faz a assistência de direção apresentando um reforço à desconstrução do estigma da loucura.

Ricardo Fagundes é Nalde em Das Coisa dessa Vida – 2018 – Foto: Diego Disouza.

 

O dramaturgo ilheense Gildon Oliveira ocupa a cena assinando dois concorridos espetáculos em 2019, Das Coisa dessa Vida e Vermelho Melodrama. A dramaturgia de Das Coisa dessa Vida coloca o espectador em posição de alteridade ao acompanhar ao longo do enredo da peça a construção identitária da personagem Nalde, já em Vermelho Melodrama a montagem tem sua estrutura dramática criada a partir do gênero do melodrama com o acréscimo de questionamentos sobre ficções da contemporaneidade.

Das Coisa dessa Vida é um monólogo com o ator Ricardo Fagundes, dirigido por João Miguel cuja dramaturgia dá voz a Nalde, um artista que compartilha com o público suas histórias enquanto se arruma para uma performance. Interiorano e sonhador, ele recorda que desde criança sente prazer em se fantasiar e passar horas se apresentando para plateias imaginárias. Contudo, ao perceber os olhares e comentários repressores sobre seu comportamento, tenta se enquadrar nas regras sociais para não sofrer, até que um dia, percebe que não nasceu para agradar os outros, então decide ser ele mesmo e vai viver a vida que sempre desejou.

Ao partir em busca da sua verdade, Nalde (Ricardo Fagundes) encontra inúmeras dificuldades, mas com a habilidade daqueles que precisam sempre seguir em frente, as supera. Assim, de coração aberto, fala de seus amores, desamores, das relações familiares, crenças e também reflete sobre suas aventuras e desventuras na tortuosa estrada da vida. De acordo com o dramaturgo, a plateia se identifica com o personagem porque a busca dele pela construção de sua identidade tem pontos universais com as histórias individuais de cada um. O espetáculo concorre a três categorias do Prêmio Braskem de Teatro 2019: melhor texto com Gildon Oliveira, melhor ator com Ricardo Fagundes e melhor direção com João Miguel.

Já a montagem de Vermelho Melodrama se origina de uma obra inédita do próprio autor teatral, “Vermelho rubro amoroso… profundo, insistente e definitivo!”, que é como uma ode ao melodrama por detalhar meticulosamente a sua arquitetura. A encenação adaptada e dirigida por Jorge Alencar coloca a dramaturgia de Gildon em diálogo com uma série de outros autores, como Clarice Lispector, Ângela Davis, Linn da Quebrada e Georges Didi-Huberman, levantando assuntos como a emoção na contemporaneidade e o direito ao afeto. O espetáculo ainda traça paralelos com os atuais acontecimentos políticos do Brasil. Amor e ódio em polaridade.

Vermelho Melodrama, grupo Dimenti – 2019 – Foto: Patrícia Almeida.

O mote principal de “Vermelho Melodrama”, tem inspiração no famoso “crime do ketchup”, ocorrido no interior da Bahia em 2011, girando em torno dos órfãos Lúcio Mauro, Carlos Manuel e Lurdes Maria, que foram criados como irmãos. Segredos inconfessos, triângulos amorosos e paixões inflamadas têm como motor dramatúrgico uma carta que não foi entregue ao seu destinatário, guardando uma revelação que pode mudar o destino de todos. Numa dinâmica entre real e simulacro, as emoções são amplificadas e colocam sentimentos à frente de um pensamento exclusivamente racionalista.

Este espetáculo lidera o número de indicações ao Prêmio Braskem de Teatro na edição 2019, com presença em seis categorias, melhor espetáculo adulto, direção com Jorge Alencar, ator com Eduardo Gomes, atriz com Véu Pessoa, a de texto com Gildon Oliveira e Jorge Alencar e a especial com Luis Santana, pelo figurino e adereços da montagem.

No último ano da década passada o dramaturgo Aldri Anunciação além de adaptar a obra de Franz Fanon para a criação do texto do espetáculo Peles Negras, Máscaras Brancas, maior sucesso de público da temporada cênica soteropolitana, estreia Embarque Imediato, uma obra ainda inédita nos palcos. Dirigida por Márcio Meirelles a peça24 promove um debate, seguindo uma poética presente na escrita de Aldri Anunciação em que a cena é configurada de modo a apresentar diferentes pontos de vista e permitir que o espectador chegue às suas conclusões, a partir das reflexões e argumentações tecidas ao longo da cena.

Em Embarque Imediato, a situação dramática é o encontro em um aeroporto internacional, entre um jovem doutorando negro brasileiro (Rocco Pitanga) e um senhor africano (Antônio Pitanga), descendente dos Agudás (africanos escravizados no Brasil que retornaram ao país de origem após alforria quase sempre comprada). No personagem do jovem afro-americano, a perspectiva ocidentalizada e a defesa de que houve aspectos positivos na diáspora forçada dos africanos, que aqui na América foram escravizados, é colocada num diálogo com o velho senhor descendente de agudás que questiona essas supostas vantagens. Ambos os personagens estão confinados numa sala, por terem perdido seus passaportes durante uma conexão de voo.

Em cena, o debate sobre história, tempo, identidade e cultura. O autor do texto esclarece, “o encontro entre o personagem jovem e o personagem velho desenha-se de modo a extrapolar a ideia de conflito entre duas subjetividades. Propõe-se, nesta situação dramática, mais um embate de forças. A personagem, ainda que identificada na unicidade da forma do sujeito, condensa em si diversos matizes como que um grande mosaico representativo de vozes múltiplas e de uma memória coletiva. Trabalha-se nessa peça a hipótese de que o sujeito diaspórico condensa na sua subjetividade uma multiplicidade de vozes oriundas da encruzilhada a qual ele foi inserido na história”.

Para Aldri, em Embarque Imediato o desejo é “ofertar ao público uma dramaturgia que traz para o centro da cena o conflito identitário do sujeito múltiplo e as consequências (positivas e negativas) dos trânsitos diaspóricos de séculos passados, assim como os deslocamentos estáticos em tempos de conectividade de redes virtuais, se mostra oportuna se considerarmos a malha cultural ao qual os povos de diversos blocos continentais têm se articulado”.

Responsável por encenar o texto pela primeira vez, Márcio Meirelles afirma . “O teatro retoma seu lugar de importância nesse momento do país. Noto que as pessoas estão marcando sua presença nos teatros, assistindo as obras, frequentando esse espaço. Pela importância do encontro e urgência em compartilhar vivências de modo presencial. Noto que há um desejo de preservar o teatro e reconhecer a sua necessidade”.

Rocco Pitanga e Antônio Pitanga em cena de Embarque Imediato, texto de Aldri Anunciação – 2019 Foto: Caio Lírio.

 

Com A Última Chamada, texto autoral potente de Luis Antônio Sena Júnior completamos o quadro de criadores baianos que se destacam em 2019. Indicada para a disputa de melhor texto do ano, a montagem tem direção de Thiago Romero e marca o término do grupo A Outra Companhia de Teatro, após quinze anos de existência, causado pela falta de recursos financeiros para a manutenção do coletivo.

A Última Chamada propõe uma reflexão sobre a contemporaneidade, a memória e a finalidade das coisas, das relações, das instituições, do teatro, do grupo, da humanidade, da vida. Sua narrativa em fragmentos aborda categorizações, guetos, classes sociais, homossexualidade, feminismo negro, racismo, fim das relações humanas, intolerância religiosa, tecnologia, redes sociais numa encenação que traz 6 atores apresentando uma sociedade em que as gerações estão em processo de falência. O palco em que tudo acontece é uma sala de embarque que insere o espectador em um voo panorâmico das hierarquias sociais, da violência que fere princípios de fraternidade, afetividade e justiça. Mas também é um espaço que se propõe a ser um porão de cargas onde malas são histórias, pessoas, pedaços de um espaço-tempo em trânsito, o próprio presente que é consequência de um passado e causa de um futuro.

No seu método criativo, o dramaturgo Luiz Antônio Sena Jr. se aproxima da nova linguagem que surge nas redes sociais onde existe “um tempo cada vez mais acelerado, onde as histórias são contatadas em stories, no time da curtida. Pelo celular, tomamos conhecimento de centenas de histórias a cada dia” e essa obra é um alerta e uma estratégia para a sociedade não sucumbir diante do agora. O autor propõe “personagens-instantes, com histórias que se encerram em um parágrafo, um depoimento, uma confissão, uma ação, um encontro, um brinde. No entanto, são carregados das urgências de agora”.

Gildon Oliveira, Aldri Anunciação, Diego Araúja, Daniel Arcades citados aqui são colaboradores do portal Melanina Digital25 plataforma colaborativa que recebe conteúdos sobre o universo das dramaturgias negras contemporâneas, reunindo atualmente mais de 30 dramaturgas e dramaturgos baianos e outras dezenas de todo Brasil. Os vencedores do Prêmio Braskem de Teatro 2019 só serão conhecidos no dia 18 de outubro de 2020 em cerimônia de premiação exibida via internet no canal da TVE-BA.

 

ANOS 2020: O TEATRO BAIANO NA PANDEMIA

No primeiro ano da década de 2020 , o saldo da política pública cultural no estado apresenta uma situação de desmonte estrutural com a extinção dos representantes territoriais de cultura e dos colegiados das artes que fazem parte do Sistema Estadual de Cultura. Nos últimos quatro anos as verbas públicas continuaram a diminuir e mesmo assim foram contingenciadas sucessivamente agravando o quadro de falência do investimento no setor cultural.

Os projetos teatrais selecionados via editais públicos recebiam os recursos firmados nos seus Termos de Acordo e Compromisso muito além das datas de desembolso pré-determinadas, o que deixou a classe teatral insegura e desestabilizada em seus cronogramas de trabalho. A situação só não está pior em 2020 porque o legado deixado pela gestão Meirelles em relação a estruturação da Rede dos Pontos de Cultura, e no caso da área teatral, das Teias de Teatro dos Territórios fortalecidas na gestão de Albino Rubim e Ângela Andrade continua sendo conduzido pela sociedade civil que resiste ao descaso e aniquilação completa.

Em 2020, com a chegada da pandemia mundial causada pelo novo coronavírus Covid-19, o teatro baiano suspende suas atividades na primeira quinzena de março. Toda cadeia produtiva e criativa ligada ao setor é paralisada e, depois de dois meses de isolamento social, o desespero em sobreviver em meio ao medo da fome e da morte, faz surgir reações e atitudes para minimizar as consequências provocadas pelo surto mortal do vírus.

O distanciamento social faz o teatro migrar para a internet. Parlamentares de esquerda elaboram uma lei emergencial para ajudar financeiramente os trabalhadores e trabalhadoras do vasto e diversificado campo da cultura. Essa mobilização por esta lei, agora batizada como Lei Aldir Blanc gerou um novo movimento de articulação entre os agentes culturais que ganha volume em todo país.

 

NOTAS

  1. Segundo o historiador Nelson de Araújo, o poeta Manuel Botelho de Oliveira teve impressas em 1704, mas certamente não representadas, duas comédias intituladas Hay amigo para amigos e Amor, enganos y celos, sendo considerado o primeiro autor teatral baiano por mérito cronológico da impressão dos seus textos. In ARAÚJO, Nelson de – História do teatro. Salvador. Empresa Gráfica da Bahia – 1991. p.150.
  2. “A imprensa noticiou, nesses anos, movimento de quase 30 grupos cênicos funcionando com relativa regularidade, alguns constituídos por 40 integrantes, com 8 montagens anuais, dados surpreendentes se comparados aos anos 40.(...) assim, registrou-se pela primeira vez a existência de um teatro local no século XX.” FRANCO, Aninha – O teatro na Bahia através da imprensa – Século XX. FCJA. COFIC. FCEBA. 1994. p.105.
  3. MIRANDA, Nadja Magalhães. Jornalistas em cena, artistas em pauta: análise da cobertura jornalística dos espetáculos teatrais baianos realizada pelos jornais A Tarde e Correio da Bahia na década de 90 / Nadja Miranda Magalhães. – Salvador. N.M.Magalhães. PPGAC - UFBA – Salvador. P. 104
  4. Informações sobre o evento da maior premiação teatral baiana podem ser acessadas em www.premiobraskem.com.br
  5. Os projetos financiados pelo Fundo de Cultura são, preferencialmente, aqueles que apesar da importância do seu significado, sejam de baixo apelo mercadológico, o que dificulta a obtenção de patrocínio junto à iniciativa privada. A partir de 2007, FCBA será estruturado em 4 (quatro) linhas de apoio, tornando-se modelo de referência para outros estados da federação: Ações Continuadas de Instituições Culturais sem fins lucrativos; Eventos Culturais Calendarizados; Mobilidade Cultural e Editais Setoriais.
  6. LIMA, E. T. Teatro negro, existência por resistência: problemáticas de um teatro brasileiro. Repertório, Salvador, n. 17, p. 82-88, 2011.
  7. FREITAS, Régia Mabel. A história do teatro negro na Bahia: a força do discurso político-ideológico da negritude em cena. Repertório, Salvador, ano 20, n. 29, p. 86-104, 2017.2
  8. BACELAR, Jeferson Afonso. Mário Gusmão: um príncipe guerreiro na terra dos dragões da maldade/ Jeferson Bacelar – Rio de Janeiro: Pallas, 2006.
  9. ATTO, Paulo. O Teatro Negro na Bahia. Boca de Cena – Revista de artes cênicas da Bahia – Oco Teatro Laboratório – Nº03 – Abril 2015 - Salvador, BA. p.16 a 29.
  10. FREITAS, Régia Mabel. A história do teatro negro na Bahia: a força do discurso político-ideológico da negritude em cena. Repertório, /Salvador, ano 20, n. 29, p. 86-104, 2017.2
  11. A Organização Dandara Gusmão usa o termo “preto” ao invés de “negro” no seu discurso de afirmação identitária.
  12. A alagoinhense Fernanda Júlia Barbosa (Onisajé) , ingressou no curso de direção teatral da Escola de Teatro da UFBA pelas cotas raciais Ela passou em segundo lugar, entre os classificados ao ingressar em 2006. In https://www.ufba.br/ufba_em_pauta/acoes-afirmativas-15-anos-das-cotas-ao-sucesso-profissionais-contam-suas-historias
  13. Informações obtidas em FREITAS, Régia Mabel. A história do teatro negro na Bahia: a força do discurso político-ideológico da negritude em cena. Repertório, Salvador, ano 20, n. 29, p. 86-104, 2017.2
  14. Pesquisa apresentada na tese de doutorado: Assessoria de comunicação e cultura: os espetáculos teatrais em Salvador (2003-2004)/Nadja Magalhães Miranda – 2007 – PPGAC-UFBA
  15. Posteriormente Aldri Anunciação vai criar o portal Melanina Digital, plataforma colaborativa que recebe conteúdos sobre o universo das dramaturgias negras contemporâneas, reunindo atualmente mais de 30 dramaturgas e dramaturgos baianos e outras dezenas de todo Brasil.
  16. Para consultar a lista completa do Prêmio Braskem de Teatro no período de 1993 até 2018 acesse o link da matéria do Correio da Bahia: http://especiais.correio24horas.com.br/premiobraskem/historico.html
  17. Entre 2010 e 2011, o espetáculo realizou mais de 50 apresentações na capital baiana, com um público aproximado de 10.000 espectadores. Além disso, foram realizadas apresentações especiais no projeto Domingo no TCA, FIAC Bahia, Mambembão RJ/Funarte e Bahia Encena. De abril a dezembro de 2012, o espetáculo realizou uma circulação nacional dentro do projeto Palco Giratório do SESC Brasil, realizando apresentações em mais de 20 municípios distribuídos em 12 estados brasileiros. Em dezembro 2012 em Camaçari, deu início a circulação pelo interior da Bahia pelo projeto “Pólvora e Poesia de Leste a Oeste”, contemplado pelo edital Demanda Espontânea 2012 e conta com o apoio financeiro da Secretária de Cultura do Governo do Estado da Bahia, através do Fundo de Cultura. Em 2013, passou pelas cidades de Feira de Santana, Santo Amaro, Sta. Maria da Vitória e Barreiras.
  18. IC Encontro Internacional de Artes, é um evento multiartístico que ocorre anualmente desde 2006 em Salvador e que promove intensa programação de dança, teatro, performance, música e artes visuais a partir da curadoria assinada pela Dimenti Produções Culturais, ambiente de criação artística e de produção cultural formado por Ellen Mello, Fábio Osório Monteiro, Jorge Alencar, Leonardo França e Neto Machado.
  19. Matéria publicada em A TARDE - Entretenimento Cultura Cênicas – Sexta-feira , 29/12/2017 , matéria Retrospectiva: protagonismo feminino é destaque da cena teatral em 2017, por Eduarda Uzêda
  20. https://atarde.uol.com.br/cultura/noticias/1946745-artistas-diretores-e-produtores-analisam-a-cena-cultural-de-salvador
  21. Disponível em

https://www.facebook.com/notes/por-que-h%C3%A9cuba/por-que-h%C3%A9cuba-por-edson-rodrigues/1907971825929303/

  1. As fotos e informações sobre os espetáculos e respectivos autores foram obtidas em páginas das redes sociais dos grupos teatrais aqui citados.
  2. Cada letra da sigla LGBTQIA+ agrega um grupo de pessoas que se reconhece por uma orientação sexual ou uma identidade de gênero diversa daquelas que a sociedade convencionou como únicas (orientação heterossexual; gêneros masculino e feminino). o L diz respeito às lésbicas, o G a gays, mulheres e homens respectivamente, o B representa as pessoas bissexuais, o T se refere aos transgêneros, transexuais e travestis, o Q é de queer – quem transita entre os gêneros feminino e masculino, e mesmo fora da binaridade masculino-feminino (o chamado não-binário, que rejeita os dois gêneros), o I, que é mais recente, diz respeito ao intersexo – identidade de gênero de pessoas cujo desenvolvimento sexual corporal (seja por hormônios, genitais, cromossomos ou outras características biológicas) é não-binário; ou seja, não se encaixa na forma binária masculino-feminino. O A agrega os assexuais, aqueles que não sentem atração afetivo-sexual por outra pessoa, independente de orientação sexual e de identidade de gênero. Por fim, o sinal de mais (+), que há uns anos foi incorporado à sigla, abriga outras possibilidades de orientação sexual e identidade de gênero que existam. Informações obtidas em: https://blogs.ne10.uol.com.br/social1/2020/06/30/o-que-significa-cada-letra-da-sigla-lgbtqia/
  3. Ela faz parte da trilogia teatral iniciada pelo espetáculo NAMÍBIA, NÃO! (direção de Lázaro Ramos) e seguido pelo espetáculo O CAMPO DE BATALHA (direção de Márcio Meirelles e Fernando Philbert). Os espetáculos da trilogia não compõem uma mesma narrativa temática, mas têm em comum a linguagem articulada na "dramaturgia do debate do sujeito múltiplo" (pesquisa poética de autoria do autor no curso de Doutoramento em Dramaturgia no PPGAC-UFBA). Nestas obras o tema da condição dos descendentes da diáspora africana é abordado.
  4. Link para o portal aqui: https://melaninadigital.com/

 

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  • REFERENCIAS:
  • AFONSO, Ruy. História do Teatro na Bahia. Séculos XVI a XX. Publicação da Universidade Federal da Bahia: Salvador, 1949. p.07.
  • ARAÚJO, Nelson de – História do teatro. Salvador. Empresa Gráfica da Bahia – 1991. p. 150.
  • ATTO, Paulo. O Teatro Negro na Bahia. Boca de Cena – Revista de artes cênicas da Bahia – Oco Teatro Laboratório – Nº03 – Abril 2015 - Salvador, BA. p.16 a 29.
  • BACELAR, Jeferson Afonso. Mário Gusmão: um príncipe guerreiro na terra dos dragões da maldade/ Jeferson Bacelar – Rio de Janeiro: Pallas, 2006.
  • BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro/Margot Berthold; tradução: Maria Paula V. Zurawski, J. Guinsburg, Sergio Coelho e Clovis Garcia. São Paulo: Perspectiva, 2001. 1ª.ed.
  • BIÃO, Armindo. Matrizes estéticas: o espetáculo da baianidade, artigo publicado em Temas em Contemporaneidade, Imaginário e teatralidade/ Armindo Bião (org.), 2000. Ed. Annablume, São Paulo.
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  • FUNDAÇÃO CULTURAL DO ESTADO DA BAHIA. Memória da Cultura – 30 anos da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Salvador, 2004.
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  • SANTANA, Jussilene. Impressões modernas: teatro e jornalismo na Bahia/Jussilene Santana: Vento Leste, 2009.
  • SPÍNOLA, Noelio Dantaslé e ALVES, Isabel Cristina. Cenário do teatro baiano. Artigo
  • in Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE - Ano XVIII – V. 3 - N. 35 - Dezembro de 2016 - Salvador, BA – p. 834 – 859.
  • Blog do Teatro Vila Velha. Disponível em http://blogdovila.blogspot.com acesso em 17 de agosto de 2020
  • A Outra Companhia de Teatro (2004-2020) Disponível em http://www.aoutracompanhia.com.br/index.php/o-grupo/ acesso em 08 de setembro de 2020
  • Grupo Dimenti - Produções Culturais. Disponível em
  • https://www.facebook.com/dimentiproducoes/ acesso em 4 de setembro de 2020.
  • Jorge Portugal: "Espero que o 2º semestre não seja igual" Disponível em
  • https://atarde.uol.com.br/cultura/noticias/1694324-jorge-portugal-espero-que-o-2o-semestre-nao-seja-igual acesso em 29 de agosto de 2020
  • Lelo Filho nos 25 anos da Bofetada - CBP Disponível em
  • https://www.ibahia.com/entretenimento/detalhe/noticia/lelo-filho-fala-ao-ibahia-sobre-25-anos-de-a-bofetada/ acesso em 08 de setembro de 2020
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  • Os Teatros de Salvador  da Colônia ao Século XX. Disponível em
  • Pólvora a Poesia, espetáculo teatral. Disponível em http://polvoraepoesiaba.blogspot.com/ acesso em 25 de agosto de 2020.
  • Prêmio Braskem de Teatro. Disponível em premiobraskem.com.br acesso em 20 de setembro de 2020
  • Relatório de Atividades 2007/2009 - SECRETARIA DE CULTURA DO ESTADO DA BAHIA Disponível em secult.ba.gov.br em 20 de setembro de 2020

Teatro Popular de Ilhéus. Disponível em https://www.teatropopulardeilheus.com.br/ acesso em 15 de agosto de 2020

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