O Século XXI no ambiente político baiano se inicia sob o peso de um personagem que traz todas as práticas e maneiras do final do século anterior. Antônio Carlos Magalhães, ex-deputado estadual, prefeito de Salvador e governador por três mandatos – sendo apenas um deles por votação popular – ainda era a figura central do ambiente político baiano no início dos anos 2000.
Integrante da chamada bossa nova da UDN, esse baiano de Salvador aproveitou o golpe militar de 1964 e o período da ditadura para primeiro se amparar nos antigos líderes como Luís Viana Filho e Juracy Magalhães para depois superá-los e se consolidar como a mão de ferro local do regime militar.
Primeiro como prefeito nomeado de Salvador, em 1967, aonde implantou um projeto de modernização urbanística com construção das chamadas Avenidas de Vale, que realmente abriram novas possibilidades para o crescimento da cidade e da indústria da construção civil – sua grande “aliada” durante toda a trajetória como administrador.
Posteriormente como governador entre 1971 e 1974, também nomeado, impondo também os nomes para a prefeitura da capital, quando prosseguiu o trabalho de remoção de favelas de áreas nobres ou com potencial imobiliário de forma a permitir novos espaços para o crescimento populacional de Salvador, cidade que saltou de 1 milhão de habitantes no início da década de 70 para mais de dois milhões nos anos 90 e já três milhões nesse século.
A forma de condução autoritária e individualista gerou uma série de inimigos locais, mas o tornou a figura mais confiável para os generais de Brasília. E mesmo quando foi sucedido por um político de perfil mais democrático – Roberto Santos, entre 1974 e 1978 – manteve seu prestígio nacional com a presidência da Eletrobrás e a força local com o controle absoluto da Arena, partido pró-governo, deixando para o antagonista PMDB pouco espaço de crescimento e atuação.
ACM voltou ao governo estadual em 1978, consolidando sua posição com o apoio dos generais, a parceria com os grandes grupos econômicos locais - como Banco Econômico, as empreiteiras OAS e Odebrecht – a condução sob rédea curta dos aliados – sobretudo os dos chamados grotões do interior do estado – e a perseguição sistemática aos adversários.
Tanto que em 1982, na primeira eleição direta pós 64, o antigo companheiro e sucessor da década anterior, Roberto Santos, já figurava no PMDB, ao lado de Virgildásio Senna, Chico Pinto, Jorge Hage, Waldir Pires para concorrer ao cargo de governador. Foi nesse pleito que o PT apresentou pela primeira vez um candidato, Edval Passos.
Já ACM escolhera o ex-presidente do Banco do Estado da Bahia (BANEB), Clériston Andrade, como candidato. Mas um acidente em setembro matou o candidato e uma série de aliados e elevou à condição de postulante a João Durval Carneiro, prefeito de Feira de Santana, mas pouquíssimo conhecido no estado. Foi o primeiro “poste” que ACM apresentou ao eleitorado. O termo poste para um político sacado do coldre do líder carlista foi assumido pelo próprio ACM numa entrevista à Revista Veja, anos mais tarde, onde afirmou que ele era tão forte na Bahia que elegeria até um poste e que sua receita de poder era um saco de dinheiro numa mão e um chicote na outra.
Apesar da escolha extremamente pessoal e controversa, o candidato do então PDS – sucessor da Arena depois da Abertura que permitiu a criação de novos partidos – venceu com mais de 500 mil votos de frente sobre a chapa de Roberto Santos, – o candidato do PT obteve pouco mais de 25 mil votos.
O poderio de Antônio Carlos Magalhães sofreu o primeiro grande abalo com a Nova República, que elegeu candidatos do PMDB em praticamente todos os estados brasileiros. Na Bahia, o vencedor por mais de um milhão de votos foi Waldir Pires, um democrata convicto, que havia participado do governo do último presidente eleito, João Goulart, e trazia uma promessa clara de mudança, tendo a seu lado políticos de praticamente todo o centro e a esquerda do estado, incluindo em sua coligação o PCB, que elegeu para a Câmara dos Deputados a Fernando Santana e o PCdoB, que levou Haroldo Lima e Lídice da Mata para Brasília. Também compuseram a aliança outros ex-aliados de ACM, como Mario Kertész e Joaci Góes, além de políticos que sempre se situaram mais à direita, como o companheiro de chapa Nilo Coelho.
O PT não fez parte da Coligação A Bahia Vai Mudar, não apresentou candidato a governador, mas teve dois postulantes ao Senado: Geracina Aguiar, que teve pouco mais de 212 mil votos, e Roque Aras, com 134 mil votos.
Nesse ínterim ACM já havia sido derrotado por um antigo aliado na eleição municipal de Salvador, em 1985, quando Mario Kertész, ex-prefeito biônico da capital, escolhido e “demitido” pelo próprio Antônio Carlos em seu segundo mandato de governador da Bahia, foi eleito.
Em 1988 Kertezs, aliado do empresário das comunicações e dono da TV Itapoan, Pedro Irujo, criou seu próprio poste como sucessor, o radialista Fernando José, numa administração desastrosa e que prejudicou muito o trabalho de sua sucessora, Lídice da Matta.
Porém a Nova República naufragou na economia e na política. No processo de sucessão de José Sarney, Waldir Pires deixa o cargo para se candidatar, primeiro a presidente, para depois compor com Ulysses Guimarães e assumir o posto de vice na chapa do PMDB, deixando Nilo Coelho no governo baiano.
Além disso, graças à sua amizade pessoal com o presidente e ao fato de ter rompido com a Arena e seu candidato Paulo Maluf para apoiar Tancredo Neves no colégio eleitoral, Antônio Carlos Magalhães assumiu o Ministério das Comunicações, onde promoveu uma verdadeira farra de distribuição de benesses e concessões de emissoras de rádio e televisão para aliados, alguns deles que haviam se bandeado para o lado do PMDB, mas retornaram assim que receberam os novos benefícios.
Isso abriu espaço para a volta de seu grupo ao poder. Numa das campanhas políticas mais duras e violentas da história recente, repleta de agressões mútuas nos comícios, nos eventos e até no horário político, ACM derrotou Roberto Santos com praticamente a mesma votação que João Durval obteve em 1982 e quase a mesma vantagem sobre o candidato do PMDB, que teve o apoio do PSDB.
A novidade desse pleito foi a construção de uma chapa de partidos de esquerda com PSB, PCB, PCdoB e PDT, que Lídice da Matta como candidata a governador, recebendo pouco mais de 300 mil votos. O PT saiu solitário, com José Sérgio Gabrielli que teve 112 mil votos e Jonas Paulo como candidato a senador – com pouco menos de 70 mil votos.
A boa participação da chapa feminina Lídice-Salete-Bete, abriu o caminho para que a esquerda em 1992 chegasse à prefeitura de Salvador, pela primeira vez desde a ditadura de 64. Lídice, que saiu do PCdoB e se abrigou temporariamente no PSDB, superou o candidato carlista Manoel Castro e se sagrou a primeira prefeita da primeira capital do país. Foi um mandato conturbado, alvo de imensa perseguição política, mas que deixou marcas positivas para a imagem de Lídice, que chegou a ser candidata a governadora e senadora eleita anos mais tarde.
Essa retomada do chamado carlismo prosseguiu por um período de 16 anos, a começar pela eleição de Paulo Souto em 1994 – a única em que houve a necessidade de segundo turno, contra o ex-aliado de ACM, João Durval Carneiro - e chegou ao seu ápice com o prestígio nacional de Luís Eduardo Magalhães, presidente da Câmara dos Deputados e principal interlocutor político do presidente Fernando Henrique Cardoso no Congresso.
Político de rara habilidade e bom curso entre todas as correntes partidárias, Luís Eduardo era trabalhado pelo pai e pelo PFL como sucessor natural de Fernando Henrique. E para isso, mesmo já havendo a possiblidade de reeleição para o governador Paulo Souto, ACM impôs ao partido a candidatura do filho para o governo – mesmo sabendo que a preferência de Luís Eduardo seria permanecer em Brasília.
Mais uma vez o destino mudou tudo, com a morte por problemas cardíacos do filho-candidato, ACM novamente vez atropelou os aliados e escolheu mais um “poste” para candidato – desta vez Cesar Borges – político de Jequié, que era vice-governador de Paulo Souto e, como ele mesmo fazia questão de dizer, tinha uma fidelidade “canina” a seu líder.
A morte de Luís Eduardo em plana campanha política e a comoção nacional que ajudou na articulação da maior aliança política que o carlismo conseguiu fazer, que incluía o PMDB já nas mãos da família Vieira Lima, significou ao mesmo tempo o auge e o início da derrocada de ACM, que então estava na presidência do Congresso Nacional, mas perdera o seu negociador e melhor conselheiro – para muitos o único que o velho líder ouvia.
A partir daí começava um processo de pequenas derrotas que culminaram na perda do poder em 2006 para o PT sob o comando de Jaques Wagner. Primeiro ACM partiu para uma luta fratricida com as lideranças nacionais do PMDB dentro do grupo do apoio a Fernando Henrique Cardoso, chegando a ponto de um rompimento com o presidente e o apoio a Ciro Gomes (PPS) na eleição nacional de 2002, em detrimento de José Serra (PSDB) que na Bahia teve a campanha comandada por Jutahy Magalhães e o PSDB.
Pior que isso foi a chamada crise do painel, que obrigou a renúncia ao cargo de ACM. Buscando controlar o voto dos colegas senadores no processo de cassação de Luís Estevão por envolvimento em obras superfaturadas, ACM forçou o pessoal de informática do Senado a criar uma lista mostrando como votou cada senador na sessão que tirou o mandato do brasiliense. O fato gerou uma CPI em Brasília e uma série de manifestações de rua em Salvador. A capital baiana se transformou num palco de batalha com a PM do então governador Cesar Borges fechando o campus da Universidade Federal da Bahia no bairro do Canela, para impedir que os estudantes pudessem chegar à frente da casa do senador, num bairro próximo. A cena foi reproduzida nacionalmente e se tornou um símbolo da queda paulatina do carlismo.
Mas ainda havia fôlego para o grupo e em 2002 ACM teve que escolher Paulo Souto, então no Senado, para concorrer pelo PFL, evitando assim o risco de transformar mais um aliado em adversário. Com uma larga vantagem inicial nas pesquisas sobre o candidato do PT, já consolidado como principal partido da oposição baiana, sendo que PMDB e PSDB se coligaram para dar palanque estadual a José Serra, Souto viu o adversário se aproximar na corrida eleitoral mas conseguiu se eleger com pouco mais de 53% dos votos. Seria a última vitória eleitoral de ACM, que morreu em 2007. Para as vagas do Senado foram eleitos o próprio Antônio Carlos Magalhães e o ex-governador César Borges.
O desgaste da imagem do carlismo e o iminente desastre eleitoral já começaram a se anunciar nas eleições municipais de 2004, quando ACM impôs como candidato a prefeito de Salvador uma figura totalmente distante da realidade política da cidade. Como forma de manter o grupo em sua rédea curta, o escolhido foi César Borges, que já fora chamado de poste na campanha vitoriosa de governador em 98 e agora assumia, visivelmente a contragosto, o papel de candidato na maior e mais importante cidade baiana – que tem cerca de um terço do eleitorado do estado.
Foi um decisão absolutamente equivocada em todos os aspectos, e o fato de Jaques Wagner ter vencido Paulo Souto em Salvador no pleito de 2002 por cerca de 200 mil votos, mostrava que o grupo carlista estava com sérios problemas junto ao eleitorado da capital. O resultado porém não trouxe o PT para o comando da política soteropolitana, como seria o esperado.
Através de uma articulação envolvendo o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, ACM conseguiu que o presidente Lula mantivesse distância da campanha na capital, deixando assim a candidatura de Nelson Pelegrino sem um elemento diferenciador fundamental para a chegada do PT pela primeira vez à prefeitura da capital.
Com isso ascendeu um figura populista, nascida na direita rural baiana, o deputado estadual João Henrique Carneiro, então no PDT, filho do ex-governador João Durval, que conseguiu superar Pelegrino e chegou ao segundo turno para atropelar César Borges e ganhar a prefeitura de Salvador, trazendo consigo parte da oposição carlista de centro-direita como nomes como Nestor Duarte Filho, Geddel Vieira Lima e Joaci Góes, além de agregar políticos da esquerda e do próprio PT em sua administração. Estavam surgindo os alicerces para a troca de mão no poder estadual.
Além do enfraquecimento político do carlismo, evidenciado por uma série de decisões equivocadas de ACM que perdera junto com Luís Eduardo o seu único interlocutor possível, o período entre 2002 e 2006 marcou uma reviravolta na forma de fazer política na Bahia. Com a chegada de Luís Inácio Lula da Silva ao poder, as políticas assistencialistas até então empreendidas em menor escala pelos governos baianos, deram lugar a programas federais mais efetivos de inclusão social como o Bolsa Família, o Luz Para Todos e o PRONAF para fortalecimento da agricultura familiar. Com isso as populações do interior baiano puderam ter uma nova forma de ascensão social, não mais ligada ao compadrio e à distribuição de interesses políticos via líderes locais.
Lula, que já havia recebido a maior votação entre os candidatos a presidente na Bahia, passou a ser uma grande referência política no estado, até o ponto de ofuscar o prestígio de ACM e dar plenas condições para que o PT comandasse uma frente de oposição incluindo PMDB e PDT e trouxesse novamente Wagner como candidato, mas desta vez com muito mais competitividade.
As pesquisas iniciais mostravam Paulo Souto muito na frente na preferência popular (62% a 13% em maio de 2002). Mas a vantagem foi sendo reduzida paulatinamente e em setembro o presidente Lula veio ao estado e com dois comícios gigantescos – em Feira de Santana e Salvador – abriu espaço para a virada, considerada uma das mais importantes acontecidas na política brasileira em muitos anos.
Com mais de 3,2 milhões de votos, Jaques Wagner foi eleito no primeiro turno, colocando fim a praticamente 30 anos de carlismo na Bahia e abrindo espaço para um novo arranjo de forças na politica do estado, com o surgimento de novas lideranças populares e a reacomodação de nomes descontes com o antigo líder e que agora preferiram seguir o rumo de Lula e do PT.
Cabe aqui destacar que a força de atração do poder central sobre os políticos em geral na Bahia é algo avassalador. Como exemplo podemos citar que em todas as eleições democráticas as vagas eleitas para senador foram dos candidatos aliados do governador eleito. Em 2006 não foi diferente, com a escolha de João Durval Carneiro, superando Rodolpho Tourinho – outra escolha monocrática e desastrosa politicamente de Antônio Carlos Magalhães – e Antônio Imbassahy, que havia trocado o PFL pelo PSDB, também numa antecipação e prenúncio da derrocada do carlismo.
E essa força de atração voltou a aparecer logo nos primeiros dias do governo Wagner, com a adesão de vários deputados federais e estaduais eleitos – além de, naturalmente, os prefeitos a eles vinculados – ao governo do PT. Ao final de quatro anos, entre os 39 deputados eleitos pelo estado, nada menos do que 10 trocaram de lado e passaram a apoiar o governo do PT, sendo que partidos como PP e PL trocaram totalmente de lado, em busca da chamada sombra que a árvore frondosa do governo dá a seus aliados.
Mesmo com o adesismo em massa, que também refletia o que estava ocorrendo no governo federal, onde a força política e popular de Lula trazia para seu lado muitos políticos de centro e de direita, o primeiro governo Wagner se destacou pela adoção de pautas populares como o programa de Alfabetização TOPA, o fomento à agricultura familiar e a replicação de todas as politicas sociais do governo federal. Foi iniciado também um processo de investimento maciço na saúde, com a construção de hospitais de referência no interior do estado, buscando terminar com a chamada política das ambulâncias, onde os prefeitos usam o transporte de doentes para a capital como moeda de prestígio eleitoral.
O governo do PT também investiu na infraestrutura rodoviária e criou uma nova interlocução com o governo central em busca de obras e projetos federais para a Bahia, coisa que pouco acontecera no último período carlista. A mudança de guarda na política baiana foi tão forte e profunda que a morte de Antônio Carlos Magalhães em julho de 2007 não registrou nenhuma grande comoção, nem política, muito menos popular, ao contrário do que ocorreu na ocasião da morte de Luís Eduardo Magalhães. Foi um fim melancólico e solitário para o último coronel da velha política baiana.
A força do PT como partido, e especialmente de Jaques Wagner como articulador, anunciava uma reeleição até certo ponto tranquila em 2010. Mas o grupo do governo teve uma baixa que poderia ser considerável, se a sangria não fosse estancada rapidamente. O ministro da infraestrutura Geddel Vieira Lima, articulador de um dos maiores projetos do governo Lula para o Nordeste – a transposição do Rio São Francisco, – resolvera partir para um voo solo, trazendo consigo o ex-governador César Borges como candidato a uma das vagas de senador e o apoio do prefeito reeleito de Salvador João Henrique e de seu pai, João Durval. E ainda havia como candidato do espólio carlista do DEM, sucessor do PFL, o ex-governador Paulo Souto.
Wagner foi eficiente e rápido nas negociações e trouxe para seu lado um dos políticos com maior prestígio nas lideranças regionais, sobretudo nas menores cidades. Otto Alencar (PSD) foi escolhido para vice-governador, sendo responsável pela articulação nos grotões e para impedir que a máquina eleitoreira criada pela estrutura do Ministério de Geddel pudesse levar consigo lideranças adesistas com peso eleitoral.
Para completar o cenário de vitória para o PT, faltava apenas que o grande cabo eleitoral fizesse a sua parte. E Lula desta vez não deixou seu partido na mão. Logo no primeiro programa eleitoral garantiu que seu candidato na Bahia era Wagner, acabando assim com a única narrativa que Geddel possuía – que ele seria a melhor opção para quem votava em Lula no estado.
Com isso Wagner fez da campanha um verdadeiro passeio para testar e ampliar sua popularidade, com visitas e comícios realmente impressionantes por todo o interior em termos de participação popular. Geddel amargou o terceiro lugar, atrás de Paulo Souto mas ambos na faixa de 16% do eleitorado, enquanto Wagner obteve mais de 4 milhões de votos, o que representava quase 64% dos votos válidos no primeiro turno. Era a consolidação do PT como principal força eleitoral do estado, mostrando que uma nova forma democrática de convivência política passava a imperar, sem a truculência e o autoritarismo de outras épocas.
Porém nem a força eleitoral e política de Jaques Wagner em seu segundo mandato repleto de realizações e obras conseguiu dar o PT o que seria a joia de sua coroa: a prefeitura de Salvador.
Em 2012 o partido lançou mais uma vez o deputado federal Nelson Pelegrino como candidato a prefeito e a vereadora Olivia Santana do PCdoB como vice. Um nome conhecido da população, com muitos serviços prestados tanto no Congresso como na Bahia especialmente no campo dos direitos humanos e sociais. O DEM apresentou pela segunda vez consecutiva a Antônio Carlos Magalhães Neto.
Na corrida eleitoral estavam ainda o ex-prefeito Mario Kertész pelo PMBD, o bispo Marcio Marinho representando o segmento evangélico, pelo PSOL, coligado ao PSTU o professor Hamilton Assis e um candidato folclórico, Tadeu da Luz, que a cada pleito se apresenta como opção, mas sempre acaba atuando como linha auxiliar de um dos candidatos realmente competitivos. Desta vez “apoiou” Neto.
A campanha foi extremamente renhida, com Pelegrino e o candidato do DEM se revezando na liderança das pesquisas tanto no primeiro como no segundo turno. Mas ao final ACM Neto venceu com 53,5% dos votos contra 46, 4 do candidato do PT.
O DEM, que havia vencido também em importantes cidades do interior como Feira de Santana e Itabuna, ensaiou uma tentativa mais consistente de retomada do poder no estado em 2014, aliando-se ao PMDB e entrando firme no apoio a Aécio Neves a presidente. Depois das manifestações de rua de 2013, aprofundou-se o otimismo da oposição baiana para a corrida eleitoral.
O processo de escolha do candidato porém foi extremamente difícil, com DEM e PMDB lutando pelo protagonismo na cabeça da chapa e o PSDB representando pelo empresário João Gualberto, atuando como fiel de uma balança que acabou pendendo para o lançamento mais uma vez de Paulo Souto como candidato, com Joaci Góes no papel de vice e Geddel Viera Lima como postulante à vaga no Senado. Uma composição que se mostrou frágil, como comentou o próprio Jaques Wagner na imprensa local: “...lançaram a chapa errada. Geddel seria um adversário mais aguerrido e mais difícil de ser batido. Paulo Souto é mais do mesmo” (em A Tarde, agosto/2014).
Realmente o ex-governador por dois mandatos havia disputado todas as eleições desde 2002 e vinha de duas derrotas consecutivas, sendo que em 2010 conseguira apenas 16% do eleitorado. Mesmo assim iniciou a disputa com uma posição extremamente favorável nas pesquisas – 42% das intenções de voto em maio de 2014, contra 9% de Rui Costa do PT. Entre eles estava Lídice da Mata do PSB com 11%.
Pela primeira vez em muito tempo parecia que a Bahia teria mais de dois candidatos disputando o governo com condições de vitória – reproduzindo o cenário nacional onde Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e a chapa Eduardo Campos/Marina Silva também concorriam com chances de vencer.
O PT havia optado pela escolha de Rui Costa a partir da influência decisiva de Wagner, que mais do que todos confiava em seu antigo aliado desde a época do Sindiquímica para a disputa. A chapa reproduzia também o leque de alianças ao centro-direita do quadro nacional. Para vice João Leão do PP e para o Senado Otto Alencar, do PSD. Dois nomes que foram ligados no passado recente ao velho ACM.
Lídice da Mata inicialmente parecia ser um nome forte. Ex-prefeita de Salvador, tendo a jurista Eliana Calmon, respeitada por sua atuação no Conselho Nacional de Justiça representando na Bahia um candidato presidencial nordestino e com viés de alta – Eduardo Campos – e após o acidente fatal do Guarujá, Marina Silva.
O decorrer da campanha mostrou o contrário. A candidatura do PSB foi perdendo apoio e pontuação nas pesquisas na medida do crescimento de Rui Costa. Souto permanecia estagnado na casa dos 40% pelo IBOPE. Outros institutos nacionais decidiram não divulgar pesquisas eleitorais na Bahia devido à própria complexidade do estado, um espaço territorial muito grande, com a maior população rural do Brasil e onde o peso da soma dos pequenos municípios é decisivo numa eleição.
Com isso surgiu em cena o Bepesb, pequeno instituto baiano com estrutura precária, de propriedade do presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Nilo. Mesmo sendo alvo de investigações e denúncias, foi o Bapesp o primeiro a mostrar a subida consistente de Rui Costa. Para isso fazia em seu questionário uma pergunta casada à realidade nacional. Perguntava ao eleitor se ele preferia Paulo Souto com apoio de Aécio Neves ou Rui Costa apoiado por Lula e Dilma.
Essa forma de questionário mostrou-se mais próxima à realidade eleitoral do que a metodologia tradicional do IBOPE. Até porque o prestígio de Lula era uma das grandes fortalezas do PT na Bahia, estado que deu vitórias ao partido na eleição presidencial mesmo quando Paulo Souto era o governador.
Auxiliando a subida de Rui, o senador Jaques Wagner cravou um punhal na candidatura de Paulo Souto quando foi à imprensa dizendo que o ex-governador era um mero funcionário da família do velho ACM (A Tarde, setembro/2014). A resposta oficial da chapa do DEM não poderia ser pior. Souto se calou e o prefeito ACM Neto assumiu os microfones para dizer que Wagner estava ofendendo....a memória do avô!!
Com isso ficou claro para as lideranças do interior do estado, sempre dispostas a correr para o lado mais forte, que o chefe da chapa do DEM era de fato ACM Neto, o que deixou Souto numa posição fragilizada. Nos debates próximos ao pleito, o ex-governador se mostrou vacilante, pouco preparado, desinteressado até, perdendo tempo em discussões com Da Luz, desta vez linha auxiliar do PT, que não poupava o ex-governador de críticas pesadas. Enquanto Rui Costa demonstrava disposição, conhecimento e força anímica.
O resultado foi que o próprio IBOPE, na véspera da eleição apontou um empate em 46% entre os dois candidatos, e Lídice totalmente desidratada com 5% percentuais – até os prefeitos do PSB declararam apoio ao candidato do PT nas últimas semanas de campanha.
No dia 5 de outubro Rui Costa foi eleito com mais de 3,5 milhões de votos, 54,5% do eleitorado, contra 37,3% de Paulo Souto. Um resultado muito parecido ao da virada histórica de Wagner em 2006.
Rui Costa rapidamente se mostrou um governador competente e operoso, concluindo várias obras iniciadas por Wagner e lançando novas inciativas, sobretudo em Salvador. O grande símbolo dessa fase foi o caso do metrô da capital que saiu de uma linha com apenas seis estações para chegar a ser um dos mais extensos do país, chegando até o Aeroporto e a cidade de Lauro de Freitas.
Nem a forte atuação do governo estadual na capital impediu que ACM Neto desse um verdadeiro passeio e conquistasse a reeleição em Salvador em 2016 com quase 74% dos votos, contra 14,5% de Alice Portugal, do PCdoB, apoiada pelo PT – pela primeira vez desde sua fundação o partido não lançava candidato próprio na primeira capital do Brasil.
A lavada de Neto em Salvador foi rebatida quase na mesma moeda na reeleição de Rui Costa em 2018. O prefeito de Salvador manteve sua pré-candidatura para disputa do governo até o último prazo de desincompatibilização, animando seus aliados do PSDB e até políticos ligados por conveniência eleitoral ao PT, mas que sonhavam em saltar de canoa – já havia acontecido o traumático impeachment de Dilma Roussef e Temer ocupava a cadeira de presidente.
Neto desistiu na última hora e a cabeça da chapa ficou com José Ronaldo, ex-prefeito de Feira de Santana, um político com força em sua região, mas sem penetração estadual. O PT compôs a chapa para as duas vagas no Senador com o senador Jaques Wagner e um nome ligado à centro-direta, Ângelo Coronel (PSD), intimamente ligado a Otto Alencar. Fechando a chapa João Leão (PP) mantinha sua posição de vice.
Ainda postularam candidaturas Marcos Mendes (PSOL), o ex-prefeito João Henrique (PRTB tentando segurar a bandeira de Jair Bolsonaro no estado), João Santana (PMDB), Célia Sacramento (REDE) e Orlando Andrade (PCO). Ao final nenhum destes chegou a superar os 0,5% dos votos válidos.
A forca de Rui era tamanha que o candidato do DEM largou o apoio a Geraldo Alckmin na corrida presidencial para apoiar publicamente a Bolsonaro nos últimos debates de televisão. Nem isso ajudou muito. Rui Costa venceu com mais de 5 milhões de votos, 75,5 % do eleitorado, contra 22,2% de José Ronaldo – a maior vitória eleitoral na história recente do estado.
Mesmo assim, nem a força do partido junto ao eleitorado fez suas lideranças prescindirem da articulação com setores de centro-direita – os mesmos que apoiavam Dilma até determinado momento e pularam para o barco do impeachment quando esse parecia inevitável.
As duas principais figuras do partido tem posição de destaque na política nacional. No Senado Jaques Wagner é uma das principais vozes de oposição a Jair Bolsonaro e mantem seu prestígio como hábil negociador nos principais debates da casa.
Rui Costa se consolida como um dos melhores governadores do país, responsável pela criação do Consórcio Nordeste, a união dos estados nordestinos – região onde o PT obteve vitórias mesmo na avalanche bolsonarista – que faz um contraponto às políticas obscurantistas do governo federal. Com isso o nome do governador baiano surge com força até para compor uma futura chapa presidencial do partido.
Na oposição, o único nome de destaque é o do prefeito de Salvador ACM Neto, atual presidente nacional do DEM, mais uma vez candidato natural ao governo em 2020.
Aliados ao PT há dois nomes fortes que podem até buscar voos próprios. O senador Otto Alencar, que hoje tem como aliados o maior número de prefeitos do estado. E João Leão, que deve assumir o cargo de governador, com a provável desincompatibilização de Rui Costa em abril do ano eleitoral e vai comandar a máquina pública no momento das próximas eleições.
A política baiana no século nesse século é marcada por essa troca de guarda em termos de nomes e postura. Saiu o carlismo, força de direita que se beneficiou da ditadura militar, com uma prática política marcada pelo clientelismo e o autoritarismo e entrou o PT com sua atuação visando a inclusão social e marcada pelo diálogo.