Tema: Música
Por Guilherme Bertissolo Compositor e professor de composição e teoria da música da UFBA. Doutor em Composição (PPGMUS-UFBA/University of California, Riverside), pesquisa a relação entre música e movimento na Capoeira Regional. Foi Diretor Geral da Fundação Mestre Bimba (2013-2017).

MÚSICA

“A Bahia é um bocado de coisa diferente, que deixa a gente, assim, confuso”

Riachão2

 

Essa afirmação do saudoso sambista Riachão, que nos deixou recentemente, retrata o cenário múltiplo e diverso da música na Bahia. A música está em toda a parte, com diferentes usos e funções: é como se estivéssemos diante de um palco, onde costuram-se o São João da Bahia e a música instrumental, a Tropicália e a cena Hip Hop, a celebração 2 de Julho e seus caboclos e os cantadores do Sertão, a Festa de Iemanjá e a vanguarda, os Novos Baianos e os Mestre de Capoeira, o Carnaval e a cena eletrônica, a Lavagem do Bomfim e a música experimental.

A Bahia é lugar de invenção. Considerar a temática de uma Bahia Contemporânea3 nos convida a refletir sobre o contexto que nos permitiu vislumbrar a produção de música nos últimos 20 anos. Sem dúvida, no ambiente das décadas de 1950 e, principalmente, 1960, Carnaval, vanguarda, manifestações culturais como os Candomblés, as Capoeiras, os Sambas e a Tropicália estavam profundamente entrelaçados. Esse processo foi descrito por Antonio Risério (1995), sendo importante considerá-lo como consequência de influxos e, no contexto da vanguarda na Bahia, a partir das iniciativas visionárias do Reitor Edgard Santos na Universidade Federal da Bahia, sobretudo a partir da fundação das escolas de artes a partir dos anos 1950.

Portanto, esse é um verbete impossível. As múltiplas dimensões, perspectivas e empuxos da música na Bahia, sua pluralidade, seus traços multifacetados conferem uma grande complexidade ao esforço de tecer uma narrativa que enderece o todo. Dorival Caymmi, Assis Valente, João Gilberto, Tom Zé, Caetano Veloso, Maria Bethania, Gilberto Gil, Gal Costa, Moraes Moreira e os Novos Baianos, Raul Seixas e Camisa de Vênus são alguns dos importantes personagens da música na segunda metade do século XX que possibilitam entender a música da Bahia hoje, impulsionando sua atuação em nível internacional. Mas também o fazem Baiana System, Xênia França, Letieres Leite, Pitty, NEOJIBÁ, o projeto Música de Agora na Bahia, Luedji Luna etc.

A vultuosidade do desafio nos convoca a pensar no estabelecimento de categorias, forças de transformação que tenham o poder de oferecer/plasmar sínteses e confluências em torno de questões e desafios, reconhecendo a amplitude do tema. Mas que categorias e forças estariam envolvidas? Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a música está em toda a parte, possui variados usos e funções, ouvimos sons como música a partir de diferentes intencionalidades em diversos contextos culturais compartilhados. Pretendo tecer essas considerações em três partes complementares, não mutuamente excludentes: 1- as manifestações culturais/étnicas e sua articulação em torno do carnaval; 2- os impactos das novas mídias digitais e a cena independente; 3- as músicas experimentais/contemporâneas e os grupos/instituições musicais.

Todas essas categorias sofreram transformações a partir do impacto das políticas culturais, nomeadamente o reflexo dos editais, a partir do começo dos anos 2000, bem como das novas mídias digitais e contextos de redes ligados à consolidação da internet, assim como as rádios comunitárias e os espaços hegemônicos de rádio e TV. Também é preciso dizer que as músicas estão ligadas aos espaços culturais que abrigam essa produção, desde os bares e casas de shows, mas também espaços culturais como a Casa da Música4, as dezenas de espaços culturais da SECULT/BA por todo o estado da Bahia5 e equipamentos culturais da Prefeitura de Salvador6, o Teatro Vila Velha, a Concha Acústica, além dos festivais independentes, coletivos, teatros e espaços informais, bem como os espaços de formação, como as universidades (com destaque para a Escola de Música da UFBA), Escola de Música do Centro de Formação em Artes da FUNCEB, o Colégio Manoel Novaes, as diversas escolas de música, a Cidade do Saber (Camaçari), etc.

Proponho aqui, portanto, um esforço na direção da produção, considerando os ambientes em que a música na Bahia é criada, veiculada, compartilhada, com foco nas transformações e contextos proeminentes no século XXI – e seus respectivos antecedentes. É preciso ressaltar que a música foi/poderia ter sido abordada em diversos outros temas do portal, como nos artigos sobre a Bahia7, Cultura8, Raças e Etnias9, Religiões10, Cinema, Teatro, Economia, Meios de comunicação, Questões de gênero etc.

 

AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS/ÉTNICAS E SUA ARTICULAÇÃO EM TORNO DO CARNAVAL

Na nossa primeira categoria, as manifestações culturais/étnicas e sua articulação em torno do carnaval, é preciso afirmar inicialmente que a multiplicidade da cena musical na Bahia está relacionada com a complexa teia de manifestações culturais de matrizes africanas, com um certo consenso em torno de três contextos, cada um com suas diferentes tradições: o Candomblé, Capoeira e os Sambas de Roda11.

Esses contextos culturais são permeados de hibridação e resistência (LIMA, 2020), e é possível afirmar que “a música desempenha um papel especial no Brasil e a percussão (os tambores) são certamente considerados como os instrumentos mais significativos na cultura musical baiana – e brasileira” (LÜHNING; VERGER, 2013, p. 1). Por esse viés, a rede de formação de músicos e multiplicação de música formada pelos terreiros, escolas e academias de capoeira, blocos, filarmônicas etc., desempenha uma capilaridade potente na música da Bahia: “Quanta coisa da batucada veio diretamente do candomblé” (LIMA, 2010, p. 82).

O trabalho de Ângelo Cardoso, A linguagem dos tambores, é um importante estudo sobre os contextos percussivos do candomblé, com foco na sua função comunicativa. A partir de uma pesquisa de campo, Cardoso, que também é percussionista, analisa a música do candomblé, buscando desvelar um meio de comunicação: a linguagem dos tambores. Ele descreve os instrumentos física e simbolicamente, discute formas de aprendizagem e oferece um rico leque de transcrições de toques.

Jorge Sacramento, professor de percussão da Escola de Música da UFBA, em seu trabalho sobre ensino/aprendizagem dos alagbês em contextos formais e informais, afirma que “às vezes encontramos percussionistas profissionais oriundos do candomblé que utilizam sua habilidade rítmica, adquirida nos terreiros, para abrilhantar as suas performances” (SACRAMENTO, 2009, p. 9). Nesse trabalho, Sacramento entrevistou os Mestres Tom (Antônio Carlos Soares Souza – Terreiro do Pilão de Prata), Papadinha (Edvaldo Araújo – Terreiro da Casa Branca/Ilê Axé Iya Nasô Oka), Cidinho (Alcides Teles Cardoso – Terreiro Oxumarê – Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó), Gabi Guedes (Terreiro do Gantois - Ilê Iyá Omi Axé Iyamassê), Roberval (Roberval Jorge Jesus – Terreiro Ilê Axé Jetol), e sua abordagem para o ensino enfocou os terreiros Ilê Axé Oxumarê e o Zoogodô Bogum Malê Rundó.

Iuri Passos, alagbê do Terreiro do Gantois e também professor de percussão da Escola de Música da UFBA, reforça a importância das religiões afro-brasileiras na constituição da cultura musical brasileira:

As religiões afro-brasileiras exerceram através de sua música um papel fundamental na mistura com outras tradições musicais, mas é importante dizer também que não foi só em relação aos ritmos. É interessante ressaltar a importância destas várias contribuições que foram ligadas a outras religiões através das cerimônias do Lundu, Batuque, Candomblé e, no século XX, da Umbanda, que foram difundidas através dos ritmos e cantos realizados pelos seus adeptos e, claro, com eles, os mestres dos ritmos sagrados, Alagbês, Xikarangomas e Huntós. Ou então, esta mistura se dava, simplesmente, pelos negros que faziam parte das Jazes, conjuntos diversos e Big Bands da época. Assim a música, mais especificamente a música sacra dos candomblés com seus ritmos, instrumentos e formas de composição, também poética e muitas vezes improvisada na hora (como acontece nas festas dos Caboclos por exemplo), constituíram boa parte da nossa cultura musical brasileira (PASSOS, 2017, p. 65).

Nesse sentido, os Alagbês (Xikarangomas e Huntós)12 desempenham um papel muito importante na cena musical da Bahia e brasileira, desde o final do século XVII, com os jazes, as bandas de barbeiros etc. Nomes que ganham destaque no cenário percussivo contemporâneo – como Gabi Guedes, Luizinho Jeje, Kainã do Jeje e Iuri Passos, entre muitos outros13 – remontam a uma tradição secular com centenas de personagens. O Grupo Baiafro, criado por Djalma Corrêa (formado em Composição na Escola de Música da UFBA) nos anos 1970, contava com a participação de exímios percussionistas do Candomblé, como Ubaldo e o “trio de ouro”, os irmãos Dudu, Hélio e Vadinho (Terreiro do Gantois). Djalma considera que o Baiafro foi precursor, no contexto do mercado fonográfico, dos grupos percussivos que surgiriam alguns anos depois (PASSOS, 2017, p. 85).

Vadinho Boca de Ferramenta, “professor de várias gerações de músicos” (LIMA, 2010. p. 102), “foi o Alagbê que levou o atabaque ao limite, tocando esse instrumento como poucos” (PASSOS, 2017, p. 73). Teve papel importante “para as gerações seguintes que, junto com seus irmãos Dudu e Hélio, eles dão início àquilo que se torna referência para as outras gerações e vira um selo de qualidade para a profissão de percussionista, ser Alagbê para ser um bom percussionista” (PASSOS, 2017, p. 74).

Muitos Alagbês, por sua vez, se tornaram músicos profissionais, porque o seu aprendizado no candomblé lhes deu uma base muito importante para competirem com outros músicos que passaram por uma formação mais “formal”. Muitos deles hoje tocam em bandas ou fazem parte de conjuntos musicais de diversos gêneros, mas há também notícias sobre experiências anteriores de Alagbês que já tocaram nos anos 40 e 50 do século passado (PASSOS, 2017, p. 63).

[https://soundcloud.com/colecaoemiliabiancardi]

Iuri Passos ainda relata a importância de Emília Biancardi14 e o Grupo Viva Bahia, que, juntamente com Djalma Correa, foram fundamentais na inserção dos alagbês no “mercado musical”. Ele destaca ainda a importância de Gamo da Paz, tanto na atuação como músico, quanto no contexto do Terreiro do Gantois e na formação de outros alagbê, como ele próprio e Gabi Guedes (Pradarrum), por exemplo. Gamo é filho de Manuel da Paz, que exerceu importante papel na formação de diversos alagbês, de diversas casas:

Sobre o pai de Gamo, Manuel da Paz, é importante lembrar que ele foi o famoso Paizinho Pai Preto, mestre de grandes Alagbês de diversas casas, como por exemplo, Edinho Carrapato, Mestre Geraldo do Nascimento, mais conhecido como Geraldo Macaco, do terreiro do Gantois, Mestre Erenilton e Cidinho da Casa de Oxumaré, Léo e Geninho da Casa Branca, ambos filhos da Iyálorixá Nitinha (PASSOS, 2017, p. 72).

O documentário Orin música para os Orixás aborda a trajetória de Iuri Passos e do projeto Rum Alagbê, que há quase 20 anos realiza um importante trabalho de ensino e preservação dos ritmos sagrados com crianças, jovens e adolescentes da comunidade em torno do Terreiro do Gantois, com uma metodologia própria de ensino. Iuri também foi o idealizador do disco Obatalá: Uma Homenagem à Mãe Carmen, do Grupo Ofá, que contou com a participação de Gilberto Gil, Alcione, Gal Costa, Zeca Pagodinho, Daniela Mercury, Carlinhos Brown, Lazzo Matumbi, Marisa Monte, Jorge Ben Jor, Margareth Menezes, Ivete Sangalo e Matheus Aleluia.

[https://youtu.be/fn5wznkrPU8]

É importante registrar também o Alaiandê Xirê: Alagbe, Sicarangon e Runto (SILVA; OLIVEIRA; NETO, 2019), “encontro anual dos sacerdotes músicos”, criado por Roberval Marinho e Cléo Martins, ambos oriundos do Ilê Axé Opô Afonjá (MARINHO, 2019, p. 38). As primeiras oito edições ocorreram no Ilê Axé Opô Afonjá, a nona ocorreu no Terreiro Bate-Folha (Manso Banduquen-qué), a décima da Casa Branca (Ilê Axé Iya Nasô Oka), a décima no Terreiro Pilão de Prata (Ilê Axé Odo Oge) e, a partir de 2009 passou a ocorrer em outros estados do país.

É preciso destacar também o Mestre Erenilton (Ilé Axé Oxumarê), que nos deixou em 2014, considerado um dos alagbês mais antigos em atividade LIMA (2012, p. 100). Sua importância na formação é notória, tendo atuado como compositor e diretor nos Filhos de Gandhy e dirigido o Afoxé Filhos de Korin Efan. Lima (2012, p. 102) destaca o “contato com outros centros de excelência em música afro-brasileira, os Terreiros da Casa Branca e do Gantois. Do primeiro lembra da importante presença do Mestre Cipriano, com quem aprendeu muitos segredos e canções, e do Ogã Antonio Manuel Bonfim. Do Gantois, casa da reverenciada Ialorixá Mãe Menininha, lembra do Mestre Vadinho-boca-de-ferramenta”. Outro mestre que nos deixou recentemente (em 2020, aos 72 anos) foi Pai Darinho, Alabê mais antigo do Ilê Axé Opô Afonjá.

Esse rico cenário percussivo, oriundo das manifestações de matrizes africanas e dos diversos contextos do carnaval e dos blocos afro demonstra uma efervescência do cenário percussivo na Bahia, que foi reverberada recentemente em diversos eventos, tais como o Panorama Percussivo Mundial (Percpan) e o Mercado Cultural.

O cenário da percussão nos candomblés é predominantemente masculino, entretanto, cumpre salientar a atuação de percussionistas mulheres no contexto do cenário percussivo da Bahia, como Mônica Millet, Adriana Portela, Rosemeire Santos (Ratinha), Maya Lord, Alana Gabriela, Nãnan Matos, Tamima Brasil, Zinha Franco e Goli Guerreiro. O documentário Toque feminino: mulheres percussionistas de Salvador, de Cristiana Fernandes de Souza conta a trajetória de algumas dessas artistas15. Em 2020, o Olodum desfilou pela primeira vez sob o comando de uma percussionista mulher, a maestrina Andreia Reis.

[https://youtu.be/TX7IN2INS1A]

Segundo Goli Guerreiro “a percussão, tocada nos atabaques nos terreiros, é a base da musicalidade dos blocos” (GUERREIRO, 2000, p. 51). Referindo-se ao lê Ayiê – como bloco pioneiro16 – e o bairro da Liberdade, ela ressalta que foi onde “se cristalizou a ideia de mostrar o universo negro em sua grandeza e modificar a auto-imagem dos pretos de Salvador” (ibid., p. 29). Nesse sentido, os blocos Afro foram responsáveis por levar a música do candomblé para a rua (LOPES, 2015, p. 104). Os precursores deste movimento são os blocos Congos D’África (posteriormente Filhos do Congo), criado no começo da década de 1920 (AMORIM, 2012) e Filhos de Ghandy, criado em 1949 (ADEILSON, 2012). Guerreiro (2000) aborda ainda os blocos Ara Ketu, Malê Debalê, Olodum e Muzenza.

Além destes, Badauê, Cortejo Afro, Bankoma, Afoxé Filhas de Gandhy e Didá17, são alguns entre as dezenas de blocos afro que ainda exercem forte influência na música na Bahia: em 2020, por exemplo, cerca de 50 blocos/agremiações foram contemplados no Edital Carnaval Ouro Negro, da SECULT/SEPROMI18. Criado na gestão de Márcio Meirelles na Secretaria de Cultura do Estado da Bahia no Governo de Jaques Wagner, sob a coordenação de Edivaldo Bolagi (coordenador de Ações para o Carnaval da SECULT), o edital chega em 2020 à sua 13ª edição, desempenhando um importante papel no fomento a agremiações de matrizes africanas e tradicionais no carnaval da Bahia, demonstrando claramente o impacto que a política de editais causou em toda a teia produtiva da música na Bahia. No contexto de Salvador, esse edital é um dos eixos do projeto Carnaval da Cultura, juntamente com o Carnaval do Pelô – em 2020, o projeto comemorou os 70 Anos do Trio Elétrico.

Além do fortalecimento dos blocos afro, essa iniciativa tem possibilitado uma pujança de blocos de rua19, micro e nano trios20, bem como o acolhimento com a multiplicidade de facetas – com os diversos palcos espalhados pela cidade com diferentes gêneros musicais, como por exemplo, o já tradicional Palco do Rock21 e o Hip Hop no Carnaval22. Sobre a multiplicidade do carnaval, é preciso destacar também a Mudança do Garcia, o Furdunço e o Fuzuê, por exemplo, entre muitos outros fenômenos que reforçam o caráter de diversidade que não consegue ser silenciado pelas hegemonias.

Um dos idealizadores do Ouro Negro, Bolagi (2018) discutiu os antecedentes e o processo histórico que culminou na criação dos Afoxés. Cumpre salientar também nesse processo a importância dos blocos de índio. Segundo Bolagi, “a característica que unifica afoxés, blocos afro, de índio, de samba e de reggae em uma única categoria – matriz africana – é a relação com os valores culturais afro-baianos” e, nesse sentido, estes “se expressam, principalmente, na musicalidade e na coreografia. Já o que os diferencia é serem expressões de diversas leituras da diáspora, com matrizes rítmicas distintas” (INFOBAHIA, 2011, p. 10).

Cumpre salientar também, no contexto das agremiações, as Ganhadeiras de Itapuã, um importante grupo que, apesar de ter ganhado apenas em 2020 uma projeção nacional a partir do enredo da Viradouro, ganhadora do Carnaval do Rio de Janeiro, foi fundado em 2004 e busca perpetuar uma tradição secular fortemente ligada ao bairro de Itapuã, em Salvador. O trabalho de Harue Tanaka (2012) é um estudo de grande importância sobre o contexto do grupo e permite uma perspectiva bastante elucidativa sobre os diversos contextos históricos, culturais e etnográficos, bem como os aspectos musicais e as suas articulações pedagógicas. Cumpre salientar também o documentário TV UFBA .DOC - As Ganhadeiras de Itapuã, incluindo depoimentos e imagens históricas de Itapuã do começo do século XX.

[https://youtu.be/fx6586NGVb8]

Nesse processo complexo dos blocos afro, é importante voltar à formulação inicial e ressaltar a imbricação entre as três principais manifestações afrodiaspóricas: candomblé, capoeira e os sambas. De fato, é importante mencionar a interação constante entre os músicos nos diversos contextos, nos já citados grupos Viva Bahia e Baiafro.

Pedro Abib (2013), em seu livro Mestres e Capoeiras famosos da Bahia, tece um interessante panorama dos diversos contextos e linhagens da capoeira. Seu documentário Memórias do Recôncavo: Besouro e outros Capoeiras, de 2008, também é um interessante documento sobre a capoeira do Recôncavo da Bahia. O livro Uma coleção biográfica: os Mestres Pastinha, Bimba e cobrinha Verde no Museu Afro-Brasileiro da UFBA (FREITAS, 2015) apresenta textos e documentos sobre três dos principais mestres ligados às tradições da capoeira na Bahia. Além do MAFRO e o Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, é preciso ressaltar o papel de diversas instituições, seja aqueles grupos ligados ao Forte da Capoeira (Santo Antônio Além do Carmo) ou na Associação Brasileira de Capoeira Angola, a Fundação Mestre Bimba, entre muitas outras.

[https://www.youtube.com/watch?v=gvP42zM5axM]

O I Encontro Internacional de Pesquisadores de Capoeira, ocorrido em Cachoeira em 2013, com extensa participação da comunidade que estuda e prática capoeira na Bahia e em outros Estados, apontou caminhos sobre a pesquisa em torno da capoeira. Dessa ocasião, originou-se um livro (PIRES et al., 2016) subdividido em cinco partes distintas: educação; histórias; identidade, tradição e globalização; mídias, gênero e artes; e políticas públicas.

As pesquisas no contexto da música na capoeira são inúmeras. No contexto da Bahia, Flávia Candusso (2009), Flávia Diniz (2011) e Nicolas Larraín (2005) abordaram a capoeira angola, cada um a seu modo. Candusso (2009) teceu uma abordagem pelo viés educação musical e dos valores civilizatórios, através do seu contato direto com a Academia de João Pequeno de Pastinha, sua ancestralidade e a tradição oral inerente ao contexto. Diniz (2011), sob a égide da etnomusicologia, enfocou questões identitárias (em um sentido amplo) e de trânsito de saberes musicais envolvidos na prática da capoeira. Por sua vez, Larraín (2005) discutiu a indissociabilidade entre música e dança, estabelecendo correlações entre esses domínios sob os pressupostos da etnomusicologia.

Cumpre salientar a publicação recente de Mestre Nenel (2018), pelo protagonismo do próprio mestre23 na publicação e pelo seu trabalho à frente da Fundação Mestre Bimba. Com prefácio de Muniz Sodré e organização da pesquisadora Lia Sfoggia, o livro foi lançado na ocasião do centenário da Capoeira Regional, um volume bilíngue que compila os ensinamentos de Mestre Bimba, pai de Mestre Nenel, e discute os aspectos musicais de uma forma bastante ilustrativa, como a charanga e os toques de berimbau e suas curiosidades. O livro ainda apresenta fotos históricas do mestre e uma lista de dezenas de publicações sobre o Mestre Bimba e a Regional.

Em minha pesquisa de doutorado (BERTISSOLO, 2013), abordei a relação entre música e movimento para composição musical a partir de uma pesquisa de campo na Fundação Mestre Bimba, entre 2009 e 2013. A partir de diálogos com os mestres e inferências no contexto, desenvolvi um arcabouço conceitual que veicula aspectos de música e movimento em uma articulação complexa e possibilitam uma perspectiva para a composição musical: Ciclicidade, Incisividade, Circularidade, e Surpreendibilidade. Vinícius Amaro (2015) desenvolveu e aprofundou esses conceitos e estabeleceu estratégias composicionais a partir da dimensão rítmica. Sua tese de doutorado (BORGES, 2019), considerando uma consequência da imbricação entre as manifestações de matrizes africanas, enfocou as estratégias rítmicas do Candomblé para o estabelecimento de processos de composição.

Como já discutimos, os diversos contextos dos saberes da capoeira24 estão entremeados ao candomblé e aos sambas (de Roda, Chula, de Viola, que discutiremos mais adiante). Essas manifestações de matrizes africanas estavam na base do processo de “reafricanização” na cultura baiana, apontado por Antonio Risério (1981) – em seu clássico Carnaval Ijexá – , com foco especial de atenção aos seus impactos no carnaval. Essa temática foi endereçada em um outro verbete desse portal, a saber, “Cultura” (LIMA, 2020), considerando a invenção do trio:

Ora, a partir do final da década de 70, na virada para a de 80, a linha de desenvolvimento do trio se encontra com a linha dos blocos, dando origem aos atuais blocos de trio — Camaleão (1978), Cheiro de Amor, Eva, logo depois, Pinel (1981), Tiete Vip’s (1982), Beijo e Mel (ambos em 1983) e assim por diante. Pensados como empresas lutando pela sobrevivência nesse mercado em expansão, essas iniciativas acabaram suplantando as soluções antigas, e os blocos tradicionais tenderam a desaparecer (LIMA, 2020, p. 9).

MIGUEZ (1996, 2002, 2012), um dos mais importantes estudiosos do carnaval da Bahia, propôs abordagens interessantes sobre a trama de negócios nele imbricada. Segundo ele, “o ‘carnaval-negócio’ é a marca registrada que, nas últimas duas décadas, tem particularizado a configuração do carnaval da Bahia” (MIGUEZ, 2012, p. 137), a partir de 3 inflexões: a invenção do trio elétrico, a explosão afro-carnavalesca e a “empresarialização dos blocos de trio”. Ele elenca três desafios para o Carnaval, sendo o primeiro deles em relação à própria concepção, considerando que ele sempre foi uma arena de velhos e novos conflitos:

Seu ponto de partida deve ser a compreensão do carnaval como um fenômeno do campo da cultura. Sim, antes de tudo – muito antes, por exemplo, da sua condição de grande negócio, e para além das idealizações que teimam em romantizá-lo –, o carnaval é, especificamente, uma – junto com o Candomblé, a mais vistosa e vigorosa – manifestação do patrimônio intangível da cultura baiana, e é assim que deve ser tratado (MIGUEZ, 2012, p. 137).

Os demais desafios dizem respeito ao estabelecimento de “marcos regulatórios sintonizados com um projeto de distribuição menos desigual da riqueza gerada pela festa” e a governança, sinalizando a importância de reorganização do “Conselho Municipal do Carnaval”.

Sob o ponto de vista da primeira inflexão, ela se refere a um fenômeno que em 2020 completou 70 anos – a revolução causada pela invenção da Fubica, de Dodô e Osmar –, percurso tão bem delineado pelo verbete de Cultura deste portal (LIMA, 2020), que estabeleceu uma linha de desenvolvimento que explica em grande parte o fenômeno contemporâneo do carnaval. Mas creio que seja necessário destacar um importante aspecto desse contexto: a influência da guitarra baiana.

A linha sucessória da guitarra baiana remete aos irmão Macedo – cumpre mencionar a Escola de Música Irmãos Macêdo. Armandinho ainda exerce grande influência no instrumento, mas é acompanhado de uma nova geração, onde a guitarra baiana inclusive permitiu pontos de inflexão na música da Bahia neste século. Morotó Slim (Retrofoguetes), Roberto Barreto (Baiana System), Fred Menendez (Rixô Elétrico), Cássio Nobre e Júlio Caldas são alguns dentre muitos outros nomes de instrumentistas que tem seguido a tradição da guitarra baiana – os dois últimos também importantes no contexto das violas do recôncavo, que serão abordada adiante, quando discutirmos os sambas.

[https://www.youtube.com/watch?v=r9TgaoA3NhE

Já na segunda inflexão, que se refere à explosão afro-carnavalesca, previamente discutida, é importante destacar o impacto do samba-reggae, “o principal produto da movimentação afro-baiana” (GUERREIRO, 2000, p. 57)25. Goli Guerreiro discute seus personagens e contextos, problematizando o debate em torno da sua sobre sua origem26, mas chamando a atenção para o consenso criado em torno de Neguinho do Samba, quando a mídia passou a veicular o samba-reggae (ibid., p. 58). Nesse sentido, Víviam Caroline – criadora da Banda Didá ao lado do próprio Neguinho do Samba – argumenta em torno do protagonismo deste no contexto, enfocando sua criatividade e posicionando a banda de samba-reggae como estrutura quilombola, ferramenta de conexão em torno do tambor (QUEIRÓS, 2016).

É importante mencionar também, como salientado por Goli, o fenômeno Timbalada/Carlinhos Brown27, que posteriormente teve uma importante inflexão com a criação da Pracatum – Escola de Música e Tecnologias, em 199928 – 5 anos após a fundação da Associação Pracatum Ação Social. Esse contexto permitiu a transformação de milhares de jovens, sendo responsável pela formação de milhares de músicos, muitos deles profissionalizados, com grande inserção no mercado musical. A Timbalada transforma a sonoridade pela revalorização dos timbaus aliada ao seu contexto tecnologizado (GUERREIRO, 2000, p. 174). O timbau já era utilizado em outros blocos, como o Filhos de Gandhy (ibid., p. 170), mas na Timbalada “o timbal é tocado com as mãos e tratado como se fosse uma representação ou síntese profana dos atabaques” (LIMA, 2017, p. 104).

Cumpre salientar também ex-integrantes desses grupos que realizaram carreiras solo, como Lazzo Matumbi, Tonho Matéria, Jauperi e Pierre Onassis29 (Olodum), Tatau (Araketu), Denny Denan (Timbalada), entre muitos outros.

Sob o ponto de vista da terceira inflexão, apontada por Paulo Miguez, empresarialização dos blocos de trio, cumpre salientar o fenômeno da indústria de música do Carnaval. LIMA (2020) reflete sobre a condição marca distintiva da celebração da identidade afro-baiana no carnaval:

Há um público enorme, em Salvador, e, potencialmente em todas as outras cidades, ávido pela sensação de pertencimento ao Carnaval (que geralmente é intermediada pela música), e também sensível à matriz africana, precisando recorrer a sucessos internacionais. Ora, o que aconteceria se houvesse uma oferta local para esse tipo de demanda? Creio que foi em resposta a essa demanda que a Bahia conseguiu fazer nascer e deixar vingar sua indústria de música para o Carnaval, caldeirão de vários gêneros que iria receber o nome de Axé Music, a partir de uma tirada irônica do jornalista Hagamenon Brito. Olhando com mais perspectiva, fica claro que todo o processo se inicia com a invenção da fubica, o processo de reterritorialização democratizante que ampliou a festa para a escala que iria ter nas décadas seguintes. Também em perspectiva, fica claro que a energia que impulsiona o movimento, sua principal marca distintiva, é a celebração da identidade afro-baiana (O canto dessa cidade, sou eu...), e que o surgimento dos blocos Afro foi uma pré-condição para a ignição dessa empreitada (LIMA, 2020, p. 9).

Esse processo, embora vinculado ao Carnaval de Salvador, possui seus tentáculos nas micaretas pelo interior do estado e na multiplicidade de festivais que impulsionam a indústria música30, que se articula de forma profunda com as mídias hegemônicas da Bahia, com grande reverberação nos circuitos de comunicação. Lima comenta os primórdios desse processo de empresarialização, que hoje se manifesta nas grandes produtoras, ligadas tanto aos blocos de trio quanto aos festivais:

O resto já é história, a partir do protagonismo da gravadora WR e do envolvimento de artistas como Luiz Caldas, Gerônimo, Sarajane, Margareth Menezes e Daniela Mercury, entre vários outros, tudo isso se entrelaçando com a energia emanada dos blocos Afro, como já observado, e se articulando com o mercado do Carnaval, em plena efervescência do crescimento do modelo dos blocos de trio (LIMA, 2020, p. 9).

Como vemos, os antecedentes nos remetem aos anos 1980, mas eles ainda têm potencial para contextualizar a cena hoje. Os blocos Afro e alguns dos principais nomes seguem exercendo protagonismo: além dos nomes citados por Lima, cumpre salientar Ivete Sangalo – que junto a Margareth e Daniela formam o que Goli Guerreiro (2000) nomeia “trio feminino” –, Banda Reflexu's, Chiclete com Banana (Bell Marques), Ricardo Chaves31, Asa de Águia (Durval Lelys), Banda Mel (Marcia Short), Banda Eva, Cheiro de Amor, e mais recentemente Cláudia Leitte, Saulo Fernandes (e Chica Fé) e Jammil e Uma Noites (Tuca Fernandes/Manno Góes).

Esse processo de empresarialização e perfil comercial teve como consequência o estabelecimento de relações assimétricas de poder, como discutido no contexto das inflexões apontadas por Paulo Miguez. Nesse sentido, Margareth Menezes, uma das grandes personagens do Carnaval baiano, problematiza:

O axé music se tornou um perfil musical altamente comercial, no qual a cultura afro não tem importância alguma a não ser para definir levadas percussivas e ser celeiro de hits carnavalescos. Já sofri muito preconceito devido a algumas posições que tive em relação a essa visão pequena da aplicação do legado afro brasileiro como se não tivesse valor comercial (MENEZES, 2014, p. 2).

Esse modelo de carnaval negócio (ligado ao axé-music) entrou em declínio ainda no final da década de 1990, como já alertaram seus pesquisadores à época. Esse esgotamento pode estar relacionado ao movimento de outras capitais do país, que retomaram a tradição secular de carnavais de rua, com seus blocos e arrastões, que pressionaram fortemente por um redesenho em busca de um perfil mais democrático para o carnaval, já anunciado por autores como o próprio Paulo Miguez (2012). Goli Guerreiro chamou a atenção dessa questão em 2000: “mas, depois de quinze anos de estrada, a produção musical mais conhecida como axé-music vive um declínio como fenômeno de mídia” (GUERREIRO, 2000, p. 266).

Esse declínio tem sido retratado ano após ano na imprensa da Bahia e brasileira, e pode ser explicado por um lado quando levamos em conta que grande parte dos protagonistas dos blocos de trio continuam sendo os mesmos do século passado e, por outro, pelo próprio esgotamento do modelo.

Em relação à primeira questão, Luiz Caldas, por exemplo, em depoimento recente ao Correio, assevera: “foram 10 anos de Camaleão (lembrando do bloco que puxava em 87). Foi um momento muito maravilhoso, o melhor possível. Os blocos viviam mais de diversão do que fazer grana. Aí virou comércio e perdi um pouco tesão com bloco”. O texto ainda assinala que “crítica que pode ser usada como metáfora para toda a decadência – financeira e criativa – da axé music”32.

Nesse mesmo sentido, Lazzo Matumbi afirmou em 2020 para A Tarde: “nos anos de 1980, criou-se um movimento que se dizia movimento musical moderno, mas que foi direcionado à gestão do Carnaval. Salvador só criou música para o Carnaval. A grande dificuldade hoje é que o Brasil olha para a cultura como entretenimento e não como arte”33. Recentemente, Carlinhos Brown comentou a afirmação de Lazzo: “ele tem razão, porque foi o que eu falei em relação que o Carnaval ficou, o que nós fizemos para ser social, ficou comercial e depois teve uma estetização”34.

Por outro lado, há um debate sobre o próprio esgotamento do formato, ocasionamento em recentes transformações na própria dinâmica do carnaval. Em 2020, por exemplo, em um texto publicado na a Folha de São Paulo, personalidades ligadas ao axé e outros músicos, tais como Manno Góes, Jonga, Luciano Matos, Chico Kertész e Goli Guerreiro endereçam a questão. Eles consideram que o esgotamento do formato veio na esteira da própria falta de renovação do axé. O texto analisa a perda progressiva de espaço do gênero, mostrando dados do ECAD, comparando números de shows, citando o processo de “gourmetização” do carnaval nos camarotes e a mudança para o financiamentos público dos grandes blocos – que passaram a sair sem cordas, na pipoca, para usar o jargão popular. Esse texto ainda ressalta como outros gêneros baianos acabaram ocupando esse espaço, citando o exemplo do pagode baiano35.

De fato, o declínio do axé music abriu espaço para o crescimento de outros gêneros populares que se tornaram importantes no contexto do carnaval e da música na Bahia, inclusive com pontos de virada consideráveis neste século. Refiro-me aqui principalmente ao pagode baiano e ao arrocha, bem como a ascendência da música eletrônica e sua recente hibridação, “subindo no trio”.

O pagode baiano é um dos gêneros que transformaram a cena da música do carnaval da Bahia nas últimas duas décadas. Lopes o analisa em três períodos:

Discuto as características musicais que o definem, a partir da análise de seus elementos musicais, e faço um breve panorama dos três períodos históricos que diagnostiquei nesta pesquisa: a gênese do pagode (anos 1990), a eletrificação do pagode (final dos anos 1990 e início dos anos 2000) e a hibridização do pagode (a partir de 2006) (LOPES, 2015, p. 100-1).

O seu surgimento, na década de 1990, está relacionado ao “sambas híbridos soteropolitanos, extremamente populares” (ibid., p. 116). Podemos mencionar os seus antecedentes em grupos como Gera Samba (É o Tchan), Companhia do Pagode, Terra Samba, Gangue do Samba, Patrulha do Samba, que ainda exercem protagonismo, seja pela sua continuidade ou pela tendência recente de alguns desses grupos em retornar às atividades.

A segunda fase teve o Harmonia do Samba como transição36. Lopes enfoca nas transformações causadas pelos grupos Parangolé e Psirico, considerando que este “recolocou o pagode como destaque na cena da música nacional e se tornou uma das bandas mais importantes da história do pagode baiano” (ibid., p. 141). Márcio Vitor e o Psirico realizaram uma verdadeira transformação na sonoridade do trio, que foi rapidamente absorvida no contexto dos blocos de trio. Nesse sentido, Clebemilton Nascimento também ressalta a transformação operadas por esses grupos:

A revista Muito, suplemento semanal do Jornal A Tarde, divulgou uma matéria de capa, em 1 de novembro de 2009 intitulada, Suingueira distorcida com o subtítulo o pagode baiano se reinventa com uso de guitarras e letras de protesto orquestrado por Eddye, Márcio Vitor, Bam e Léo. Nessa matéria, destaca-se a importância dos grupos Psirico, Fantasmão, Sam Hop e Parangolé, dando especial ênfase aos seus líderes e principais mentores, os vocalistas, respectivamente Márcio Vitor, Eddye, Bam e Léo Santana, destacando a importância dessas bandas nas transformações que vêm se desenvolvendo no gênero pagode produzido na Bahia, inclusive articulando nessa matéria as opiniões de nomes da música local como o maestro Zeca Freitas, Tom Tavares (professor da Escola de Música da UFBA e funcionário da Rádio Educadora FM de Salvador), Fábio Cascadura (vocalista e guitarrista da banda de rock Cascadura) e o contrabaixista do grupo Garagem que participaram de uma espécie de grupo focal para a audição de algumas músicas de pagode baiano organizado pelo autor da matéria, o jornalista Luciano Aguiar (NASCIMENTO, 2012, p. 184).

Nascimento (2012), Lopes (2015) e Chagas (2016) e destacam ainda nesse segundo período a banda Black Style (Robyssão). A partir das transformações possibilitadas por essas três bandas (Psirico, Parangolé e Black Style), a terceira fase do pagode é marcada pelas hibridações e se caracteriza também pela valorização de carreiras individuais: “Eddye sai do Fantasmão e se torna EDcity, em 2009; Igor Kannário sai da banda A Bronkka, em 2012; Robyssão sai da Black Style em 2013; Léo Santana sai do Parangolé, em 2014” (LOPES, 2015, p. 148). O pesquisador propôs uma abordagem do pagode atual a partir de seis estilos: o pagode de ousadia (p.e., La Furia), o pagode lúdico (p.e., LevaNóiz), o pagofunk (p.e., Bailão do Roby$$ão), o pagode de Crítica social (p.e., Fantasmão/Edcity/Igor Kannario), o pagode romântico (p.e., Harmonia do Samba/Oz Bambaz) e o pagode Gospel (p.e., Dopa). O trabalho de Ledson Chagas (2016), por sua vez, também analisa o pagode baiano e não destoa dessa análise em três períodos. Sua perspectiva, entretanto, é realizada pelo prisma dos corpos, da dança e das letras, apontando as suas relações como os sambas de roda do recôncavo e os sambas juninos de Salvador.

É importante salientar também o protagonismo feminino do contexto do pagode37, por exemplo em grupos/artistas como A Dama, A Madame, Swing de Mãe, Afrocidade, Aila Menezes e Rai Ferreira. O projeto Pagode por Elas lançou em 2020 a minissérie documental Pagodão: A cena por elas, buscando ampliar as vozes femininas, que já estavam presentes na cena.

Um outro gênero que ganhou protagonismo na última década nos meios hegemônicos e inclusive no carnaval é o arrocha. Sua origem remonta ao início dos anos 2000 em Candeias, ainda como um fenômeno marginalizado, ganhando maior projeção inicialmente no carnaval de Salvador, há pouco menos de uma década, posteriormente se consolidando em âmbito nacional. A literatura sobre o gênero ainda é escassa, talvez pela desvalorização e marginalização apontada por Dayanne Figueiredo (2015), por sua associação com classes sociais mais pobres.

Embora não seja específico da área de música, o trabalho de Figueiredo é pioneiro, com um percurso exploratório, entrevistando personalidades e enfocando o Portal do Arrocha38. A pesquisadora aponta seus primórdios nas serestas de Candeias/BA, sendo caracterizado pela batida do bolero e influenciado pelas músicas conhecidas como música brega (ibid., 73-4), estando associado às classes populares, tanto nos seus artistas quanto no seu público. É importante destacar que “boa parte da divulgação das bandas de Arrocha foi feita através do mercado informal” (ibid., p. 74), com a prática de disseminação de CD “piratas” que se espalharam vertiginosamente pelo interior da Bahia e posteriormente pelas periferias de Salvador. Pablo, Márcio Moreno, Silvano Sales, Nira Guerreira (falecida precocemente em 2018), Nara Costa, Tayrone e Jane Cordeiro, entre muitos outros, através da intensa rede de propagação à margem, acabaram ocupando gradualmente os espaços hegemônicos.

[https://youtu.be/r9TgaoA3NhE]

Mais recentemente, é importante também destacar o fenômeno da música eletrônica no carnaval, inicialmente pela própria presença dos DJ’s nos camarotes e trios (discutiremos a cena de música eletrônica na Bahia na próxima seção). Cumpre salientar, entretanto, também pelo prisma da hibridação e seu impacto na música do carnaval, a transformação recente na absorção das sonoridades eletrônicas nos próprios blocos de trio, com DJ’s e suas sonoridades literalmente “subindo no trio”. Nesse sentido, não se pode ignorar a efervescência que tem sacudido a música no carnaval baiano: fenômeno Baiana System. O grupo tem desempenhado maior protagonismo a cada ano nos circuitos, revolucionando o próprio formato, e tem figurado fortemente no cenário independente na Bahia – e mesmo despontando no cenário nacional. Também nesse ambiente de hibridação com as sonoridades eletrônicas, destacam-se as bandas ÀTTØØXXÁ e Afrocidade39. Cumpre destacar também o hibridismo mais radical de outros grupos como o Funfun Dúdú – do jazz e da música instrumental com diversos gêneros baianos como o pagode, arrocha e samba-reggae – e da Sanbone Pagode Orquestra, das orquestras de jazz com o pagode.

[https://www.youtube.com/watch?v=YclTyxiY1Bg]

Voltando à questão do carnaval e sua indústria musical, é possível reconhecer um elemento como fio condutor nas diversas inflexões apontada por Paulo Miguez: o samba-reggae. O ritmo é uma espécie de ápice do processo de explosão afro-carnavalesca, ou processo de “reafricanização”, como descrito por Risério (1981), que teve um impacto que ainda permanece no ambiente musical da Bahia. Para além do debate sobre a origem40, creio que seja importante discutir duas manifestações musicais constituintes da música na Bahia, que foram responsáveis por esse binômio.

As múltiplas expressões dos sambas na Bahia contemporânea estão relacionadas a diversas manifestações tradicionais, como o Samba de Roda, o Samba Chula, o Samba de Viola, o Samba Duro, os Sambas Juninos, com reflexos no Samba Urbano em Salvador. Para compreender os contextos dos sambas, é preciso levar em conta o processo de patrimonialização do samba e as políticas de salvaguarda, eclodidas no começo dos anos 2000.

Em 2004, o Samba de Roda do Recôncavo Baiano foi registrado no livro “Formas de Expressão” pelo IPHAN Patrimônio Cultural do Brasil e, em 2005, recebeu o título de Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, reconhecida pela UNESCO. O dossiê que subsidiou o registro foi elaborado por uma equipe coordenada pelo pesquisador Carlos Sandroni, composta pelas/os pesquisadoras/es Katharina Döring, Francisca Marques, Ari Lima, Suzana Martins e Josias Pires, tendo a redação final o apoio suplementar de Wlamyra Albuquerque e Maria Goretti Rocha de Oliveira (IPHAN, 2006; SANDRONI, 2005).

Os grupos que integraram a pesquisa do Dossiê (IPHAN, 2006, p. 198-9) foram Samba Chula de São Braz (do Mestre João do Boi), Associação Cultural Filhos de Nagô, Samba Chula Filhos da Pitangueira (São Francisco do Conde), Samba da Suerdick (Associação Cultural do Samba de Roda “Dalva Damiana de Freitas” – Cachoeira), Sambadores de Mutá e Pirajuía, Samba da Capela (Conceição do Almeida), Samba de Roda Raízes de Angola (São Francisco do Conde), Samba de Roda Suspiro do Iguape (Santiago do Iguape), Samba de Roda União Teodorense, Clemente e Sua Gente, Samba do Rosário (Saubara), Samba de Viola de Pitanga dos Palmares (Simões Filho), Samba Chula Os Vendavais (do recém falecido Mestre Nelito), Samba Resgate (Itapecerica – Maragogipe), Samba Chula de Maracangalha (Maracangalha – São Sebastião do Passé), Rita da Barquinha (Bom Jesus dos Pobres – Saubara) e Grupo Brilho do Samba (Parafuso – Camaçari), com diversas entrevistas com mestras e mestres ligados a essa tradição.

Sobre os impactos das políticas públicas à época, cumpre destacar a criação e importante atuação da Associação de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (ASSEBA)41, bem como da Casa do Samba de Santo Amaro, ponto de convergência de diversas ações e centro de referência do Samba de Roda na Bahia – em 2020 sua sede sofreu com um desabamento de parte da sua estrutura, demonstrando a carência de investimento na sua revitalização42. Como parte do plano de salvaguarda, foi instaurada a Rede do Samba, composta por 15 Casas de Samba43. Localizadas em 14 cidades do Recôncavo Baiano, estes espaços têm desempenhado um importante papel no contexto dos sambas da Bahia, como pontos de convergência.

Uma das pesquisadoras ligadas à equipe que elaborou o Dossiê (IPHAN, 2006), Katharina Döring (professora da UNEB), tem desempenhado um papel de liderança na pesquisa e militância pelos sambas da Bahia. Dentre as suas inúmeras ações, é preciso destacar a concepção, coordenação, direção artística e musical na publicação da Cartilha do Samba Chula (DÖRING, 2016a), um documento de referência, ricamente elaborado com fotos, depoimentos, textos sobre o samba chula e seus mestres/as, seus instrumentos, contendo preciosas transcrições de chulas, ritmos e toques de viola (que auxiliam sobremaneira no entendimento dos aspectos musicais das manifestações), listas de discografia, vídeos, links e uma bibliografia significativa, além de um DVD e dois CD’s. Os mestres/as que participaram da Cartilha e das gravações foram João do Boi, Mestre Nelito, Domingos Preto, Zeca Afonso, Paião, Mestres Aloísio e Cristóvão, Mestres Antônio e Elsino, Mestres Pedro e Vortinha, Aurino da Viola, Celino da Viola, Mestre Quadrado e Manteiguinha, Dora Aurinda, Dona Zelita e Dona Nicinha.

Cumpre salientar também o livro Cantador do chula: o samba antigo do recôncavo (DÖRING, 2016b), que enfoca o aspecto vocal do samba de roda do Recôncavo, mas não somente isso, oferece um rico contexto para entendermos a manifestação nas suas diversas dimensões, considerando o samba como “o desejo individual e coletivo de se reunir, tocar, cantar e dançar” (2016b, p. 72). Esse livro é um desdobramento do projeto Cantador de Chula, promovido pela Associação Sócio-Cultural Umbigada44, que colocou à disposição do público um acervo de 3000 CD’s e DV’s e produziu um importante documentário45.

[https://www.youtube.com/watch?v=H2Z_5wo7X_s]

Destaca-se também a pesquisa para a elaboração do documentário Mulheres do Samba de Roda, de Rosildo Rosario e Luciana Barreto, em colaboração com a ASSEBA, a Rede do Samba e a Chegança dos Marujos Fragata Brasileira, com apoio do IPAC e da SECULT. O filme, que também gerou uma exposição fotográfica, um livro e um CD, mostrou a trajetória de 16 mestras do samba de roda, de 15 localidades da Bahia46.

[https://www.youtube.com/watch?v=28F7dYbeWRc]

Katharina também foi uma das organizadoras do Dossiê “Estudando o Samba”: Estudos transdisciplinares sobre os sambas, em colaboração com Ari Lima e Tiago de Oliveira Pinto (LIMA, DÖRING, PINTO, 2018) – com título inspirado CD histórico de mesmo nome do compositor Tom Zé (que abordaremos na terceira seção do texto). Publicado pela Revista Pontos de Interrogação, do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), trata-se de um documento imprescindível para entendermos o estado da arte da pesquisa sobre essa manifestação cultural. Com contribuições de pesquisadoras/es da Bahia, de outros estados brasileiros e internacionais47, são abordados temas como a profissionalização dos sambas de Cachoeira e São Felix e suas transformações, diálogos entre o samba carioca e o pagode baiano, os sambas do recôncavo no ensino de violão, um entrelaçamento entre sambas, patrimonialização e políticas culturais, samba de roda e economia solidária, pós-patrimonialização e produção fonográfica no samba de roda do Recôncavo Baiano, o samba junino em perspectivas histórica e contemporânea, memória fotográfica do samba, o samba de viola do Sertão da Bahia, o pagode baiano, além de uma entrevista com Mestre Milton Primo.

A política de salvaguarda do Samba de Roda do Recôncavo causou diversos impactos nas manifestações culturais da Bahia. A pesquisadora Raiana Carmo (2008, 2009) analisou estes impactos cinco anos após o registro do Samba de Roda, discutindo o próprio andamento das ações. Seu recorte etnográfico se concentrou nos grupos Samba de Roda Suerdieck, Samba Chula Filhos da Pitangueira, Suspiro do Iguape e Grupo Cultural Samba de Maragogó. Os efeitos da patrimonialização do samba de roda sobre as comunidades do Recôncavo foram estudados também por LIMA (2011, 2017), que apresenta um viés crítico em relação ao próprio Dossiê, bem como à Política de Salvaguarda48. Ele ressalta a importância do samba chula no contexto do samba de roda do Recôncavo e do Agreste da Bahia.

Nina Graeff (2015) também analisa as causas e consequências da nomeação da Unesco, chamando atenção para o seu processo recente de espetacularização49. A autora empreende uma incursão interessante nos aspectos musicais, analisando as características dos sambas (estilo vocal, melodia e harmonia, conteúdo dos textos e dança), estilos regionais (Samba corrido, Samba chula, Samba de barravento), os princípios rítmicos da percussão (destacando a multifuncionalidade rítmica do pandeiro) e da viola machete (tons de machete). É interessante ressaltar as interessantes transcrições do universo dos sambas, que permitem um aprofundamento dos aspectos musicais e são de grande valor para quem tem a intenção de se aprofundar nesse universo.

Considerando o impacto das políticas, a autora assevera: “Se as políticas de salvaguarda têm a intenção de promover a diversidade cultural, elas acabam paradoxalmente impulsionando a homogeneização, pois as tradições são pressionadas a se adequar a interesses externos e comerciais” (ibid., p. 149). Breno Silva (2014) também aponta essa tensão entre território e identidade, problematizando o impacto das políticas de salvaguarda não pelo viés delas, mas pelo viés dos das estratégias criadas pelos/as sambadores e sambadeiras frente aos conflitos experimentados na vivência da complexa teia das manifestações culturais50.

[https://www.youtube.com/watch?v=odb_JPNh_50]

É preciso mencionar também a importância da viola no contexto dos sambas e da música na Bahia (tanto no Samba Chula quanto no Samba de Viola e em outros contextos musicais). O trabalho de Cássio Nobre (2008), ele próprio tocador de viola e guitarra baiana, é pioneiro ao tecer um panorama do estudo sobre a viola machete, suas características, bem como seu contexto histórico e (etno)musicológico. Nobre discorre sobre Mestres importantes no contexto da viola que, à exceção de Zé de Lelinha – falecido em 2008, encarregado de ministrar uma oficina para aprendizes de viola machete em São Francisco do Conde, ação do Plano de Salvaguarda –, erroneamente não foram mencionados no Dossiê do IPHAN, como Zezinho da Viola (José Humberto da Cruz), Aurindo de Jesus e Mestre Vanjú (Vangilvaldo dos Santos Pereira). O documentário Violeiros de Machete, coordenado por Cássio, é um registro fundamental, realizado em parceria com a ASSEBA, a Rede do Samba e Chegança dos Marujos Fragata Brasileira, tem como objetivo trazer a experiência de três violeiros (além dos já citados Aurindo e Vanjú, o Mestre Celino dos Santos) e um construtor de violas (José Carpina), com o objetivo de divulgar essas tradições e a prática desses violeiros. Cumpre salientar o projeto Um Brasil de Viola51, que apresentou o perfil de alguns dos mestres da viola no Brasil, assim como o Grupo Viola de Arame52.

[https://www.youtube.com/watch?v=2fqXQEIDZ1M]

Como ressalta Charles Exdell (2017, p. 30), muito por conta do efeito da patrimonialização, o enfoque das pesquisas esteve concentrado nos últimos anos na região do Recôncavo baiano53. Ao propor uma abordagem etnogeográfica, o autor questiona o discurso hegemônico sobre o samba de roda, reivindicando que a inclusão do semiárido multirracial da Bahia e propondo retratos dos violeiros Jorge e Marcolino, da região de Piemonte da Diamantina. Charles também produziu documentários sobre o samba do Sertão, como Violeiro de samba e Eu pensei que sambar era fácil: um retrato musical de Jorge e sua viola, que retratam o violeiro Jorge e sua esposa, Lourdes; e Santos Reis vai adiante: o samba de Seu Marcolino, que mostram a homenagem aos Três Reis Magos que Seu Marcolino e seus sete filhos realizam todos os anos.

Cumpre salientar a figura marcante de Bule-Bule, um personagem multifacetado de grande importância na cultura popular do Sertão da Bahia, ícone do samba sertanejo, dos cordéis etc. Por falar em Bule-Bule, é importante ressaltar também o contexto dos cantadores – já não mais no contexto dos sambas –, como Elomar e Xangai, Paraíba da Viola, João Omar, com impactos nos diversos forrós, tão importantes no contexto do São João da Bahia, com artistas como Maziael Melo, Zelito Miranda, Del Feliz, Adelmário Coelho, Estakazero, Telma Miranda, Carlos Pita, Forró da Gota, Pirigulino Babilaque e Sertanília, entre muitos outros. A música desempenha um papel fundamental no contexto do São João da Bahia, um conjunto de festividades tradicionais e de grande capilaridade pelo interior do estado, com eventos de grande relevância, que tem arrastado verdadeiras multidões, com gêneros musicais não apenas do âmbito do forró, mas com artistas de diversos outros gêneros ligados às mídias hegemônicas.

Também no contexto junino, voltando ao samba, cumpre também ressaltar a importância do Samba Junino, um dos desdobramentos do Samba de Roda do Recôncavo nas periferias de Salvador (MELO, 2017, p. 24). “O samba junino tomou feições a partir dos anos 70/80 em vários bairros populares que abrigam tradicionais terreiros de candomblé” (DÖRING, 2016b, p. 79). A autora relaciona esse processo ao fenômeno de migração econômica, de êxodo rural, ocorrido na Bahia das décadas de 1960 e 1970, quando muitos filhos de sambadeiras e sambadores do Recôncavo se instalaram nas periferias de Salvador.

O trabalho de Gustavo Melo investiga o Samba Junino baseado nas falas dos seus próprios interlocutores, a partir de um recorte etnográfico no bairro Engenho Velho de Brotas, em Salvador. Ele propõe a relação do Samba Junino com o gênero Samba Duro, e propõe uma abordagem a partir de registros de jornais, rádio e televisão, enfocando 12 grupos de samba junino no bairro Engenho Velho de Brotas.

Iuri Passos, por sua vez, comenta a importância do Samba Junino no bairro do Gantois, comentando a confluência de percussionistas e destaca a importância na sua formação:

Gamo e outros percussionistas sempre tocavam nos ensaios do Samba Fama, grupo de samba junino, e era um verdadeiro show de percussão, porque os ensaios eram repletos de percussionistas de todos os lugares. Carlinhos Brown, ainda antes de sua carreira solo, sempre estava presente nos ensaios, assistindo atentamente, pois o ensaio do samba junino virava um verdadeiro carnaval no bairro do Gantois. Isso tudo foi de grande importância na minha formação como percussionista (PASSOS, 2017, p. 78).

A influência do Samba Junino é muito forte nas diversas manifestações culturais e na indústria da música em Salvador e da Bahia como um todo. Como ressalta Chagas, referindo-se ao pagode baiano:

Artistas do pagode baiano atual, como o vocalista e percussionista Márcio Victor (Psirico) e o cantor BamBam (Psirico, Parangolé, Sam Hop, A Bronkka), ambos originários do bairro Engenho Velho de Brotas, afirmaram ter tido contato com o samba junino na infância. BamBam cita grupos como Jaqué, Tororó, Pião Doido, Dique Pequeno e Samba Leva Eu, esse último, de acordo com a citada matéria da revista Muito, organizado pela família de Márcio Victor (CHAGAS, 2016, p. 67).

[https://www.youtube.com/watch?v=copqMycOJ_4]

Os sambas urbanos relacionam-se com os sambas tradicionais de diversas maneiras. O filme Samba não se aprende no colégio, de Tuna Espinheira54, oferece um interessante panorama dos antecedentes que permitem entender o cenário dos sambas na Bahia contemporânea, com os Sambistas Batatinha e Vivaldo (Panela), que, com Riachão, formam um trio de referência para as novas gerações. Sob direção de Pedro Abib, o documentário Batatinha e o samba oculto da Bahia enfoca o sambista Riachão, que nos deixou recentemente aos 98 anos.

https://www.youtube.com/watch?v=qvGZkTuyhHY

Nomes consagrados como Dorival Caymmi, Jackson do Pandeiro, Assis Valente, João Gilberto, Caetano Veloso, Maria Bethania, Gilberto Gil, Gal Costa, Moraes Moreira e os Novos Baianos, entre outros, demonstram a pujança do samba na Bahia, nessa relação de hibridação e trânsitos entre o Recôncavo, a Bahia da segunda metade do século XX e as forças de outras partes do Brasil e internacionais.

A cena dos sambas continua em efervescência, com nomes como Mateus Aleuia (Os Tincoãs), Roberto Mendes, Nelson Rufino, Edil Pacheco, Walmir Lima, Ederaldo Gentil, Batifun, Capinan, Gereba, Antonio Carlos Jocace, Gal do Beco, Dona Chica do Pandeiro, Maryzélia, Clécia Queiroz, Marilda Santana, Juliana Ribeiro, Aloisio Menezes, Pedrão Abib (Grupo Butequim), Orquestra de Pandeiros de Lauro de Freitas, entre muitos outros.

[https://youtu.be/yOAATrtAj7A]

A segunda parte do binômio do samba-reggae nos leva, por outro lado, para um olhar no próprio percurso do reggae na Bahia. O Muzenza do Reggae, como já vimos, é um dos blocos afro que foram muito importantes nos primórdios do processo de “reafricanização”. O bloco foi influenciado diretamente pela estética e pelos ideais do reggae, em forte relação com a figura de Bob Marley. Como Goli Guerreiro relata:

No final dos anos 70, os bairros negros, como o Pelourinho e a Liberdade, estavam apinhados de bares de reggae, onde Bob Marley, Jimmy Cliff e Peter Tosh eram celebrados […]. Nascem grupos de reggae como Nação Rastafari e Amigos do Reggae, os primeiros de uma longa série como Guerrilheiros de Jah, Djamba, Dendê Cum Jah, Morrão Fumegante etc. (GUERREIRO, 2000, p. 97).

Ela relata ainda o show de Jimmy Cliff, com Gilberto Gil – este uma figura fundamental nesse cenário do reggae – na Fonte Nova em 1980, para cerca de 60 mil pessoas. Além dos grupos citados acima, Edson Gomes, Jorge Alfredo e Chico Evangelista são alguns dos precursores do reggae na Bahia. Artistas baianos importantes da Bahia, como Lazzo, Diadorina e mais recentemente Gabi Guedes integraram a banda de Jimmy Cliff.

Hoje, a Bahia é palco de diversos importantes festivais de reggae, como o República do Reggae (Salvador), o Salvador Cidade Reggae, Surfo Reggae Festival (Lauro de Freitas), entre outros. Além dos artistas e grupos já citados, nomes como Adão Negro, Sine Calmon (Morrão Fumegante), Nengo Vieira, Red Meditation, Bem Aventurados, Aluminio Roots & Carruagem de Fogo, Kamaphew Tawa (Aspiral do Reggae), Dionorina, Soraia Drummond, Tribo do Sol, Unidade Planta de Zaire, Irmandade Brasmorra, Zabah Bush, Danzi & Jahfreeka Soul, Prince Addamo, Vitor Badaró, Banda Cativeiro e a Orquestra de Reggae demonstram a pujança do reggae na Bahia.

É importante mencionar também a cena contemporânea ligada ao soundsystem, overdub e afrobeat, também gêneros jamaicanos que tem tido um impacto importante na música da Bahia. Cumpre destacar nesse cenário grupos como Dub Stereo, Ministereo Público Sistema de Som, IFÁ Afrobeat, Afrocidade, Afro Jhow e Skanibais, além do projeto Looping: Bahia Overdub.

 

OS IMPACTOS DAS NOVAS MÍDIAS DIGITAIS E A CENA INDEPENDENTE

A virada dos anos 1990 para os anos 2000 aprofundou uma série de transformações que já estavam em curso nas duas últimas décadas do milênio. No campo da música e sua dimensão de produção, como já discutimos, o impacto da eletrificação, dos recursos eletrônicos e do mundo digital influenciou decisivamente no curso das músicas étnicas e os impacto no carnaval e nas música ligadas às mídias hegemônicas.

Nesse sentido, é importante salientar os impactos das novas mídias digitais na cena independente, nossa segunda categoria de análise. Se nos anos 1970 a 1990 as grandes gravadoras internacionais exerciam hegemonia no mercado fonográfico e de produção musical, com o protagonismo local da WR no caso da Bahia, as novas ferramentas de gravação proporcionadas pelo avanço da tecnologia dos computadores pessoais e equipamento de gravação, com a revolução do MP3 e as novas redes de compartilhamento de arquivos (por exemplo, P2P, torrent, e mais recentemente, streaming), a teia de produção e distribuição foi transformada de forma contundente.

Messias Bandeira (2004) analisou essa questão há 16 anos, chamando a atenção que os processos de digitalização de áudio e compartilhamento superavam a “cultura fonográfica”, redimensionando a produção musical com o advento da cibercultura. Ele ressalta que as gravadoras “possuem uma estrutura altamente hierarquizada, verticalmente estabelecida” (ibid., p. 62), enquanto as gravadores independentes e selos são resultado da insatisfação com o mainstream. O Festival Digitalia – Música e Cultura Digital55 é um dos desdobramentos desse trabalho e se configura como uma rede, uma plataforma para as músicas independentes e a cultura digital.

Cumpre salientar que tanto o trabalho recentes de Messias Bandeira quanto o Digitalia estão inseridos no contexto do Grupo Audiosfera. Também nesse contexto, Ivana Vivas da Cruz (2014) analisa a primeira década da música online, abordando as discussões sobre cena musical independente, o impacto das grandes gravadoras, contando com depoimentos e entrevistas.

O fenômeno das gravadoras independentes e os novos formatos de distribuição e compartilhamento, ao tempo em que representou uma quebra da hegemonia, também ocasionou uma descentralização e aprofundamento da multiplicidade que de certa forma caracteriza a música na Bahia. Além disso, os modelos mais horizontais também fomentaram um aprofundamento dos processos de hibridação nos diversos contextos criativos.

Mas para além da questão das tecnologias e modos de compartilhamento, a política de editais e mecanismos de fomento possibilitaram a criação e manutenção de festivais de música independente que alavancaram essa produção56. É importante mencionar os prêmios como o Festival de Música da Educadora FM, o Festival MUSA e o Prêmio Caymmi (ou Troféu Caymmi), entre outros, que repercutem diretamente a pujança da cena independente ano a ano.

Luciano matos (2019), em seu texto Economia criativa da música independente no Brasil, analisa a questão pelo prisma da economia criativa, trazendo dados de diversas fontes, salientando os processos de quebra da hegemonia das gravadoras, o impacto da internet e das plataformas de compartilhamento, que “causaram a desvalorização dos fonogramas […], passando a se basear em formatos digitais e na crescente valorização dos shows ao vivo” (ibid., 130-1). Ele ressalta a importância dos festivais, sobretudo os independentes, destacando suas características e seu papel na cena independente, mencionando também a importância das casas de shows, como ações permanentes, e dos selos. Luciano considera que “o mercado independente ainda apresenta dificuldades em extrapolar o seu próprio universo ou em se expandir de forma a tornar-se autossustentável” (ibid., 147), considerando que o gargalo ainda é a dificuldade na promoção e na divulgação, já que as emissoras de rádio e TV ainda são o principal caminho de difusão no Brasil.

Os festivais Radioca (do próprio Luciano Matos), Conexões Sonoras, Festival Rock de Azeite, Flow Festival, Rock Concha, Festival Viver Bem, Grito Rock Salvador, Lado BA, Festival Sangue Novo, em Salvador; o Feira Noise, Drop Music Brasil e o Dopesmoke Festival, em Feira de Santana; o Umbuzada Sonora e o Festival do Bosque, em Juazeiro; Festival Suíça Baiana, em Vitória da Conquista; o Ruídos no Sertão, em Porções, estão entre algumas das iniciativa que mobilizam a cena e possibilitam os influxos e contextos para a produção da música independente na Bahia. Em 2020, essa cena foi completamente paralisada por conta da pandemia do novo coronavírus. Os impactos na cena independente são incalculáveis57.

Creio que esse cenário pode ser abordado pelas cenas do rock and roll, da nova música baiana (os hibridismos), a música instrumental (incluindo o fenômeno Rumpilezz, o Jazz, o Blues e o Choro), o Hip Hop, a música eletrônica “dançante” e a música ligada a outras mídias (para cena, cinema e games).

A cena independente tem uma forte conexão com o rock and roll da Bahia, cujos antecedentes nos remetem a Raul Seixas, Camisa de Vênus, Novos Baianos e a cena underground da década de 1990 – Maria Bacana, Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta, Dr. Cascadura (posteriormente Cascadura), Inkoma (da qual surgiu Pitty), Úteros em Fúria, Dead Billies (posteriormente Retrofoguetes), Lisergia, Banda Crack, entre muitos outros. É importante ressaltar o papel que exercem os portais que indexam conteúdos e produzem materiais, textos, divulgações e mobilizam a cena, como el Cabong (organizado por Luciano Matos – http://www.elcabong.com.br/), o Rock Loco (de Chico Castro Jr. – http://rockloco.blogspot.com/) e o Bahia Rock (Lucas Rocha como editor chefe – https://www.bahiarock.com.br).

[https://youtu.be/UwY0nbgr7ao]

Na cena atual, dentre os inúmeros projetos, podemos destacar as bandas Vivendo do Ócio, Cascadura (que encerrou os trabalhos em 2015 após 23 anos), Scambo, Alex Pochat e os 5 elementos, Dois em Um, Tropical Selvagem (João Meirelles e Ronei Jorge), Overdose Alcoólica, Os Nelsons, Professor Doidão & Os Aloprados, Aurata, Agréstia, Dona Iracema, Velotroz (e Giovani Cidreira), Tabuleiro Musiquim, Laia Gaiatta, Banda de Boca, Duo B.A.V.I., etc. É importante mencionar também a cena de metal da Bahia, com bandas como Behavior, Drearylands, Inner Call e Beyond the Evollution, entre muitas outras.

[https://www.youtube.com/watch?v=j2kEqcSFWtA]

Uma nova música baiana, com diversas hibridações entre o rock, os gêneros baianos e a MPB, relacionada à cena independente, ganha cada vez mais visibilidade no cenário da Bahia e brasileiro58. Além do já citado fenômeno Baiana System, é podemos mencionar Maglore, Maragy Lord, Pedro Pondé, Luisão Pereira, Thiago Kalú, Márcio Mello, Virgínia Rodrigues, Tigana Santana, Dão, Márcia Castro, Alexandre Leão, Peu Meurray, Luedji Luna, Xênia França, Larissa Luz (essas três últimas formando o projeto Aya Bass), Lia Lordelo, Livia Nery, Manuela Rodrigues, Cláudia Cunha, Ana Paula Albuquerque, Sandra Simões, Maira Lins, Aiace, Jadsa Castro, Josyara, Jussara Silveira, Simone Motta, Rebeca Matta, entre muitos outros.

[https://www.youtube.com/watch?v=4FBd0bJ7kZ8]

Cumpre salientar, no contexto das hibridações, o fenômeno Rumpilezz, uma das forças motrizes da música na Bahia nos últimos anos, combinando as sonoridades percussivas oriundas do universo afro-baiano do Candomblé e sua complexidade rítmica com a sofisticação das improvisações dos seus grandes músicos, com composições, arranjos e regência de Letieres Leite. Após ter atuado na Banda do Bem, desde o começo da carreira solo de Ivete Sangalo, o maestro passou a se dedicar à Orkestra Rumpilezz, grupo que conta com a participação de um seleto grupo de músicos e é celebrado como um dos mais importantes acontecimentos musicais recentes na Bahia. Os trabalhos de Juan Diaz Meneses (2015) e Rafael Martini (2017) estudaram, respectivamente, na University of British Columbia, Canadá e Universidade Federal de Minas Gerais, na primeira tomando o grupo como laboratório de aplicação de um modelo para a relação entre música e políticas da identidade negra a partir de sete conceitos ligados à música africana; o segundo, por sua vez, investiga o papel dos arranjadores e analisa duas obras de Letieres Leite: Canto de Nanã e Noite de Temporal.

Cumpre destacar também os projetos Rumpilezzinho e Rumpilezz de Saia, que, respectivamente, oferecem uma formação musical para jovens em vulnerabilidade social que podem também se profissionalizar, ao atuar como uma espécie de banda de apoio ao Rumpilezz e o projeto que visa fomentar a participação das mulheres na música instrumental. Letieres também tem atuado na já citada Escola de Música do Centro de Formação em Artes da FUNCEB, que tem também desempenhado um importante papel na formação de músicos.

[https://youtu.be/4Ty4ZCkVWWw]

A Rumpilezz está vinculada também a um contexto mais amplo da música instrumental e do Jazz. Flávio Queiroz (2010) realizou uma historiografia da música instrumental no Brasil e uma instigante incursão sobre a cena na Bahia, com uma abordagem esclarecedora.

 Com o papel precursor do Grupo Garagem e o protagonismo da Jam no MAM (dirigido por Ivan Huol – http://www.jamnomam.com.br/) e a Banda Geleia Solar, a cena de Jazz na Bahia é viva, com eventos de grande porte como o Festival de Festival de Jazz do Capão, o Festival de Música Instrumental, o Festival de Jazz de Trancoso, Festival Salvador Jazz, Solar Music Festival e os projetos Quartas do Jazz da Casa da Mãe e Jazz na Avenida, entre diversos outros.

Nesse contexto, músicos como Rowney Scott, Joatan Nascimento, Pedro Dias, participaram ativamente da criação do Curso de Música Popular da UFBA, que não se restringe à música instrumental ou ao Jazz, mas possibilitou um grande impacto na cena local. Esses personagens já eram docentes na Escola de Música da UFBA, e a eles se juntaram docentes como Ana Paula Albuquerque, Iurá Nogueira, Ivan Bastos, Alex Mesquita, Alexandre Ávila, Alfredo Moura e Iuri Passos.

[https://www.youtube.com/watch?v=UndYiamXwL0]

Dentre os diversos músicos e grupos, poderíamos destacar o guitarrista Márcio Pereira, com seus diversos projetos como o Saravá Jazz Bahia, o Guitarbone (com Bruno Nery), os grupos Pirombeira e Bagum59 e suas hibridações, bem como os músicos Ivan Sacerdote, Estevam Dantas, Luã Almeida, Mário Soares, que são alguns dos nomes entre os diversos instrumentistas/arranjadores/compositores que tem atuado na cena do Jazz e do improviso, com instrumentos como, respectivamente, clarinete, piano e violino.

Relacionado a esse contexto, podemos destacar na cena do Blues o projeto Encontro de Blueseiros e o Festival Cachoeira Agosto Blues, entre outros, o lendário guitarrista Álvaro Asmar (que nos deixou recentemente), seu filho, Eric Asmar, bem como diversos grupos, como as bandas Água Suja e a RestGate Blues.

É preciso também ressaltar a prática do choro na Bahia, com antecedentes no saudoso Mestre Cacau do Pandeiro. Destacam-se projetos como o Segundas do Choro, a Roda de Choro da Casa da Mãe, o Clube do Choro de Salvador, entre muitos outros. Esse contexto foi analisado pelo trabalho de Elisa Goritzki (2008) – ela própria exímia flautista de choro – através de diversos chorões famosos. Podemos destacar nesse contexto o grupo Janela Brasileira, o Grupo Mandaia, Os Ingênuos e o S. Edson Sete Cordas (que nos deixou recentemente), dentre muitos outros.

[https://www.youtube.com/watch?v=puEFBVuCdg8]

O processo de “reafricanização” apontado por Risério (1981) no contexto do surgimento dos blocos afro, teve articulação com o movimento negro americano dos anos 1970. Esse processo seguiu em curso nos contextos periféricos de Salvador e da Bahia e, hoje, é preciso salientar o impacto da cultura Hip Hop na cena musical, numa perspectiva contra-hegemônica, valendo-se das novas mídias e plataformas de compartilhamento. Espaços como o Sarau da Onça, o 3º Round – GoldenZilla e os Slams60 nos bairros tem acolhido diversos eventos. Mas é preciso destacar o programa Evolução Hip-Hop, da Educadora FM, comandado pelo Dj Branco tem uma trajetória importante na divulgação e na cena Hip Hop e liderou, ao lado de diversos outros importantes personagens, a construção da Casa do Hip-Hop Bahia, que tem realizado diversas ações (como por exemplo a Mostra Hip-Hop Consciência – Dia Mundial do Hip-Hop).

[https://www.youtube.com/watch?v=7r_8C2kpPbg]

O documentário SALCITY - Rap de Salvador 071 oferece uma incursão interessante para entender o Hip Hop da cidade. Na cena atual da Bahia, podemos mencionar nomes como a Roça Sound, Elvis Kazpa (Selo Canal Dado), Vandal de Verdade, Opanijé, DoisAs, Contenção 33, ÁureaSemiséria, Cintia Savoli, Janaina Noblah, Galf (Ugangue), Diego 157, Mobbiu (ex-Versu2), Dimak, Dj Leandro Vitrola, Simples Rap’Ortagem, Baco Exu do Blues, Negro Davi, O Quadro, Nouve, Mr. Armeng, VisiOOnárias, NPSN – Não Pode Ser Nada e Zuhri, dentre outros. Nomes da nova geração que podemos destacar são O Poeta, Underismo, Vírus, Udi Santos, Cronista do Morro, Rap Nova Era, TrapFunk&Alivio e Makonnen Tafari. Licia Barbosa (2013) e Rebeca Freire (2018) propuseram interessantes abordagens sobre o protagonismo feminino na cena Hip Hop.

[https://youtu.be/8rnlKv9boQk]

Também relacionada ao Hip Hop e, sobretudo, aos DJ’s, a cena da música eletrônica “dançante” na Bahia é diversa e multifacetada, com antecedentes que nos remetem à década de 1990, com o DJ Lucio K. e a formação dos coletivos Soononmoon (de 1997) e Pragatecno (criado em 1998 em Maceio, chegando à Bahia em 2000)61. Paisagem Sonora: Mostra Internacional de Arte Eletrônica do Recôncavo da Bahia, Terra em Transe Festival, Universo Paralello, Aurora, Sundance Festival e Zona Mundi (ZM) - Circuito Eletrônico de Som e Imagem são alguns dos diversos festivais que demonstram a vivacidade da música eletrônica independente62.

O coletivo Soononmoon é pioneiro na organização de raves na Bahia e é responsável pela rave Aurora, que ocorre em espaços fora dos centros urbanos e atrai grandes públicos, em eventos de longa duração (a edição 2020 teve mais de 20h de duração).

[https://youtu.be/k5FBAsgQAl4]

Já o Pragatecno tem realizado diversas ações e eventos, com destaque para o seminário Música Eletrônica: de Onde Viemos, para Onde Vamos?, em Salvador, com duas edições em 2015 e 2017. Como um dos desdobramentos da primeira edição, o livro PRAGATECNO uma outra cena da mesma, organizado por Adriana Prates e Cláudio Manoel Duarte (DJ Angelis Sanctus), apresenta ensaios, fotos e informações sobre livros, vídeos, filmes, e links que permitem compreender multiplicidade da cena eletrônica da cidade de Salvador (SACRAMENTO; SOUZA, 2015). O netvídeo de mesmo nome, dirigido por Cláudio Manoel Duarte, traz depoimentos de 25 djs e produtores, tratando de diversos temas sobre a cena eletrônica, discutindo a própria função dos coletivos e a pesquisa musical envolvida nas suas práticas. Já o minidoc PitchGirls Pragatecno aborda a 2ª edição do seminário e discute o papel das mulheres na cena eletrônica, problematizando as assimetrias de gênero nesse contexto – discussão urgente que, infelizmente, tem contexto em quase todos os gêneros musicais discutidos nesse verbete.

[https://youtu.be/DWhIPE5YJXw]

São diversos os personagens atuantes na cena, como Adriana Prates, Moara, Neila Kadhí, Ana Julieta, tara_code (Andréa May e Gilberto Monte), Coletivo Invisível, Livia Nery, Lucio K., Mauro Telefunksoul, Roger N Roll, Angelis Sanctus, João Meirelles, Ian Fráguas (Back in Bahia), entre muitos outros.

Finalmente, é importante salientar a música em relação a outras mídias, como a música de cena, com destaque para Luciano Salvador Bahia e Jarbas Bittencourt; a música para cinema, com a grande visibilidade recebida pela indicação ao Oscar ao filme Democracia em Vertigem, com colaboração do compositor baiano Gilberto Monte; e finalmente, a música para games e jogos digitais, salientando o compositor Tharcísio Vaz e seu Estúdio Vaz.

 

AS MÚSICAS CONTEMPORÂNEAS/EXPERIMENTAIS E OS GRUPOS/INSTITUIÇÕES MUSICAIS

Em março de 2020, o professor Jamary Oliveira nos deixou aos 76 anos. Grande compositor, pesquisador renomado, foi responsável pela formação de algumas gerações de músicos na Bahia, tendo atuado decisivamente no contexto das músicas contemporâneas/experimentais e dos grupos/instituições musicais. Por ocasião dos seus 70 anos, o projeto Marcos Históricos da Composição Musical na Bahia63 publicou um Catálogo Web da sua extensa obra64. Jamary foi um dos fundadores do Grupo de Compositores da Bahia, um dos principais antecedentes para que possamos entender o Movimento de Composição na Bahia.

[https://youtu.be/Th4fXISclrk]

O Grupo de Compositores da Bahia foi o estopim de um intenso movimento de composição musical na Bahia, que teve início em 1966 com sua inusitada declaração de princípios: “principalmente estamos contra todo e qualquer princípio declarado”. Ilza Nogueira (1999, 2010, 2013) e Paulo Costa Lima (1999, 2012a, 2014, 2016a, 2016b, 2016c, 2019), também compositores e ex-alunos de Widmer, tem abordado há décadas o GCB e a influência pedagógica do compositor Ernst Widmer, que teve papel decisivo pela sua atuação no ensino de composição no então Seminários de Música da UFBA, a partir 1963. Inicialmente, o grupo foi composto por Ernst Widmer, Carmem Mettig Rocha, Antônio José Santana Martins (Tom Zé), Lindembergue Cardoso, Nikolau Kokron, Milton Gomes, Fernando Cerqueira, Jamary Oliveira, Carlos Rodrigues de Carvalho e Rinaldo Rossi, muitos deles alunos de Widmer. Já em 1967, Walter Smetak se junta ao grupo (LIMA, 1999) e, posteriormente, Agnaldo Ribeiro, Jucemar Alcântara, Alda Oliveira65 (NOGUEIRA, 2010), Paulo Costa Lima e Wellington Gomes (NOGUEIRA, 2012), em um processo que se seguir nas décadas seguintes com outros personagens. Atualmente, lecionam no curso de composição da Escola de Música da UFBA os compositores Paulo Costa Lima (já aposentado, tem atuado apenas nas pós-graduação), Wellington Gomes, Pedro Kroger, Marcos Sampaio, Alexandre Espinheira e Guilherme Bertissolo.

[https://www.youtube.com/channel/UCi4qmKonGBdOm6WMdKdSkdQ/]

Desde então, o Movimento de Composição na Bahia segue seu curso, tendo a Escola de Música da UFBA como laboratório e ambiente de criação, com a formação de dezenas de criadores que se espalharam pelas diversas facetas da música na Bahia. O canal Compositores da Bahia permite uma visão panorâmica dessa produção, com obras representativas de todos os períodos do Movimento. Músicos, ensembles e orquestras brasileiras e internacionais tem apresentado sistematicamente a obra dos/as compositores/as da Bahia, que tem desempenhado papel de destaque em âmbito local, nacional e internacional (com importantes encomendas e premiações), levando à Bahia aos cinco continentes através da música aqui produzida, que possui forte conexão com as matrizes que compõem a cultura baiana.

Nesse sentido, faz-se necessário destacar a criação do Grupo de Pesquisa Composição e Cultura, em 2001 (à época Composição e Identidade Cultural), liderado pelo compositor e pesquisador Paulo Costa Lima. Em Teoria e Prática do Compor IV (2016c) são oferecidos três horizontes metodológicos, exemplos marcantes da pesquisa do grupo na última década (com os trabalhos de Paulo Rios Filho, Pedro Amorim e o meu, comentadas pelo próprio Paulo). A produção do grupo, porém, remonta ao início dos anos 2000, plasmando articulações entre a multiplicidade do trabalho cultural do compor em perspectiva, tecendo sínteses da pesquisa que relaciona contexto culturais (capoeira, candomblé, o falatório concertante da Feira de São Joaquim, os hibridismos, etc.) com o desenvolvimento de estratégias para teorias e práticas do compor que desvelam novas epistemologias, baseadas na complexa teia de relações implicadas em cada uma dessas manifestações. Em um texto recente, Paulo Lima (2019) formula a questão do trabalho cultural do compor, sua articulação com conceito de distância ressignificadora, uma formulação que nos permite entender mais profundamente os aspectos da construção do imaginário. Nesse texto, são abordadas obras de Ernst Widmer, Lindembergue Cardoso, Paulo Lima e Guilherme Bertissolo. A dissertação de Alexandre Espinheira (2008) também aborda essa articulação, relacionando-se com as diversas facetas da música baiana exploradas na primeira seção desse texto, na sua instigante Suíte Sinfônica de gêneros baianos.

Em relação à articulação entre o Movimento de Composição da Bahia e as diversas facetas da música brasileira, Paulo Costa Lima (2005)66 e Ilza Nogueira (2013) argumentam a forte relação entre a Tropicália e o ambiente da vanguarda na Bahia nas décadas de 1950 e 1960: “há laços inegáveis entre a Tropicália e o ambiente de vanguarda artística da Bahia pós-Edgard Santos. Afinal de contas, de onde veio Tomzé?” (LIMA, 2005, p. 56). Paulo nos alerta que esse é apenas um dos elos, formulando uma profunda relação estrutural entre esses polos. Ilza Nogueira, no mesmo sentido, argumenta na imbricação no campo de um ideário, como “representação do encontro e desencontro das matrizes culturais presentes na complexa teia social baiana” (NOGUEIRA, 2013, p. 175). Para citar alguns poucos exemplos dessas confluências, Djalma Correa, do já citado Baiafro, foi aluno de Widmer (LIMA, 1999, p. 36); Caetano e Gil tiveram forte influência de Smetak; Tuzé de Abreu, também aluno de Widmer, atuou com protagonismo com diversos importantes nomes da música da Bahia, incluindo entre muitos outros Caetano, Gil, João Gilberto; Marco Antônio Guimarães, fundador e líder o UAKTI também foi aluno de Widmer e Smetak, entre muitos outros casos.

Podemos elencar algumas inflexões importantes que permitem entender a cena da composição contemporânea na Bahia, a partir dos antecedentes tão bem delineados por Ilza Nogueira e Paulo Costa Lima67.

A primeira inflexão é a criação do Programa de Pós-Graduação em Música da UFBA (PPGMUS/UFBA) há exatos 30 anos68, a terceira do país e primeira da região Nordeste, possibilitada pela retomada dos Seminários Internacionais no final da década de 1980. A importância dessa transformação foi acentuada principalmente a partir de 1997, com a criação dos cursos de doutorado (um dos primeiros do país), transformando decisivamente os rumos da pesquisa em música na Bahia. A multiplicidade de pesquisadores e artistas que circularam pela Bahia, muitos aqui permanecendo ou desempenhando papéis de destaque na pesquisa musical em outros estados do país, permitiu também o aprofundamento dos debates e das pesquisas em torno dos variados aspectos da música na Bahia, no contexto da composição, da performance, da educação musical, da etnomusicologia e da musicologia (muitos desses trabalhos foram citados aqui).

Após um período de arrefecimento no Movimento de Composição da Bahia, apontado Ilza Nogueira e Paulo Lima, ao referirem-se aos anos 1990 e à perda de Lindembergue Cardoso (em 1989) e Ernst Widmer (em 1990), além da aposentadoria dos professores de Fernando Cerqueira e Jamary Oliveira (LIMA, 2014, p. 12), a segunda inflexão, certamente efeito da primeira, como aponta Paulo Lima, é uma espécie de ressurgimento da pujança pela conclusão de trabalhos representativos no contexto da pesquisa69, mas também em movimentos coletivos que se multiplicaram, seguindo o modelo do GCB. Pela liderança do próprio Paulo, entre 2003 e 2006 é criada a OCA (Oficina de Composição Agora)70, oficializada em 2006 como uma associação civil que produz, registra e divulga arte e música contemporâneas, que Paulo qualifica como “um movimento dentro do movimento”. Inicialmente estavam envolvidos compositores como Paulo Lima, Paulo Rios Filho, Alex Pochat, Joélio Santos, Túlio Augusto e Rodrigo Fróes. Posteriormente, gradualmente a partir de 2009, passaram a incluir o grupo Alexandre Espinheira, Guilherme Bertissolo, Alisson Silva, Danniel Ribeiro, Vinicius Amaro e Lia Sfoggia, sendo esta última a única que não é de música (coreógrafa, artista de dança e vídeo).

Esse processo nos leva à terceira inflexão, que, a partir da consolidação da área de pesquisa, com a criação de uma plataforma institucional colaborativa (OCA) e da política de editais, fez florescer o projeto Música de Agora na Bahia, a partir de 2010. Inicialmente, o projeto teve o financiamento da SECULT/BA, através do programa de Demanda Espontânea (em 2012) e, posteriormente, através do Programa Petrobras Cultural, Redes de Música. O MAB realizou quase uma centena de encomendas de novas obras a compositores de todas as gerações do Movimento de Composição da Bahia, bem como de convidados nacionais e internacionais. Realizou mais de uma centena de concertos com grupos locais, nacionais e internacionais, mais de 40 recitais-relâmpagos em escolas da rede pública de ensino, dezenas de Projeções Sonoras de Música Eletroacústica, além de seis seminários de criação contemporânea. Ressalto também o Prêmio de Música Contemporânea da Bahia, realizado em 2015 com financiamento do Edital Setorial de Música, com grande impacto de mídia e público, que comemorou os 30 anos do Axé Music com obras contemporâneas instigantes71.

[https://youtu.be/UHH3GkgWY1U]

Diversos grupos musicais têm desempenhado papel de destaque, tanto na música contemporânea quanto na música de câmara e orquestral. O Madrigal e a Orquestra Sinfônica da UFBA (OSUFBA, a primeira da Bahia) foram fundados com os Seminários de Música, em 1954 e tem realizado temporadas regulares desde então, com repertório diversificado de vários períodos históricos e de diversas tendências estéticas. Hoje, a OSUFBA é regida pelo maestro José Maurício Brandão e o Madrigal, pelo maestro Rafael Garbuio.

[https://youtu.be/Lz-EcmEkJsU]

Ainda sobre a música vocal na Bahia, a prática da música coral conta com numerosas iniciativas amadoras e profissionais, dentre as quais destacam-se aquelas ligadas às universidades, além do Madrigal (Coral Universitário e o Coral do COM-Hupes da UFBA, Canto Coral UFRB, Coral UFSB, Canto Coral UFOB, Coral Cantares UNEB, Coral da UEFS, Coral UESB, Coral da UESC, Coral UCSAL, entre outros), escolas de música (como os Núcleos de Canto Coral do NEOJIBÁ), e grupos como o Coral Ecumêmico da Bahia (regido pelo maestro Ângelo Rafael). Ressalto ainda a remontagem recente da primeira ópera da Bahia, Lídia de Oxum, de Lindembergue Cardoso e Ildásio Tavares e o Núcleo de Ópera da Bahia, com a estreia recente da sua impactante Ópera dos Terreiros, de Aldo Brizzi e Jorge Portugal (que nos deixou recentemente de forma precoce).

[https://youtu.be/9Wce_XsUJl4]

Na primeira seção deste texto, abordamos a importância dos tambores e da percussão para o contexto da música na Bahia. Nesse sentido, pelo viés da música contemporânea, o trabalho do Grupo de Percussão da UFBA tem sido notório ao longo das últimas duas décadas, sob a coordenação do já citado professor Jorge Sacramento. Além dos seus três CD’s já lançados, Ziriguidum, Pagodão Suingueira Dub e Ouça Sfot Poc, o grupo também organiza o Festival de Percussão 2 de Julho, que já teve dez edições com participantes que são protagonistas da cena local, nacional e internacional.

[https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_kyFHK9AmmWHWp0AB17q-5-sWz56-XjRwc]

O Duo Robatto (dos irmão Lucas e Pedro Robatto) tem tido uma extensa produção de estreias de obras e concertos, tendo vencido o Prêmio Braskem Cultura e Arte de 2002, o que possibilitou a gravação do seu primeiro CD. O Grupo de Intérpretes Musicais da Bahia (GIMBA), que conta, além dos irmão Robatto, com Heinz Schwebel, Suzana Kato e Alexandre Casado, lançou em 2013 o seu Álbum Fuxico, tendo realizado concertos na Bahia e em diversas cidades brasileiras (como na turnê patrocinada pela FUNARTE em 2010) e no exterior. O Quinteto de Metais, formado por Heinz Schwebel, Joatan Nascimento, Lelio Alves, Celso Benedito e Renato Costa Pinto, dentre suas diversas ações, recentemente fez uma extensa turnê no projeto SESC Sonora Brasil e lançou o CD Suítes Brasileiras para Quinteto de Metais. O Grupo Metamorfosis, composto por Beatriz Alessio, Suzana Kato e Laura Jordão (que conta também com uma formação de quarteto com músicos convidados), realizou em 2019 uma turnê pela Europa. A Orquestra de Violões da UFBA, lançou recentemente seu primeiro CD e tem realizado concertos e atividades didáticas ligadas à produção contemporânea do violão. Destaco também o violonista Mário Ulloa, não apenas pela sua destacada trajetória de solista, mas pelo seu papel na formação de gerações de músicos, que se destacam no cenário musical do Brasil e internacional, com mais de 60 prêmios. Estas são algumas das iniciativas, cuja excelência artística colocam a Bahia no mapa da produção musical em nível brasileiro e internacional.

[https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_k_eRW3AZRdh6G8y_b8PIsKK-HVFElm9Nw]

Ainda em relação aos grupos, destaco o papel preponderante que exerce a Orquestra Sinfônica da Bahia, uma das mais importantes do Nordeste e do país. A partir de 2011, o maestro Carlos Prazeres assumiu o posto de curador artístico e regente titular da OSBA, que nos últimos anos tem experimentado um grande crescimento, seja na sua excelência artística (certamente renovada pela contratação recente de novos músicos) quanto pelo interesse de público, que tem nos últimos anos lotado os teatros e outros locais por onde a orquestra tem se apresentado. A OSBA possui atualmente os projetos Sarau OSBANOMAM, que une música e poesia no Museu de Arte Moderna da Bahia; o BAILECONCERTO, proposta que leva a Orquestra a vivenciar a tradição dos antigos carnavais; o SELFCONCERTO, que dá destaque a composições de membros e colaboradores da OSBA; e o CINECONCERTO, que tem tido um sucesso extraordinário de público, com performances de peças oriundas de trilhas sonoras de clássicos do cinema, com os músicos vestidos de personagens de diferentes filmes.

Outros projetos de grupos musicais permanentes também se destacam, as orquestras Afro/Contemporâneas, como as já citadas Rumpilezz e Sanbone Pagode Orquestra, bem como a Orquestra Afro-Sinfônica (da cantora Nara Couto) e a Orquestra de Câmara de Salvador. Tem tido destaque também as orquestras e projetos do NEOJIBÁ (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), criado em 2007 por Ricardo Castro, inspirado pelo modelo do El Sistema, que tem recebido um aporte substancial de recursos do Governo da Bahia, através da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Governo do Estado da Bahia. O projeto Axé pode ser apontado como um antecedente desse movimento. Segundo o site oficial do NEOJIBÁ, o projeto conta com treze núcleos, sendo o Núcleo Central NEOJIBA, localizado em Salvador, mais três Núcleos Territoriais NEOJIBA em Feira de Santana, Teixeira de Freitas e Vitória da Conquista, bem como outros nove Núcleos de Prática Musical sediados em diferentes bairros da capital e em Simões Filho e Jequié, atendendo atualmente 1950 integrantes diretos em seus Núcleos, e 4.500 indiretos em ações de apoio a iniciativas musicais parceiras.

Também relacionadas aos grupos musicais formalizados, é preciso destacar a intensa rede de formação e produção musical ligada às filarmônicas da Bahia. Atualmente, são ao todo 187 filarmônicas distribuídas em 170 municípios da Bahia, com mais de 8000 músicos, demonstrando uma capilaridade impressionante. Celso Benedito (2011) estudou o papel dos mestres de filarmônica, argumentando quanto à importância do seu papel como educadores musicais, oferecendo uma interessante incursão sobre o contexto.

Atualmente, a Federação de Bandas Filarmônicas da Bahia (FEBAF) tem desempenhado um papel importante de articulação política e de busca por recursos que são tão escassos para essas práticas musicais. Entre outras ações, a FEBAF tem realizado os Fóruns para Bandas Filarmônicas, que possibilitam debates e momentos de articulação em torno do contexto das filarmônicas. Destaco ainda o papel do pesquisador Fred Dantas, com seus trabalhos em nível de mestrado e doutorado, além das diversas ações didáticas e de promoção desse universo musical, inclusive com a sua Oficina de Frevos e Dobrados. Taiane Fernandes da Silva (2019) analisou recentemente as políticas públicas, políticas culturais e a participação social (discutindo o próprio impacto da FEBAF), comparando as Sociedades Filarmônicas na Bahia/Brasil e das Sociedades Musicais em Valencia/Espanha72.

Voltando aos antecedentes do Movimento de Composição da Bahia, gostaria de voltar à figura de Walter Smetak73 e seu legado na música experimental. Sua oficina de experimentação sonora, no final da década de 1960, foi frequentada por importantes músicos/compositores da Bahia, como Gilberto Gil, Rogério Duarte, Tom Zé, Gereba, Tuzé de Abreu, Djalma Correia e Marco Antônio Guimarães (fundador do grupo Uakti). Seu disco Smetak, de 1974, foi produzido por Roberto Santana e Caetano Veloso, e editado por este em colaboração com Gilberto Gil. Participaram, além do próprio Smetak, Gereba, Tuzé de Abreu, Djalma Corrêa, Caetano Veloso, entre vários outros. Já Interregno, de 1980, foi gravado com o Conjunto Microtons, com produção de Carlos Pitta.

[https://vimeo.com/240569772]

O trabalho de Smetak foi pioneiro no contexto da construção de instrumentos musicais e nos processos de improvisação, no contexto da imprevisibilidade e da “caossoância”. Réplicas dos seus instrumentos, suas plásticas sonoras, estão expostos no Solar do Ferrão, no Pelourinho. Além do celebrado UAKTI, de Marco Antônio Guimarães, ele próprio ex-aluno de Smetak, alguns projetos recentes têm se destacado nesse contexto, como os instrumentos criados pelo jovem compositor e luthier Filipe Palma Abreu e sua exposição Arquitetura do Som74, o projeto InstruMentes75, as plásticas sonoras de Marcos Scarassatti, entre outros.

Em 2017, em uma iniciativa coletiva entre o DAAD, o Ensemble Modern e o Goethe Institut, com papel de protagonismo da musicóloga Julia Gerlach e do compositor Arthur Kampela,  o projeto Reinventando SMETAK homenageou o músico suíço brasileiro, com encomendas a quatro compositores, além do próprio Kampela, o baiano Paulo Rios Filho, além de Daniel Moreira e Liza Lim. Com as brilhantes performances do ensemble alemão, esse projeto foi apresentado em 4 capitais brasileiras e na Europa76.

O documentário Smetak, de 2018, dirigido por Simone Dourado, Mateus Dantas, Nicolas Hallet aborda a obra de Walter Smetak e os caminhos abertos por sua arte e sua filosofia, contando com depoimentos de importantes personalidades da música na Bahia77.

Smetak exerceu grande influência não apenas no Movimento Tropicalista, mas em diversos artistas nas décadas seguintes. Tuzé de Abreu é o único músico que participou da gravação dos seus dois discos e é um dos importantes músicos que tiveram forte influência de Smetak, tendo integrado o Grupo de Mendigos e o Conjunto Microtons78. Recentemente, conclui uma pesquisa de mestrado sobre os processos composicionais de Smetak (ABREU, 2012). Em um texto mais recente, Tuzé apresenta os instrumentos com fotos de alta definição e discute brevemente o contexto de criação envolvido na construção das plásticas sonoras (ABREU, 2013). O trabalho de Marcos Scarassatti (2009) também tem se destacado nas pesquisas sobre Smetak e suas práticas têm sido fortemente influenciadas por ela.

O trabalho de Tuzé é crucial para entender a Bahia contemporânea. Seu projeto Novas Aventuras no País do Som venceu o Prêmio Caymmi como melhor show de 2014, tendo a direção musical de Mateus Dantas e contando com a participação, além de Tuzé e Mateus, de Greice Carvalho, André Rangel, Edbrass Brasil, Heitor Dantas, Orlando Pinho e Antenor Cardoso. Alguns desses artistas figuram entre os mais importantes atualmente no contexto da música experimental da Bahia.

[https://selonetlabel.bandcamp.com/album/contraduzindo]

Em 2019, Tuzé lançou o álbum Contraduzindo79, que segundo Caetano Veloso:

Agora, aos 70, lança um disco da maturidade que é uma das coisas mais significativas da nossa cena musical, por revelar um grande artista, inventivo e muito pessoal, e exibir as entranhas da modernização cultural do Brasil pelo fenômeno que foi a experiência vanguardista da Salvador em que crescemos: a das escolas de arte (música, dança, teatro) estimuladas pelo reitor Edgard Santos (VELOSO, 2019, p. 1).

Mais uma vez, é possível notar a menção ao ambiente da vanguarda na Bahia, confluência entre diversos contextos culturais que possibilitou sínteses na cena da música contemporânea na Bahia. Artistas da nova geração que tem atuado com Tuzé, como Mateus Dantas, Heitor Dantas e a banda Laia Gaiatta, Edbrass Brasil, Orlando Pinho estão entre os nomes de destaque na cena da música experimental da Bahia.

Muitos destes personagens estão envolvidos no projeto Dominicaos, um importante acontecimento na cena experimental de Salvador. O projeto Menasnota (https://menasnota.com/), o Coletivo Low Fi (Edbrass Brasil) e o selo Sê-Lo, assim como o Ciclo de Música Contemporânea, são iniciativas que demonstram a efervescência da cena e o engajamento de uma coletivo de artistas de diversas gerações convergindo esforços na constituição de atividades musicais contra-hegemônicas. É preciso destacar também a atuação do coletivo Novos Cachoeiranos no contexto da cena experimental do Recôncavo Baiano.

Entre 25 e 27 de outubro de 2018, em Salvador, ocorreu o ESME I Encontro de Selos de Música Experimental. O projeto reuniu selos e coletivos de música experimental, músicos, compositores, programadores, pesquisadores e curiosos. O evento contou com o apoio do Fundo de Cultura da SECULT/BA e foi organizado pelo ESMERIL sob a coordenação de Cristiano Figueiró. O evento possibilitou a criação da Rede ESMERIL e a publicação do livro Desobediência Sonora (FIGUEIRÓ, 2019), com a colaboração dos artistas/pesquisadores Cristiano Figueiró, Lílian Campesato, Fernando Iazzetta, Isabel Nogueira, Luciano Zanatta, Luciano Matos, Paola Barreto Leblanc, Guilherme Soares e Bruno Faria Rohde.

 

 À GUISA DE ENCERRAMENTO

Ao final dessa intensa incursão pelas músicas da Bahia, creio que podemos vislumbrar a complexidade da teia de relações implicadas na sua produção, que se mostra múltipla, multifacetada e plural. Creio que o que pode depreender desse mergulho analítico é que ainda precisamos avançar muito na busca pela redução das desigualdades, das assimetrias de poder. Embora seja notório o avanço nas políticas culturais, com o advento dos editais no começo do século, carecemos de uma política cultural para as artes, em e para a música, que permita de fato o desenvolvimento da cadeia da economia criativa, que fortaleça as iniciativas contra-hegemônicas, possibilitando a autonomia, a visão crítica às lógicas nefastas do capitalismo tardio e seus profundos desafios ao campo da cultura, ao mesmo tempo reforçando o caráter experimental e inventivo que sempre caracterizou a música da Bahia.

 

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NOTAS

  1. Esse texto contou com a colaboração intensa de Paulo Costa Lima, Alexandre Espinheira, Lia Sfoggia, Ráiden Coelho e Pedro Amorim, a quem desde registro meus agradecimentos.
  2. Trecho de uma fala de Riachão no documentário Samba Riachão, de Jorge Alfredo, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pD3Upot5H-I.
  3. Como nos provoca sua própria descrição, o Portal “busca fornecer visões contemporâneas, atualizadas periodicamente, do que se tornou a Bahia no século XXI”.
  4. Originalmente O Museu da Imagem e do Som do Abaeté, inaugurada em 03 de setembro de 1993. A partir de 2003, a Casa da Música passou a atuar como um espaço cultural e a receber atividades artísticas de diversas linguagens. O Espaço realiza exposições temporárias, saraus e bate-papos musicados, sempre com temas ligados à música e a preservação do complexo do Abaeté. Além destes eventos culturais, o Espaço oferece oficinas de canto e flauta doce gratuitas para a comunidade. Hoje, a Casa da Música é um Espaço Cultural gerido pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA) que tem como principais desafios fomentar a produção cultural da comunidade e contribuir para a democratização do acesso à cultura. Maiores informações em https://casadamusicabahia.wordpress.com/a-casa-da-musica/.
  5. Maiores informações em http://www.cultura.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=68.
  6. Maiores informações em http://www.culturafgm.salvador.ba.gov.br/. Cumpre salientar o recém inaugurado Quarteirão das Artes, cf. http://www.culturafgm.salvador.ba.gov.br/index.php/noticias/1186-prefeitura-inaugura-nova-sede-da-fgm-no-quarteirao-da-artes.
  7. “Foi na Bahia que nasceu o samba de roda (grande influência africana), o axé (mistura de vários ritmos salsa, merengue, rock), o baião, o trio elétrico, a guitarra baiana, a bossa nova (criada por João Gilberto), entre tantos outros. Margareth Menezes, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Raul Seixas, Gilberto Gil, Gal Costa, João Gilberto, Dorival Caymmi, Tom Zé, Xisto Bahia são alguns desses artistas”.
  8. “A rigor, não haveria música popular brasileira, tal como a conhecemos, sem o influxo dessa estética do ritmo, e a Bahia teve um papel importantíssimo, sendo o cenário de maturação dessas hibridações. Cabe aqui, certamente, mencionar o samba de roda, como contexto que exerceu o papel de um verdadeiro laboratório para o entrelaçamento dos ritmos com a língua portuguesa”.
  9. “Tão pouco quando falamos de cultura negra, portanto, estamos nos referindo apenas a gastronomia, vestuário, danças e música que se prestam ao entretenimento. Ao falarmos de cultura negra na Bahia, e em outros portos diaspóricos, estamos nos referindo a um repertório vasto de tradições, visões de mundo e recriações de rituais que foram possíveis em certas circunstâncias dado os limites de expressão das populações africanas e de seus descendentes”.
  10. “Por longo tempo o candomblé foi perseguido tenazmente pela polícia. A princípio estigmatizado e desprezado pela sociedade racista, ainda assim logrou impor-se. Atraiu a atenção de artistas e intelectuais, ganhou a adesão de muitos. Mães de santo famosas se tornaram símbolos da Bahia, sacerdotes do axé ganharam destaque no país e no exterior. Terreiros foram tombados como patrimônio nacional. O candomblé por fim passou a ser considerado uma religião e seu generoso contributo para a cultura baiana viu-se reconhecido”.
  11. Cumpre salientar a multiplicidade de outras manifestações, como a Puxada de Rede, o Maculelê, o Nego Fugido, as Marujadas, entre muitas outras. Vamos nos concentrar aqui nesse tripé Candomblé, Capoeira, Samba de Roda não apenas pela confluência apontada pelos autores, mas também por manifestar mais diretamente o influxo dos seus participantes como músicos nas diversas facetas produção de música na Bahia Contemporânea
  12. Estamos aqui abordando o Candomblé nas suas três principais nações (Ketu, Angola e Jeje) e suas denominações para o sacerdote músico.
  13. Márcio Vitor, por exemplo, teve sua formação musical ligada ao candomblé. Ari Lima, nesse sentido, assevera: “Carlinhos Brown dialoga com a tradição musical de antigos mestres que sempre cita e do Candomblé baiano, assumindo a posição, ora de um ‘guardião’ em busca de uma ‘verdade’ com a qual perdeu a conexão, ora de um ‘especialista’ interessado em se projetar para o espaço público da música” (LIMA, 2017, p. 215).
  14. Emília Biancardi é uma etnomusicóloga e pesquisadora de destaque no estudo da cultura popular brasileira. Para informações sobre seu acervo, cf. http://colecaoemiliabiancardi.blogspot.com/.
  15. Para maiores detalhes, acesse https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/29987.
  16. “Muitos estudiosos concordam que o primeiro bloco afro surgido em Salvador é o Ilê Aiyê, criado em 1974 no bairro da liberdade” (LOPES, 2015, p. 103).
  17. Além destes dois, é importante destacar outros blocos comandados por mulheres, como A Mulherada e Alvorada, entre muitos outros. Nesse sentido, em um depoimento recente, Viviam Caroline (Didá) afirma que “usamos o tambor para fazer a mulher despertar” (trata-se na verdade de uma série de depoimentos sobre o carnaval na Bahia). A mídia de Salvador tem também dado atenção a essa questão – para um exemplo, cf. http://g1.globo.com/bahia/carnaval/2014/noticia/2014/03/de-secretaria-filosofa-veja-mulheres-que-comandam-blocos-no-carnaval.html.
  18. Para maiores informações, sobre o Ouro Negro, cf. INFOCULTURA (2001). Sobre os resultados da edição 2020, cf. http://www.cultura.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=315
  19. Em 2020 foram centenas de blocos. Uma lista não exaustiva está disponível em https://www.blocosderua.com/salvador/carnaval-blocos-rua-salvador-ba.
  20. Por exemplo, em 2020, além do tradicional Fundunço, podemos mencionar o Microtrio Ivan Huol, a Garampiola, a Gira Ingonça, o Rixô Elétrico (Fred Menendez), o Boteco Elétrico (Maira Lins), o Tuk Sonoro (Sylvia Patricia), a Rural Elétrica, Los Quatro, Bike Axé, Coletivo di Tambor, Pelô Bossa Reggae, alguns deles apoiados pelo programa. Maiores informações em http://www.cultura.ba.gov.br/2020/02/17427/Nanotrios-e-microtrios-levam-diversidade-musical-ao-Carnaval-do-Pelo.html. É preciso também, em seu caráter híbrido, mencionar o Bailinho de Quinta.
  21. Em 2020, a programação contou com as bandas Covel (Camaçari-BA), Agrestia, Maw, Estado Positivo (Feira de Santana-BA), Aztlán, Horda, Guga Canibal e Os Nervosos, Madame Rivera, Maldita (Rio de Janeiro-RJ), Drearylands, The Cross, Ode Insone (João Pessoa-PB), Marília Gabriela (São Paulo-SP), The Renegades of Poisonville (Maceió-AL), Issos (Rio de Janeiro-RJ), Hexen Sabbat (Rio de Janeiro-RJ), Marcello Marcelino (Brasília-DF), Cruz da Donzela (Aracaju-SE), Dona Iracema (Vitória da Conquista-BA) e Electric Poison. Cf. http://carnavalsalvadorbahia.com.br/palco-do-rock.
  22. Para maiores informações cf. http://www.cultura.ba.gov.br/2019/03/16283/Largo-Tereza-Batista-se-torna-palco-do-hip-hop-no-Carnaval-do-Pelo.html.
  23. Como já ocorrera com Mestre Pastinha na década de 1970.
  24. Cabe aqui também lembrar a relação próxima das capoeiras com a puxada de rede, o maculelê e o samba de roda.
  25. Em um texto mais recente, Goli Guerreiro afirma: “Esta pesquisa identificou o samba-reggae como um produto híbrido que se apresenta através de uma estética mestiça, resultado de uma conexão de elementos que se desenvolvem no ‘mundo atlântico negro’ (Gilroy, 2001). Ele é produto dessa troca de informações, desse encontro de várias fontes culturais. O samba-reggae, o principal produto da estética afro-baiana está pautado tanto na tradição percussiva brasileira quanto nas referências internacionais que chegam através das mídias e dos contatos culturais que conectam o mundo atlântico. E é importante ressaltar que essas conexões se dão em várias dimensões” (GUERREIRO, 2009, p. 3).
  26. Luedy (2000), por exemplo, questiona a própria abordagem de Goli Guerreiro: “Apesar de todo o interesse despertado pela maneira como a autora aborda seu objeto de estudo, devo dizer, contudo, que existem dois problemas fundamentais em seu trabalho de pesquisa. O primeiro deles, é que falta à autora maior conhecimento em música para a discussão dos aspectos musicais que envolvem o samba-reggae. […] O segundo problema, que certamente decorre do primeiro, é a ausência de evidências musicais empíricas (em forma de exemplos, no corpo do texto) e de análises que pudessem consubstanciar os pontos de vista e hipóteses da autora” (LUEDY, 2000, p. 380). Entretanto, o autor assevera: “penso que o livro seja leitura obrigatória para quem pretenda compreender os desdobramentos ocorridos nos últimos quinze anos no cenário da música popular urbana em Salvador” (ibid., p. 381).
  27. Ari Lima (2017) apresenta uma interessante abordagem sobre o grupo: “Timbalada é resultado de um trabalho coletivo, embora tenha sido decisivo, em seu processo de formação, o trabalho individual do seu criador, o percussionista, cantor e compositor Carlinhos Brown. […] A meu ver, o sucesso da Timbalada foi uma progressão da experiência anterior do Ilê Aiyê e do Olodum. Neste sentido, a banda se insere em uma política de valorização de estéticas populares e afro-baianas” (ibid., p. 102-4).
  28. Maiores informações sobre a Pracatum, cf. http://www.pracatum.org.br/. As escolas ligadas a agremiações tem desempenhado um papel fundamental, como a Escola Olodum (https://olodum.com.br/escola/), a Didá Escola de Música (http://www.dida-salvador.com/), Escola Mãe Hilda/Banda Erê do Ilê Aiyê (http://www.ileaiyeoficial.com/acoes-sociais/escola-mae-hilda/), entre muitas outras.
  29. Esses dois últimos foram responsáveis pela Banda Vixe Mainha.
  30. Refiro-me aqui aos festivais relacionados às mídias hegemônicas, como o Festival de Verão, o Festival da Primavera e o Festival da Virada, por exemplo, que cumprem um papel diferente dos festivais independentes que serão analisados na próxima categoria.
  31. E seus projetos mais recentes, o Alavontê (com Durval Lellyys JonggaCunha, Magary Lord, Adelmo Casé e Manno Góes) – e, após desentendimento com este último – o Mudei de Nome (com Magary Lord, Jonga Cunha, Ramon Cruz e Andrezão Simões).
  32. O texto, intitulado Cenas de Carnaval: Luiz Caldas, no Correio, foi assinado pelo jornalista Ivan Dias Marques e está disponível em https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/cenas-de-carnaval-luiz-caldas/.
  33. Salvador só criou música para o Carnaval, critica Lazzo, no A Tarde, foi assinado por Raphael Santana e está disponível em https://atarde.uol.com.br/cultura/musica/noticias/2118862-salvador-so-criou-musica-para-o-carnaval-critica-lazzo.
  34. Carlinhos Brown: “A gente não vai se perder nos 35 anos do axé”, por Allan Ribeiro, publicado no A Tarde, disponível em https://atardeverao.atarde.com.br/carlinhos-brown-a-gente-nao-vai-se-perder-nos-35-anos-do-axe/. Por ocasião dos 30 anos, o portal UOL publicou o texto Axé chega aos 30 anos em crise, mas protagonistas rebatem: "Que crise?", assinado por Alexandre Matias. O texto comenta a crise econômica e artística do axé e as respostas dos seus protagonistas: https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/entretenimento/2015/02/03/axe-chega-aos-30-anos-em-crise-mas-protagonistas-rebatem-que-crise.htm.
  35. Axé, antes massivo, perde espaço no Carnaval e vira trilha sonora de trintões, da Folha de São Paulo, assinado por Lucas Brêda, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/02/axe-antes-massivo-perde-espaco-no-carnaval-e-vira-trilha-sonora-de-trintoes.shtml.
  36. Lopes cita as bandas Marrom Society, Cafuné, Nossa Juventude, O Rodo, Saiddy Bamba, Oz Bambaz, Selakuatro, Pagodart, Guig Guetto, Os Sungas, Kortezia e Muvuketto como importantes nos primórdios dessa segunda fase, inaugurando transformações musicais e o protagonismo masculino nas performances de dança. Chagas (2016) corrobora essa análise. LIMA (2011, p. 199), comenta nesse sentido: “no pagode baiano, a masculinidade de jovens negros e pobres desarticulava certezas sobre o macho, porém reacomodava ideias sobre a raça, sobre o corpo negro, elaboradas pelo branco” .
  37. Por exemplo, o Jornal A Tarde publicou recentemente uma interessante matéria intitulada Pela primeira vez, mulheres assumem protagonismo no pagode baiano, dando um panorama da cena dessas artistas, entrevistando algumas de suas personagens, bem como o pesquisador supracitado Ledson Chagas (2016). Para maiores detalhes, cf. http://atarde.uol.com.br/muito/noticias/2113448-pela-primeira-vez-mulheres-assumem-protagonismo-no-pagode-baiano.
  38. Disponível em https://www.portaldoarrocha.com.br/.
  39. Ainda sobre o espaço deixado pelo declínio do axé, enfocando a nova geração de artistas, a Folha de São Paulo publicou a matéria Na ressaca do axé, banda Afrocidade mostra música indecifrável em SP, assinada por Thiago Ney, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/07/na-ressaca-do-axe-banda-afrocidade-mostra-musica-indecifravel-em-sp.shtml. Alguns dos participantes do Afrocidade são egressos da Cidade do Saber, importante projeto educativo da cidade de Camaçari, que mostra a importância desse tipo de ação.
  40. “Para compreender a invenção do samba-reggae é preciso situá-lo em um contexto ao mesmo tempo musical e ideológico, de maior latitude histórica, que leve em conta a grande influência dos candomblés sobre as expressões musicais afro-baianas e a importância dos movimentos de negritude para a elaboração de uma estética negra” (GUERREIRO, 2000, p. 65).
  41. A ASSEBA surgiu em 2005, a partir do movimento deflagrado pelos grupos de Samba de Roda do Recôncavo Baiano, estimulado pelas pesquisas realizadas pelo IPHAN para a constituição do Dossiê. Para maiores informações, cf. http://www.asseba.com.br/.
  42. Maiores informações e imagens sobre o desabamento, cf. https://www.reconcavoonline.com.br/santo-amaro-parte-da-estrutura-da-casa-do-samba-desaba/.
  43. A Casa do Samba de Santo Amaro foi inaugurada em 2007. A Rede do Samba foi viabilizada através do Projeto Pontão do Samba, sob a coordenação da ASSEBA. Para maiores informações sobre a Rede de Casas de Samba, cf. http://casadosambadabahia.blogspot.com/ e DÖRING (2013).
  44. Maiores informações sobre a Associação Sócio-Cultural Umbigada, cf. https://associacaoumbigada.org/.
  45. Maiores informações sobre o projeto em, cf. https://cantadordechuldpress.com/.
  46. Maiores informações cf. http://www.ipac.ba.gov.br/noticias/mulheres-do-samba-de-roda-se-revelam
  47. Além dos organizadores Ari Lima, Katharina Döring, Tiago de Oliveira Pinto, participaram Caio Csermak, Nina Graeff, Gustavo Gobbi Novaes, Luan Sodré de Souza, Marcus Bernardes, Fernanda Castro de Queiroz, Cassio Leandro Nobre de Souza Lima, Gustavo José Jaques de Melo, Ângela Elisabeth Luhning, Sormani Silva, Charles Alexander Exdell, Milton Primo e Helen Campos Barbosa. Para maiores detalhes, cf. http://revistas.uneb.br/index.php/pontosdeint/article/viewFile/5908/3763.
  48. “Decidiu-se por uma gestão isolada e um ‘plano de salvaguarda’ que não registrou e excluiu as vozes de instituições locais tradicionais e respeitadas que poderiam ser muito úteis na gestão de um bem tão complexo […]. [P]ercebe-se que os sambadores através do processo de patrimonialização, pouco a pouco elevam sua autoestima e se reconhecem como realmente portadores de um saber e uma tradição cultural valorosa. Isto certamente promove uma mobilização dos mais antigos e, consequentemente, dos jovens a favor do samba de roda. Entretanto, desprovidos, em termos materiais, de quase tudo, atentos ao fato de que este processo resulta em dividendos políticos, honoríficos, financeiros e acadêmico-científicos para todos nós, reivindicam, de algum modo, a parte que lhes cabe nisto tudo. E quando o fazem tendem a reproduzir a lógica perversa do capitalismo e de sua indústria cultural” (LIMA, 2017, p. 87-8).
  49. “Conhecendo-se os princípios formais do samba de roda, foi possível identificar suas recentes modificações e tendências. Seu processo de folclorização transforma eventos espontâneos e íntimos em espetáculo. Às exigências das apresentações soma-se a substituição de mestres antigos por jovens músicos, o que significa a substituição de práticas antigas por novas, causando rupturas na tradição. As análises musicais tornaram claro que mudanças sociais podem acarretar não apenas em mudanças sonoras da prática musical, mas na modificação de suas estruturas. Sendo assim, o samba estiliza-se aceleradamente” (GRAEFF, 2015, p. 148).
  50. “Muitas vezes, os discursos patrimoniais tendem a eliminar o conflito existente no contexto que determinada manifestação se desenvolve. O objetivo aqui é chamar atenção para o que de fato constitui toda essa complexa estrutura ‘estética’ que são as estratégias tecidas por sambadores ao lidarem, a partir do cotidiano, com um conjunto de fatores sociais e políticos, muitas vezes conflituosos, que influenciam diretamente a prática do samba” (SILVA, 2014, p. 64).
  51. Para maiores informações, cf. http://umbrasildeviola.blogspot.com/.
  52. O Grupo Viola de Arame é formado por Cássio Nobre, Júlio Caldas e Ricardo Hardmann.
  53. Nesse sentido, os trabalhos de Katharina Döring tem enfocado também o samba na região do Agreste da Bahia, como no caso do Samba de Tocos (DÖRING, 2013).
  54. O filme foi recuperado pelo IRDEB e seu original está disponível no acervo da Cinemateca da Bahia. Cumpre salientar a importância dessa Cinemateca, que está vinculada à Diretoria de Audiovisual da SECULT e é composta de filmes imprescindíveis para a cultura da Bahia. A lista do acervo está disponível em http://www.dimas.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=79.
  55. Maiores informações em https://digitalia.com.br/.
  56. Sobre o impacto dos festivais na cena independente, cf. https://www.bahianoticias.com.br/cultura/noticia/33288-festivais-de-musica-fortalecem-trabalho-de-artistas-independentes-no-brasil.html. Sobre alguns dos festivais da Bahia, cf. https://www.ibahia.com/entretenimento/detalhe/noticia/7-festivais-de-musica-nao-obvios-e-anuais-para-nao-perder-na-bahia/. Um interessante levantamento foi realizado no contexto da UFRB: https://www3.ufrb.edu.br/reverso/as-moradas-do-rock-no-interior-baiano/.
  57. Uma discussão sobre essa questão foi levantada em https://bandmulti.com.br/festivais-musicais-tem-prejuizo-de-r-483-milhoes-e-se-mobilizam-para-encontrar-saidas/?p=n.
  58. Por exemplo, cf. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/05/artistas-baianos-se-destacam-ao-mesclar-generos-consagrados-e-inesperados.shtml
  59. Maiores informações cf. https://gshow.globo.com/Rede-Bahia/Mosaico-Baiano/noticia/conheca-a-musica-instrumental-da-banda-de-jazz-bagum.ghtml.
  60. Para maiores detalhes sobre os slams, cf. http://www.fpc.ba.gov.br/2019/11/1671/Slams-saraus-e-batalhas-de-rap-sinalizam-influencia-jovem-na-producao-poetica-brasileira.html.
  61. O artigo da DJ Adriana Prates é interessante para caracterizar a cena da sua criação até 2006: https://pragatecno.wordpress.com/textos/o-uso-de-psicoativos-na-cena-de-musica-eletronica-de-salvador-bahia-uma-investida-inicial-fevereiro-de-2006/.
  62. Um interessante texto com um instigante ensaio fotográfico que dá uma dimensão interessante sobre essa cena e suas complexidades, no contexto da terceira edição do Terra em Transe Festival, ambos de Fernando Baggi, estão disponíveis em https://medium.com/@fernandobaggi/terra-em-transe-c4bf8333ba24
  63. Um projeto de pesquisa de longa duração, coordenado pela pesquisadora Ilza Nogueira e com a colaboração de diversos pesquisadores/as, o Marcos Históricos da Composição Musical na Bahia apresenta documentos, textos, partituras e suas análises, além dos Catálogos Web de Ernst Widmer, Lindembergue Cardoso, Fernando Cerqueira, Jamary Oliveira e Agnaldo Ribeiro. Maiores informações em http://www.mhccufba.ufba.br/SISMHCC/.
  64. Disponível em http://www.mhccufba.ufba.br/SISMHCC/mhcc_index.php?secao=9&id_cat=JO&idioma=pt.
  65. Um interessante texto que ressalta a importância do trabalho composicional de Jamary e Alda Oliveira, companheiros de vida, e analisa algumas de suas obras para piano foi publicado por Cristina Gerling (2010).
  66. O texto Tropicália, bananas ao vento?, publicado em LIMA (2005) foi apresentado originalmente em 1998 como palestra no II Seminários de Carnaval, UFBA.
  67. O professor Manuel Veiga (2011) em seu texto apresentado na ocasião dos 20 anos do Programa de Pós-Graduação em Música da UFBA propõe três marcos para uma periodização da Escola de Música da UFBA, o terceiro deles coincidindo com a minha primeira inflexão: “Os marcos da periodização que proponho são a criação dos Seminários Internacionais (julho de 1954); a reforma que nos atingiu em cheio em 1968/1969; e a instituição da pós-graduação em 1990, o que nos dá vãos de aproximadamente quinze e vinte anos, respectivamente, para a instituição que já se tornou cinquentona, mas que não deve envelhecer” (VEIGA, 2011, p. 3 – grifo original).
  68. Maiores informações sobre o Programa de Pós-Graduação em Música da UFBA em http://ppgmus.ufba.br/.
  69. LIMA (2014, p. 14-8) oferece uma lista das defesas em Composição Musical realizadas entre 2001 e o começo de 2014, demonstrando essa retomada do vigor criativo.
  70. Para maiores informações sobre a OCA em https://ocaocaoca.org/.
  71. O concerto final foi realizado pelo Camará Ensemble, sob regência de Paulo Rios Filho. Maiores informações em https://www.ufba.br/ufba_em_pauta/camar%C3%A1-toca-in%C3%A9ditas-no-concerto-do-i-pr%C3%Aamio-de-m%C3%Basica-contempor%C3%A2nea-da-bahia.
  72. O trabalho de Taiane Silva (2019, p. 158) discute também uma relação tensa e por vezes controversa entre as filarmônicas e a NEOJIBÁ, por conta da assimetria entre os investimentos nos dois contextos. O debate possui uma longa trajetória, mas é importante salientar a Carta Aberta de Fred Dantas (https://febaf.wordpress.com/2014/08/03/carta-fred/) e o respectivo direito de resposta ao NEOJIBA (https://febaf.wordpress.com/2014/08/12/direito-de-resposta-a-neojiba/). Os argumentos e números, bem como os relatos oferecidos por SILVA (2019) são elucidativos e ilustram bem a questão.
  73. Para maiores informações sobre Walter Smetak, cf. https://waltersmetak.com.br/
  74. Sobre uma das repercussões do trabalho de Filipe, cf. https://atarde.uol.com.br/cultura/noticias/1697085-aos-22-anos-estudante-produz-instrumentos-com-reciclaveis-premium. Sobre a exposição Arquitetura do Som, realizada no Museu de Arte da Bahia com 82 dos seus instrumentos, cf. http://www.cultura.ba.gov.br/2016/10/12314/MAB-recebe-a-exposicao-A-Arquitetura-do-Som.html.
  75. Maiores informações sobre o projeto InstruMentes, cf. https://www.itaucultural.org.br/secoes/rumos/inspirado-em-smetak-projeto-instrumentes-busca-estimular-a-experimentacao-sonora-em-salvador.
  76. Para detalhes sobre o projeto, cf. https://www.goethe.de/ins/br/pt/sta/sal/ueb/arc/orq.html, onde se encontram uma crítica sobre o concerto, entrevistas com os principais personagens e os compositores, assim como informações relevantes sobre Smetak e a cena experimental na Bahia.
  77. O filme foi apresentado no Festival IN-EDIT 2018. Maiores informações, cf. http://www.in-edit-brasil.com/Smetak-film.html?pelId=712&edId=54.
  78. Recentemente, Tuzé concedeu uma entrevista ao Goethe Institut Brasil, dentro do projeto Reinventando Smetak, disponível na íntegra em https://www.goethe.de/ins/br/pt/sta/sal/ueb/arc/orq/tuz.html?forceDesktop=1.
  79. Uma outra interessante repercussão do disco foi publicada pela Revista Fórum: https://revistaforum.com.br/cultura/o-album-contraduzindo-de-tuze-de-abreu-e-um-raio-de-luz-na-escuridao-da-mediocridade/.

 

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