Tema: Economia
Por Leonardo Bispo de Jesus Júnior Professor Adjunto I da Universidade Federal da Bahia (UFBA) / Pesquisador da Unidade de Estudos Setoriais (UNES-UFBA), Salvador, BA, Brasil.

1. A BAHIA: ASPECTOS GEOGRÁFICOS

A Bahia é um estado do Brasil, que se localiza na região Nordeste, fazendo divisa com os estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Piauí (Norte); Tocantins e Goiás (Oeste); Minas Gerais e Espírito Santo (Sul). Possui uma área territorial de 564.733 km², com uma população estimada para 2019 de 14.873.064 habitantes. A capital é Salvador, um dos 417 municípios que compõem o estado.

No território baiano predomina o clima tropical, na região litorânea, e semiárido, no interior. Em termos de relevo, o estado é marcado pela presença de planície, na região litorânea e na região central, e depressão, nas regiões norte e oeste. Quanto a vegetação, destacam-se mangues, na região do litoral, floresta tropical, caatinga, no interior e região do semiárido, e cerrado.

O extenso território baiano, desde 2010, foi dividido em vinte sete Territórios de Identidade, cuja constituição se deu a partir das especificidades dos arranjos sociais e locais de cada região. A divisão do território a partir destas especificidades se configura funcional para a formatação e implementação de políticas públicas no Estado2. Na Figura 1, a seguir, apresentam-se os Territórios de Identidade do Estado da Bahia.

Figura 1 - Territórios de Identidade do Estado da Bahia

Fonte: Cedeter, 2011, apud Flores (2014)

Na Figura 2, a seguir, estão representados os municípios que formam cada Território de Identidade.

Figura 2 – Os municípios que formam os Territórios de Identidade.


Fonte: Seplan

2. A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA SOCIAL NAS TERRAS DA BAHIA

A região correspondente ao estado da Bahia, atualmente, foi onde aportou os primeiros portugueses no ano de 1500; a cidade de Salvador foi fundada em 1549, pelo Governador-Geral Tomé de Souza, como a primeira capital do Brasil (LÓPEZ, 2016). Esta região era povoada por populações nativas, entre elas os tupinambás, mais belicosos, ao norte, e os tupiniquins, mais pacíficos, ao sul, pertencente a extensa família tupi, tronco tupi-guarani. Esses povos foram quase que totalmente dizimados pela colonização portuguesa, não apenas por meio de guerras, massacres, escravidão e doenças, mas, também, sob a perspectiva cultural, através da catequese e da intensa e forçada miscigenação com diferentes etnias (CORREIA, 2017).

Apesar disso, algumas marcas da cultura indígena conseguiram sobreviver, em função da importância da cultura, da língua e dos conhecimentos indígenas no processo inicial de colonização, conforme salienta Correia (2017, p. 41) na passagem a seguir:

Conhecedores do ambiente e das técnicas de sobrevivência no clima e natureza rudes da selva e do sertão, era comum a participação de nativos do litoral e mamelucos nas expedições colonizadoras. Além de ensinar o caminho, eles eram responsáveis pela coleta de frutos, ervas e raízes necessárias à alimentação do grupo e pelo uso da "medicina" com base em recursos da flora e da fauna.

Outro fator que determinava a presença de nativos nas expedições colonizadoras era o fato de que as línguas indígenas tinham um tronco geral que tornava mais fácil a compreensão entre as tribos, permitindo assim o encontro com grupos do interior. Nesse aspecto, além da presença de indígenas nas expedições, os portugueses foram forçados a aprender as línguas aborígenes para facilitar a convivência com os nativos e a consequente colonização do território.

A língua portuguesa consegue suplantar as línguas indígenas e se torna o idioma oficial apenas a partir da segunda metade do século XVIII, com o decreto do Marquês de Pombal, de 17 de agosto de 1758, que, além de declarar o português a língua oficial, proibiu o uso da língua geral em todo o território. Contudo, o legado indígena já havia sido deixado, principalmente nas denominações da flora, fauna, dos acidentes geográficos e das povoações, ressaltando a importância de identificação precisa do espaço como condição de sobrevivência (CORREIA, 2017).

Além dos legados deixados pelo colonizador europeu e pelos primitivos habitantes das terras brasileiras, não se pode deixar de incluir como uma peça fundamental do mosaico que constitui o povo e a cultura do Brasil, os africanos, traficados de várias partes do continente para servir de mão-de-obra escrava (CORREIA, 2017). Entre os séculos XVI e XIX, o Brasil recebeu mais de cinco milhões de negros, de diferentes nações e etnias e a Bahia foi um dos principais polos receptores (SILVA, 2018; LÓPEZ, 2016).

Na Bahia, o tráfico de escravos, conforme aponta Verger (2002b), dividiu-se em quatro períodos, a saber:

I - Ciclo da Guiné – costa oeste da África – ao norte da linha Equador durante a segunda metade século XVI; II - Ciclo de Angola e do Congo no século XVII; III - Ciclo da Costa da Mina nos três primeiros quartos do século XVIII; IV - Ciclo da Baía Benin, entre 1770 e 1850, incluindo aí a fase da ilegalidade, ou seja, o tráfico clandestino (SILVA, 2018, P. 1).

Foram grandes levas de africanos pertencentes as mais diversas nações (povos), sendo os mais conhecidos os Iorubá, Ewe, Jeje, Fula, Tapa, Hauca e Calabare, que enriqueceu todos os grandes comerciantes que participaram, durante o século XVIII e boa parte do século XIX, do comércio de importação e exportação de escravos. Segundo Vicente; Dorigo (2010), apud Silva (2018), a discriminação, a má remuneração do trabalho braçal e as dívidas sociais com os escravos africanos são as cicatrizes do sistema escravista na história contemporânea do Brasil.

Entre os séculos XVII e XIX, o Estado foi palco de alguns conflitos armados, alguns deles relacionados as cicatrizes mencionadas. No século XVII, a região sofreu ataques de holandeses, que foram expulsos pelos portugueses, ajudados por milhares de brasileiros, filhos de europeus com indígenas que habitavam a terra. Em 1798, inspirada nas ideias da Revolução Francesa e da Inconfidência Mineira, ocorreu a Conjuração Baiana, também conhecida como Revolta dos Alfaiates, com a proposição de independência, igualdade racial, fim da escravidão e livre comércio entre os povos. Contando com a participação de escravos, negros libertos e pequenos artesãos da Bahia, o movimento foi delatado e reprimido, sendo alguns de seus integrantes condenados à morte e exilados (LÓPEZ, 2016). Já em 1896, ocorre outro acontecimento marcante da história da Bahia, a Guerra de Canudos, que envolve um conflito entre o exército brasileiro e uma população humilde vivendo numa comunidade autossuficiente (Belo Monte) agrupada em torno de um líder religioso chamado Antônio Conselheiro, no nordeste da Bahia. Uma coalização de forças formada pelo descontentamento da igreja, com a autonomia religiosa, dos proprietários de terra, com a perda de mão de obra atraída pela vida em Belo Monte e dos políticos locais, que precisavam dispor de suas grandes clientelas rurais, leva a destruição do arraial de Canudos (COSTA, 2017).

Figura 3 - Fotografia de Flávio de Barros. 1897. Canudos a Sudeste.
 Fonte: Acervo Museu da República/Ibram/MinC, apud Costa (2017).

3. A ECONOMIA BAIANA³

Duas dinâmicas distintas caracterizaram a história econômica do Estado da Bahia, a saber: (i) do século XVI até 1970, correspondente à fase de economia primário-exportadora; e (ii) de 1970 em diante, relacionada à fase predominantemente industrial, iniciada com a implantação da indústria petroquímica e ampliada pelas indústrias metalúrgica, de celulose e automobilística (ALCOFORADO, 2007). 

3.1. UMA ECONOMIA PRIMÁRIO-EXPORTADORA

O primeiro produto de exportação da Bahia, desde o descobrimento do Brasil, foi o pau-brasil. A lavoura da cana e a produção de açúcar começou a se desenvolver no século XVI, no Recôncavo. Na primeira metade deste mesmo século, o algodão também se notabilizava como um dos principais produtos de exportação da Bahia. O fumo passa a assumir grande importância como produto de exportação da Bahia a partir do século XVII, atendendo o mercado africano (ALCOFORADO, 2007).

A pecuária, que se fixa no sertão da Bahia, começa a ganhar notoriedade no final do século XVIII e início do século XIX, proporcionando as condições para exportação de couros e solas. Também no século XVIII, dessa vez em sua primeira década, o ouro explorado em Jacobina, Rio de Contas, Araçuaí e Tucambira assume importância na pauta exportadora baiana, apesar da produção de pequeno porte; à época, a coroa portuguesa concentrava a produção deste mineral em Minas Gerais. Além dos produtos já citados, destacava-se na pauta exportadora baiana, ainda, a farinha de mandioca, que tinha em Jaguaripe, Nazaré e Camamu suas áreas de produção (ALCOFORADO, 2007).

O comércio de exportação da Bahia, até o último século citado, tinha três direções: Europa, África e Rio Grande do Sul e portos do Prata (ALCOFORADO, 2007).

Após a Independência do Brasil, durante o Império, a economia baiana se diversificou, apesar de continuar voltada para o mercado externo. O comércio exportador e importador, de 1822 a 1840, quase todo sob o controle de Portugal, até então, sofreu duros golpes em função da concorrência das casas comerciais inglesas e francesas, potências na época (ALCOFORADO, 2007).

A partir de 1843, com a descoberta de diamantes em Lençóis, acrescenta-se mais um produto na pauta exportadora baiana, que se soma com o surgimento de novas possibilidades com a produção do café e do fumo, destinados às casas exportadoras inglesas, francesas e alemãs (ALCOFORADO, 2007).

Entre os anos de 1895 e 1925 destacam-se como principais produtos na pauta exportadora da Bahia o açúcar, o café, o fumo, o cacau e o algodão. O café, o fumo e o cacau sucedem o açúcar na posição de principal produto de exportação. O cacau em baga, em 1925, alcança a liderança entre os produtos de exportação da Bahia, e permanece nesta posição até 1980, mesmo depois do processo de industrialização iniciado em 1950, com a instalação da Refinaria de Mataripe, marco do início do processo4 (ALCOFORADO, 2007).

3.2. UMA ECONOMIA PREDOMINANTEMENTE INDUSTRIAL

No contexto da política de substituição de importações, a Bahia, a partir de 1970, foi contemplada com uma diversidade de projetos industriais relacionados à produção de bens intermediários (intensivos em capital e tecnologicamente modernos), complementar a matriz produtiva desenvolvida no Sudeste do país. Dentre os projetos citados, destacam-se a implantação da Refinaria de Mataripe, na década de 1950, valendo-se da disponibilidade de petróleo no Estado, a implantação do Centro Industrial de Aratu (CIA), em Candeias, na década de 1960, que se consolidou como um complexo mínero-metalúrgico, e do Complexo Petroquímico de Camaçari, na década de 1980; todos concentrados na Região Metropolitana de Salvador (RMS) (ALCOFORADO, 2007).

Com a implantação do Complexo Industrial de Camaçari, esperava-se que indústrias menores a montante e a jusante viessem a reboque, expectativa que não se realizou. Porém, observou-se, além de um aumento da massa salarial com os empregos diretos oferecidos, do crescimento da renda local, com a contratação de serviços, e do crescimento da arrecadação de impostos em todos os seus níveis, o incremento do processo de urbanização e o adensamento populacional, principalmente na RMS (ALCOFORADO, 2007).

Figura 4 - Polo Petroquímico de Camaçari.


Fonte: Cordeiro; Natividade (2017).

Na década de 1990, com a entrada em operação da Bahia Sul Celulose e a implantação da Vera Cruz Celulose, a indústria de papel e celulose começa a crescer na Bahia. Esta indústria, localizada no Extremo Sul do Estado, é composta, predominantemente, por grandes empreendimentos. Já nos anos 2000, foi implantado, no município de Camaçari, o Projeto Amazon da Ford, que representou um investimento total de U$$ 1,3 bilhão e expectativa de geração de 5 mil empregos diretos e 50 mil empregos indiretos. A vinda da Ford para Bahia se deveu a uma série de incentivos fiscais e financeiros oferecidos pelo Governo do Estado (ALCOFORADO, 2007).

Diante do contexto de surgimento de novos empreendimentos no Estado, os ramos tradicionais da indústria baiana – alimento, fumo, vestuário, couros e peles, entre outros -, outrora responsáveis pelo crescimento industrial, reduziram sua importância relativa, sendo substituídos pelos segmentos químico e petroquímico, metal-mecânico e de papel e celulose.  Outro aspecto que merece ser mencionado, resultado, também, deste contexto, foi a concentração do processo de industrialização do estado na RMS, em função, fundamentalmente, da ação governamental e de investidores privados nacionais e estrangeiros atraídos pelos incentivos fiscais e financeiros. A implantação da indústria de papel e celulose no Extremo Sul da Bahia é explicada pela disponibilidade de recursos florestais imprescindíveis à operação da planta industrial e não pela reversão deste processo de concentração (ALCOFORADO, 2007).

3.3. BAHIA: PLANO ESTRATÉGICO ATÉ 2020

A descentralização espacial da economia, por meio de um consistente projeto de interiorização do parque produtivo do estado, respeitando as vantagens já consolidadas na RMS, associada a investimentos em infraestrutura e adoção de políticas que incentivem o desenvolvimento e fortalecimento de outros setores econômicos tem sido internalizado pelo planejamento estadual já há algumas administrações. O diagnóstico é que a adoção destas medidas melhoraria a participação do estado no total das exportações brasileiras e promoveria um crescimento menos desigual., conforme se verifica na passagem a seguir:

Cidades que assumam uma posição estratégica devem ser fortalecidas como locus de articulação do desenvolvimento regional e pólos aglutinadores da produção de bens e da oferta de serviços públicos de maior complexidade. Esse processo, simultaneamente, induz a criação de economias de aglomeração e de população que sustentem uma produção e comercialização de mercadorias mais eficientes (BAHIA, 2003, apud (PESSOTI; SAMPAIO, 2009, P. 46).

Apesar da existência do plano estratégico, as ações governamentais são, ainda, muito incipientes. Uma destas ações, que tem avançado bastante, é a implantação do Sistema Viário do Oeste (SVO), cuja principal obra é a construção da ponte Salvador-Itaparica, que consiste em uma intervenção no sistema rodoviário baiano que visa interligar as principais rodovias estaduais e federais que se conectam à capital baiana. A principal justificativa para sua implementação é a criação de um novo vetor de desenvolvimento, promovendo a desconcentração do desenvolvimento da RMS (SEPLAN, 2015).

As dificuldades de implementação de projetos estruturantes semelhantes ao SVO assim como a atração de empreendimentos para dinamização da economia do Estado estão associadas aos baixos volumes de investimentos, ao reduzido estoque interno de capitais privados, à guerra fiscal entre os entes federativos e as pressões políticas regionais (PESSOTI; SAMPAIO, 2009).

4. BAHIA: “CAPITAL” DA CULTURA DO PAÍS5

Conforme descrito na seção anterior, o processo de industrialização da Bahia, que se concentrou, principalmente, na RMS, a partir dos anos de 1970, intensificou o processo de expansão urbana do Estado. Contudo, como se percebe em Carvalho (2013), esta Bahia moderna e industrial não foi capaz de destruir a velha Bahia, que continuava a existir e passou a conviver com os novos tempos.

Este aspecto se constitui importante quando o tema em debate é a cultura baiana. Pois, mesmo considerando as mudanças ocorridas ao longo do tempo, a diversidade territorial e, por conseguinte, cultural, como salienta Carvalho (2013, p. 27), sempre foi possível conceber elementos representativos da identidade baiana.

Salvador e seu Recôncavo, que viveram o apogeu da América portuguesa como porto internacional de trocas de mercadorias e centro da Colônia, até 1763, a Chapada Diamantina, o Oeste baiano, o Litoral Sul e Norte, e os grandes “Sertões” baianos possuem modos distintos de viver, de produzir suas riquezas materiais e de construir suas respectivas identidades. 

Dentre os referidos elementos, podem-se citar os referenciais de seu patrimônio histórico e arquitetônico, dos seus elementos de caráter popular, da cultura afro-baiana, que se reporta à uma tal “sensualidade baiana”, à mestiçagem, à um “jeito baiano de ser”, que se encontram representados na música, na culinária, na figura da baiana do acarajé, etc.6 (CARVALHO, 2013).

A culinária, segundo Lody, apud Cruz; Macedo (2009), fundamenta, também, os diferentes imaginários afrodescendentes. Diante disso, as lendas e os mitos envolvendo gastronomia e fé são marcas identitárias de saberes de povos. O São Cosme e Damião, na Bahia, em setembro, por exemplo, é celebrado com um grande caruru. Vatapá, para quem não gosta de caruru, efó, para quem não come carne ou peixe são também servidos. Nas palavras de Cruz; Macedo (2009, p. 7):

A comida e todo aparato em torno dela, o modo de fazer, isto é, o preparo de uma receita, os ingredientes selecionados simbolizam preferências e revelam saberes da comunidade local que estão presentes na memória de seus habitantes e identifica gostos, saberes, expressões, crenças e tradições, formatando uma imagem que é reconfigurada no tempo-espaço. Tais lembranças gastronômicas são suportes de memória que preservam o patrimônio gastronômico e faz re(pensar) a identidade. 

No desenvolvimento do imaginário acadêmico e popular sobre a identidade baiana, a cidade de Salvador exerceu um importante papel, muito em função, conforme argumenta Castilho (2013), do expressivo tamanho da população afrodescendente da velha cidade da Bahia ao longo de sua história.

Mesmo reconhecendo a centralidade de Salvador nas imagens relacionados a cultura baiana, outras regiões reúnem, também, elementos que as notabilizam como legítimos da cultura baiana. Dentre estas regiões se destacam (i) o Recôncavo, especialmente a cidade de Cachoeira, que, conforme o conselheiro Simas, apud Carvalho (2013, p. 60), representou “o mais completo conjunto de uma cidade histórica baiana plenamente formada, em condições de ainda ser preservada, na sua qualidade de monumento estadual, apesar das injúrias do tempo e da irresponsabilidade dos homens”; (ii) a região Sul do Estado, mais precisamente Porto Seguro, marco do descobrimento, “que revelava o início do domínio colonial português, visto como referencial de civilização” (p. 60); e (iii) algumas cidades da Chapada Diamantina.

Apesar da importância da cultura negra como elemento representativo da identidade soteropolitana, é apenas no século XX que esta passou a ser analisada. Foi a produção cultural de intelectuais e artistas como Jorge Amado, Edison Carneiro, Pierre Verger, Carybé e Dorival Caymmi que estimulou o crescimento de uma imagem da Bahia como um lugar profundamente marcado por uma mistura singular entre o catolicismo popular e a cultura e a religiosidade brasileira. Pierre Verger, que era etnólogo, historiador e fotógrafo - chegou na Bahia em 1946 e, posteriormente, vinculou-se ao terreiro Ilê Axé Opô Afonjá -, juntamente com seu grande amigo, o artista plástico Hector Julio Paride Bernabó, o Carybé, também ligado ao mesmo terreiro, produziram uma vasta obra inspirada na cultura afro-baiana, associada, principalmente, a suas expressões religiosas. A fotografia de Verger e os quadros de Carybé, junto com os romances de Jorge Amado e as músicas de Dorival Caymmi alcançaram uma circulação no Brasil e no exterior (CASTILHO, 2013).

Figura 5 - Festa do Pilão de Oxalá, ©Carybé


Fonte: Revista prosa, verso e arte7

No que se refere a presença baiana em momentos fundadores da vida cultural brasileira, não se pode deixar de registrar três revoluções que marcaram a cultura brasileira, a saber: João Gilberto, na Bossa Nova; Glauber Rocha, no Cinema Novo; Caetano Veloso e Gilberto Gil, no Tropicalismo (NOVA; MIGUEZ, 2008). Além dos personagens já citados, alguns outros merecem atenção, como é o caso do capoeirista Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha, que, em contraste ao Mestre Bimba, cujo estilo já incorporava elementos emprestados das artes maciais e do boxe, foi o responsável por uma reafricanização da imagem da capoeira (CASTILHO, 2013).

A partir dos anos de 1990, a referida identidade baiana, simbolizada pelas personalidades citadas, tornou-se objeto de um grande número de estudos e passou a ser conhecida como baianidade8. Dentre a literatura produzida, destacam-se como preocupação central a música popular, principalmente a do Carnaval, enfatizando os anos de 1980, quando os blocos afros alcançaram sucesso internacional e o Pelourinho, o bairro mais antigo de Salvador, foi tombado, pela Unesco, como patrimônio arquitetônico da humanidade, o que levou a institucionalização, pelo governo da Bahia, das manifestações populares afro-baianas ocorridas neste bairro como pedras fundamentais do turismo9 (CASTILHO, 2013).

O discurso de baianidade combina com o momento de redemocratização e favorece a construção de um consenso baseado na superação da identidade autoritária do grupo político liderado por Antônio Carlos Magalhães, reconhecido como aliado do regime militar, eleito governador do Estado em 1990. Neste processo de reconstrução identitária do carlismo, o turismo foi escolhido como atividade central da perspectiva econômica do Estado e o carnaval seu carro chefe10 (NOVA; MIGUEZ, 2008).

Aprofundando um pouco mais o debate sobre a festa de Momo na Bahia, verifica-se que esta foi dominada, no início dos anos de 1930, por grandes clubes carnavalescos que se formaram no final do século XIX, que tinham suas despesas de desfile custeadas por meio de apoio financeiro do governo. Quando os clubes entraram em decadência, no final da década de 1930, com as repercussões da II Guerra Mundial na economia baiana, abriu-se espaço para a visibilidade de escolas de samba ou batucadas, provenientes das camadas populares. Foi neste período, também, que os afoxés, entidades afro-brasileiras, vinculadas a terreiros de candomblé, que haviam sido proibidos em 1905, voltaram à cena, contribuindo, juntamente com as batucadas, para o reflorescimento da presença afro-brasileira na folia soteropolitana. O espaço das batucadas e dos afoxés diminuiu nos anos de 1950, com o retorno de alguns dos grandes clubes e com a invenção do trio elétrico, em 1951 (CASTILHO, 2013).

O trio elétrico é um dos maiores ícones do Carnaval da Bahia. O popularmente conhecido como “trio” é “um caminhão devidamente adaptado para transportar uma banda inteira e um potente equipamento de som pelas ruas da cidade durante a festa”. A ideia surgiu quando os músicos Dodô, Osmar e um terceiro músico, por isso denominado trio, experimentaram tocar, com som ampliado por alto-falantes, suas guitarras baianas em cima da fobica, um caminhão Ford 1929.  O enorme sucesso alcançado foi referenciado, em 1969, pelo astro baiano Caetano Veloso, que cantou "Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu” (BAHIA, 2014).

O carnaval da capital baiana, maior festa de rua do planeta11, atualmente se divide em três circuitos principais, a saber: (i) o Circuito Batatinha, no Pelourinho, o preferido daqueles que preferem a tranquilidade das marchinhas de antigamente; (ii) o Circuito Dodô, que acontece na orla, no trecho da Barra-Ondina, a partir do Farol da Barra, onde atualmente desfilam as grandes atrações do carnaval; e (iii) o Circuito Osmar, o mais tradicional, que vai do Campo Grande até a Praça Castro Alves, pela Avenida Sete de Setembro, e retorna pela Avenida Carlos Gomes, recomendado para aqueles que querem conhecer um pouco da história do carnaval baiano; nos últimos anos tem passado por um processo de revitalização patrocinado pela ação estatal em função do deslocamento das grandes atrações para o circuito Dodô (BAHIA, 2014).

Figura 6 - Evolução do trio elétrico.


Fonte: r7 e Terravista¹².

Além do Carnaval, outras manifestações culturais, como a capoeira e a religiosidade afro-brasileira também passaram a ter um maior destaque. Ao examinar com mais detalhe as manifestações da cultura negra popular, não se pode deixar de mencionar a Lavagem do Bonfim, que agrega elementos afro-baianos e conta com a participação de governantes na Irmandade do Bonfim e na procissão anual. Além desta, nos festejos baianos destacam-se outras “festas de largo”, a saber: (i) Santa Bárbara (comemorado no 4 de dezembro); (ii) Conceição da Praia (8 de dezembro); (iii) Bom Jesus dos Navegantes (1 de janeiro); e (iv) Iemanjá (2 de fevereiro). A festa de Iemanjá é a única em que as características afro-brasileiras não são legitimadas por meio do sincretismo afro-católico13 (CASTILHO, 2013).

5. FORMAÇÃO DA CULTURA NO FUTEBOL DA BAHIA

O futebol chega à capital baiana no ano de 1901, trazido por Zuza Ferreira, jovem da burguesia bancária do Estado. É a partir de Zuza que Salvador introduz um processo de constituição de uma cultura de futebol, institucionalizada com a criação da Liga Baiana de Desportos Terrestres (LGBT), que tinha como participantes membros das elites soteropolitanas - formadas por profissionais liberais, como médicos, advogados, além de comerciantes e principalmente estudantes -, por isto conhecida como “Liga do Brancos”. Neste contexto, formaram-se diversos clubes futebolísticos baianos como o Vitória e São Salvador, fundados em 1899, o Bahiano, em 1911, e o Yankee, em 1917. A Liga, que proibia a participação dos negros, existiu entre os anos de 1905 e 1912 (SANTOS, 2008).

Apesar de terem a sua participação negada na prática do futebol pelas elites, os segmentos mais populares também vivenciaram a prática do esporte com a criação de clubes e campeonatos disputados pelos terrenos baldios da cidade. Os grupos inferiorizados contribuíram para a formação da cultura futebolística, institucionalizada com a criação, pelo Fluminense, principal clube popular da cidade, da Liga Brasileira de Desportos Terrestres, que ficou conhecida como “Liga dos Pretinhos”. A liga existiu entre os anos de 1913 e 1919, contando com a participação de diversas agremiações pequenas, dentre as quais se podem citar o Germânia, o White, o São Bento, além do Ypiranga, o clube mais popular daquele período. Os clubes desta Liga eram formados por grupos sociais menos favorecidos, como pequenos e médios comerciantes, pedreiros, peixeiros, entre outros (SANTOS FILHO, 2008).

Atualmente, os dois clubes mais populares do Estado são o Esporte Clube Bahia e o Esporte Clube Vitória. O Bahia foi fundado no dia primeiro de janeiro de 1931, a partir de uma ideia de quatro ex-jogadores do Clube Bahiano de Tênis (Carlos Koch, Eugênio Walter, o Guarany, Fernando Tude e Júlio Almeida) e um da Associação Atlética da Bahia (Waldemar de Azevedo), que, num encontro casual, discutiram a formação de um novo time de futebol, já que as agremiações que defendiam acabaram com seus departamentos de futebol. No dia 20 de janeiro, o clube se filia à Liga Baiana de Desportos Terrestres, atual Federação Baiana de Futebol, e no dia 22 de março do mesmo ano estreia no Campeonato Baiano. Definiu-se como cores do clube, as cores da Bahia - uniforme com a camisa branca e o calção azul com uma faixa vermelha na cintura14. O Bahia se tornou o clube mais popular do Estado, quando presidido por Vilas-Boas, superando o Ypiranga, que até início da década de 1950 era o clube das camadas populares da sociedade soteropolitana (SANTOS FILHO, 2018). Atualmente, é presidido por Guilherme Bellintani e disputa a Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro.

Já o Vitória, foi fundado em 13 de maio de 1899, com a denominação de Club de Cricket Victória. O nome se explica pelo bairro onde os fundadores residiam, Corredor da Vitória, bairro nobre de Salvador, e pela influência da língua inglesa, já que o críquete era um esporte muito disputado pela colônia britânica que mantinha residência em Salvador. O Victória só adota o futebol como modalidade em 1902, a partir da influência de Zuza, conforme comentado. Ainda nesse ano, a agremiação muda o nome para Sport Club Victória, na medida em que, além do críquete, o futebol, o atletismo e o remo passaram a fazer parte do rol de modalidades praticadas. O clube que nasce com as cores verde e amarelo, em homenagem a bandeira brasileira, passa a adotar as cores vermelho e preto, em função da dificuldade de encontrar tecidos naquelas cores. Atualmente é presidido por Paulo Carneiro, que já havia administrado o clube entre os anos de 1991 e 2000, e disputa a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro15.

Figura 7 - Escudo do Esporte Clube Bahia e do Esporte Clube Vitória.


Fonte: arte sobre foto / Esporte Clube Bahia e Vitória. 

REFERÊNCIAS

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REVISTA PROSA, VERSO E ARTE. Exposição ‘Carybé: as cores do sagrado’, em São Paulo. 2017. Disponível em: <https://www.revistaprosaversoearte.com/exposicao-carybe-as-cores-do-sagrado-em-sao-paulo/>. Acesso em: 30.10.2019.

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SILVA, M. A. P.  Salvador-Roma Negra: cidade diaspórica. In: COPENE - Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, 2018, Uberlândia. Anais do Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, Uberlândia: COPENE, 2018.

NOTAS GERAIS

2. Território de Identidade o agrupamento identitário municipal formado de acordo com critérios sociais, culturais, econômicos e geográficos, e reconhecido pela sua população como o espaço historicamente construído ao qual pertence, com identidade que amplia as possibilidades de coesão social e territorial. (BAHIA, Dec. 12354, 2010, apud FLORES, 2014).

3. Para saber um pouco mais sobre a evolução da economia baiana consultar Andrade (2013).

4. Na década de 1840, teve início o movimento pela industrialização da Bahia, começando pela indústria têxtil. Nas décadas de 1840, 1850 e 1860, são implantados, também, vários estabelecimentos de crédito na Bahia.

5. Uma curiosidade interessante é que o dia da cultura é comemorado no dia 5 de novembro, em homenagem ao baiano Ruy Barbosa, também um dos maiores juristas brasileiro (CARVALHO, 2013).

6. Para saber mais sobre as baianas de acarajé, consultar Pinheiro; Silva (2007).

7. Disponível em: <https://www.revistaprosaversoearte.com/exposicao-carybe-as-cores-do-sagrado-em-sao-paulo/>.

8. A noção de baianidade se resume em concebê-la como um conjunto de elementos que serviram para definir a Bahia (CARVALHO, 2013).

9. Apesar da evidente contribuição da paisagem e dos recursos naturais, o foco de atração turística para o estado é o seu “extraordinário” acervo histórico, cultutal e artístico (PINHO, 1998).

10. O carlismo permaneceu à frente do Governo do Estado por dezesseis anos, entre 1990 e 2006.

11. O carnaval de Salvador foi devidamente registrado no Guiness Book of Records – Livro dos Recordes, como a maior festa de rua do planeta. No ano de 2019, o público estimado nas ruas em seis dias de festa foi de 1,7 milhão de pessoas.

12. Disponível em : <https://diversao.r7.com/pop/conheca-a-historia-e-a-evolucao-do-trio-eletrico-o-palco-do-axe-no-carnaval-baiano-13062017> e <https://terravistabrasil.com.br/o-carnaval-de-salvador-e-as-festas-baianas/>.

13. Para obter mais informações sobre as “festas de largo” citadas, consultar Castro Júnior (2014)

14. Disponível em: https:<//www.esporteclubebahia.com.br>. Acesso em: 03.11.2019

15. Disponível em: < https://www.ecvitoria.com.br/>. Acesso em: 03.11.2019.

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