Tema: Culinária
Por Vilson Caetano Antropólogo, Pós Doutor em Antropologia, Professor da Escola de Nutrição e do Programa de Pós Graduação em Antropologia da UFBA.

GASTRONOMIA BAIANA

A Bahia, maior estado da região Nordeste, possui uma culinária rica e diferenciada. Esta culinária foi formada à sombra de engenhos constituídos no século XVI, mas também nas terras semi áridas e secas do sertão, sem nos esquecermos da região onde abundava no século XVIII as lavras de diamantes. Seja nas áreas mais afastadas ou na cidade, povos indígenas juntamente com africanos e portugueses ao lado de judeus, aqui chamados de “cristãos novos”, cada um à sua maneira, foram fornecendo os elementos constitutivos do que podemos chamar de gastronomia baiana.

 

 

A ALIMENTAÇÃO INDÍGENA

Os povos indígenas forneceram a base desta culinária nos deixando como um dos maiores legados a farinha de mandioca. A mandioca atravessou os séculos e foi chamada por Luís da Câmara Cascudo de “a Mãe do Brasil”. Com a mandioca os povos indígenas preparavam diversos tipos de farinha com os quais faziam bolos que posteriormente serão enriquecidos pelas receitas portuguesas, sem esquecer o beiju, contemporaneamente chamado, em algumas regiões do Brasil, de tapioca. A farinha de mandioca era comida arremessada à boca, como relata alguns viajantes do século XVIII, transformada em pirão ou misturada com água, como farofa. A farinha acompanhava tudo: o peixe assado sobre brasas enrolado em folhas, mas também o que se caçava.

Comia-se também folhas cozidas, algumas vezes chamadas de caruru. Esta preparação teria dado origem a um dos pratos mais afamados do Recôncavo baiano, a maniçoba. Fazia-se farinha também com o milho, outra planta, como a mandioca, que desde cedo os portugueses trataram de levar para outros lugares. Com o milho os povos indígenas preparavam bebidas, utilizando a fermentação, e preparavam mingau e angu através do cozimento. O milho era base para a elaboração de bolos, as famosas broas e outras preparações.

O peixe preparado era moqueado, isto é, exposto ao calor do fogo suspenso numa armação de madeira chamada jirau ou seco diretamente ao sol utilizando bandejas feitas de cipó ou espetos de madeira. O preparo do peixe moqueado teria dado nome a uma das preparações mais conhecidas, a moqueca.

Além de utilizar a mandioca e o milho para o preparo de bebidas, os povos indígenas empregavam para isso também o abacaxi e o caju. A variedade de frutas tropicais, acrescidas daquelas chegadas do continente asiático e africano, mais as exigências do paladar português produzirão matriz sensível para elaboração dos famosos licores.

 

 

O PALADAR PORTUGUÊS

Coube sem dúvida aos portugueses a introdução de alguns hábitos alimentares e a preferência por alguns produtos consumidos na Europa que aos poucos foram sendo introduzidos na Bahia, a exemplo das chamadas verduras que entraram na origem de um prato conhecido pelo nome de cozido. Os portugueses também foram responsáveis pela introdução de animais domésticos como bovinos, caprinos, ovinos e suínos, a maioria deles já de conhecimento dos africanos, ao lado de aves como a galinha e os pombos, e as consideradas exóticas, como perus, faisões e pavões.

Preparações à base de farinha de trigo, batizadas aqui com o nome de “farinha do reino”, a fim de contrastar-se com a nossa farinha de mandioca, apelidada de “farinha de guerra”, foram aos poucos se popularizando, assim como o consumo do azeite de oliva, sempre importado, juntamente com o vinho, que a partir do século XVII deparou-se com o seu maior rival, o chamado vinho de mel, ou aguardente, produzido nos engenhos a partir do mel da cana. Se for verdade que a introdução da cana de açúcar teria sido uma das grandes contribuições dos portugueses como sugere Gilberto Freyre, é digno de nota também, com este autor concordar, que uma das maiores contribuições dos portugueses foi a doçaria.

Doçaria elaborada a sombra dos conventos repetindo receitas centenárias, mas também nas cozinhas das casas grandes ou em outras cozinhas onde a mão africana já se fazia presente produzindo quitutes como o manjar, o quindim, a ambrosia, a baba de moça, a vastidão de compotas utilizando frutas tropicais, a goiabada, o doce de leite ao lado de outras preparações à base de açúcar apelidadas de doce. E aqui não podemos deixar de mencionar os desaparecidos pirulitos elaborados com uma calda de açúcar disposta num cone de papel.

Os portugueses também foram responsáveis pela popularização dos chamados caldos e do consumo de ovos, inicialmente dados apenas aos doentes. É também de influência portuguesa na Bahia o consumo de vísceras, chamadas de fato, de longos tempos apreciados em Portugal. Exemplo disso é a presença de pratos como o mocofato, a buchada, o sarapatel e o meninico, largamente encontrados na culinária baiana.

 

 

OS DE COMER AFRICANOS

A cozinha da África Ocidental que viajou com os africanos durante mais de trezentos anos, especialmente para a Bahia, marcará sensivelmente a sua culinária. Além de dominar todas as técnicas da cozinha, os africanos dispunham de uma série de conhecimentos acumulados fruto dos contatos com o Continente Asiático, em especial a Índia. Desde cedo estes grupos africanos foram utilizados na cozinha, sendo assim responsável pela introdução de algumas plantas como o coqueiro, o dendezeiro, o quiabeiro, o maxixe, juntamente com as chamadas especiarias que darão identidade às preparações produzidas na capital do estado e no seu recôncavo, chamadas de cozinha baiana, caracterizadas pelo largo emprego do azeite de dendê, leite de coco, gengibre e pimenta.

Coube aos africanos não apenas a popularização de algumas comidas, mas também a criação de novos pratos onde combinou ingredientes indígenas a fim de atender às exigências do paladar português. Com o passar do tempo, este paladar foi se adaptando e se moldando, tornando-se cada vez mais “africano.” O largo emprego do azeite de dendê e das pimentas é sem sombra de dúvida a maior marca da mão africana na culinária da capital do estado e em locais como o Recôncavo da Bahia, o Baixo Sul e o Extremo Sul. Em outras palavras, em cidades como Salvador, Candeias, São Francisco do Conde, Santo Amaro, Nazaré, Cachoeira, São Félix, Valença, Porto Seguro e Ilhéus.

 

 

UMA COMIDA BROTADA DAS PEDRAS

A região montanhosa situada no Centro-Oeste da Bahia chamada de Chapada Diamantina, conhecida por reunir diferentes vegetações (caatinga, cerrado, campo e florestas), grutas, cachoeiras e nascentes, foi cenário no século XVIII e XIX da descoberta de minas de ouro e diamante. Isso levou para a região garimpeiros e comerciantes que dentre os muitos desafios tiveram que enfrentar a escassez de alimentos, a dificuldade de armazená-los e a seca. A vida no garimpo era dura e, além da experiência, exigia resistência. Embrenhados pelas montanhas, garimpeiros se espalhavam à margem de rios e faziam tendas utilizando seus panos. Este fato, futuramente servirá para batizar o nome do arraial que a partir de meados do século XIX será elevado a cidade e despontará na produção de diamantes, ficando conhecida no mundo como principal centro comercial das Lavras Diamantinas: a cidade de Lençóis.

O garimpeiro também se abrigava nas tocas, buracos naturais encontrados nas pedras onde alguns passavam boa parte de seus dias. Embora o gado tivesse sido introduzido na região, a chamada carne fresca ou “carne verde” era reservada a ocasiões especiais como festas. Comia-se mesmo feijão, farinha e a carne exposta ao sol ou ao sereno, chamada de carne seca. Os garimpeiros guardavam a comida em pequenas sacolas feitas com o couro do boi chamadas de bruacas. A conservação da escassa comida era um desafio. Geralmente cozinhava-se o milho, o aipim e a banana. O garimpeiro desde cedo também aprendeu a recolher das pedras o que a natureza lhe dava, a exemplo da batata da serra e dos diversos tipos de cactos, assim como aprendeu a comer folhas como a taioba, a língua de vaca, o bredo, a beldroega, ao lado da batata doce e da abóbora, plantas largamente empregada na alimentação indígena. Tropeiros também percorriam os acidentados caminhos da Chapada, comercializando produtos, levando consigo a inseparável carne de sertão ou jabá que misturada ao feijão e a farinha dará origem a uma preparação conhecida pelo nome de feijão tropeiro porque o feijão era posto para cozinhar sobre uma trempe, num momento de parada e ali era consumido com a carne e a farinha. Garimpeiros foram responsáveis pela elaboração de pratos como o godó de banana, a malamba, o refogado de palma, a salada de batata da serra, o arroz de garimpeiro, o quiabinho refogado, ao lado de outras preparações acertadamente chamadas de “comidas de garimpeiro.” Se junta a estes, outras preparações como o cortado de mamão verde, o pastel de palmito de jaca e do coração da bananeira (manguará) e a moqueca de maturi, que hoje constituem o que chamamos de gastronomia da Chapada.

 

 

CURIOSIDADES DA COZINHA DA CHAPADA

Malamba - o nome do prato é kibundo, uma das línguas africanas mais recorrentes no Brasil, mas a preparação tem acertadamente uma influência indígena, pois a sua base é o fubá de milho. A malamba é uma espécie de caldo ou sopa preparado com frango e temperado com alho, cebola, tomate, pimentão, coentro, cebolinha, acrescida de leite de coco.

Godó de banana – a preparação é feita com banana d’água verde cortada em cubos, refogada no azeite de oliva, cebola, alho, coentro e pimenta, acrescidos de carne do sol cortada também em tamanho pequeno.

Arroz de garimpeiro – esta iguaria leva cenoura, batata, chuchu, carne do sol, bacon, charque, cebola, pimenta, alho, sal, tudo misturado ao arroz e colorido com o açafrão da terra.

Cortado de palma. A palma é um tipo de cacto que compõem a paisagem da Chapada ao lado de outros conhecidos pelo nome de mandacaru, cabeça de frade, xique-xique, cabeça de nego, etc. Estas plantas são recolhidas nas trilhas rochosas. Para a retirada dos espinhos, elas são queimadas, depois descascadas até que a parte central da planta, chamada de miolo, apareça. É este miolo que é picado e refogado com cebola, alho e sal e acompanha o arroz e o feijão.

O quiabinho é uma folha semelhante a bertalha, meia adocicada, que é consumida refogada com cebola e alho, acompanhando arroz e feijão.

Onde comer:

  • Quilombola, Bar e Restaurante – Lençóis (BA)

 

 

A COZINHA DO SERTÃO BAIANO

Também chamada de cozinha sertaneja da Bahia, floresceu distante do litoral e de suas praias. Seu prato mais emblemático é o cuscuz. O nome é árabe, segundo alguns estudiosos, mas a base é indígena, o milho. Assim como é predominantemente cabocla a população do sertão. O cuscuz acompanha a vida do sertanejo. Não era à toa que ele aparecia na pregação do velho Antônio Conselheiro que prometia que o sertão iria virar mar e os montes se transformariam em cuscuz, em outras palavras, haveria abundância.

Outra presença na culinária do sertão baiano é a variedade de feijão, em especial o feijão de corda, o feijão verde e o andu, na verdade guandu, este último presente dos africanos. O feijão aparece sempre acompanhado da carne de sertão. A carne seca foi a maneira que o sertanejo encontrou para conservar a carne, as poucas vezes que se tinha. O sal, também utilizado para curti-la, juntado ao feijão lhe conferia sabor diferenciado. Caprinos e ovinos constituem a base da alimentação do sertanejo baiano, sem nos esquecermos dos suínos e de galinhas, criadas soltas. Bodes, carneiros e porcos adaptados a região, deram origem a vários pratos apelidados de ensopados e assados, preparados com as partes mais tenras destes animais. Outras iguarias serão preparadas com as suas vísceras, chamadas pelo português de “fato” que como em Portugal, aqui foram aproveitadas, no preparo de pratos como a buchada de bode, o meninico de carneiro e o sarapatel. Na cozinha do sertão baiano a presença de caças é também abundante.

Consomem-se também muitas verduras, em especial o maxixe e a abóbora. Abóbora cozida com carne de sertão e ensopado de maxixe, a famosa maxixada. O leite deu origem as coalhadas de valor imensurável para o português, mas também ao pirão de leite, de valor incalculável para quem está na caatinga. Não apenas o milho e a mandioca, mas o aipim deixou também a sua marca na culinária sertaneja da Bahia. Aipim cozido é bom com tudo, afirma-se. Frito, tem substituído as estrangeiras batatas. Às margens do Rio São Francisco ou de alguns de seus afluentes, o surubim seco foi tornando-se substituto por excelência do bacalhau. Onde a proibição judaizante de não consumir o sangue não chegou, viu-se florescer a galinha ao molho pardo, chamada em algumas regiões de galinha a cabidela.

Para “adoçar a vida”, a cozinha sertaneja da Bahia lançou mão da rapadura, transformando a rapadura com farinha um dos seus maiores símbolos. Rapadura, farinha e café misturados, deram origem a uma bebida chamada jacuba que foi a maioria das vezes a refeição de muitos baianos no sertão.

 

 

CURIOSIDADES DA COZINHA DO SERTÃO BAIANO

Pirão de leite – É uma espécie de angu feito com farinha de mandioca onde substitui a água pelo leite. Acompanha a carne de sol.

Farofa de água - Também chamada de farofa de bolo ou farofa de água fria, é preparada com farinha de mandioca e água morna. Algumas vezes se acrescenta um pouco de gordura desprendida do guisado da carne, cebola, tomate e o coentro. O sal é a gosto. É ótimo acompanhamento para a carne.

Galinha de molho pardo – prepara-se utilizando “galinha da terra” que após abatida tem um pouco do sangue reservado a parte. Após cozida com todos os temperos, no momento ainda em que se tem um pouco de caldo, o sangue é colocado para finalizar a preparação.

Buchada de bode - A buchada de bode, assim como o meninico, é um dos pratos mais rebuscados da cozinha do sertão da Bahia. Após lavada as vísceras (pulmão, baço, fígado, coração, tripas) elas são cortadas em pequenos pedaços, temperadas e acomodadas cuidadosamente numa espécie de saco feito com o bucho do animal. Para isso, utiliza-se agulha e linha para fechar. Bota-se para cozinhar desta maneira e depois serve-se.

Meninico de carneiro – É feito à semelhança da buchada de bode, diferenciando-se apenas na amarração. No meninico as tripas são utilizadas para amarrar as vísceras envoltas no bucho do carneiro.

 

Onde comer:

  • Bar do Edinho –Ceasinha - Av. Juracy Magalhães Júnior, 1624 - Rio Vermelho, Salvador - BA 

  • Kombi-Quatro Rodas- Av. Amaralina, 78 - Amaralina, Salvador - BA

  • Restaurante Dona Mariquita - Rua. do Meio, 178 - Rio Vermelho, Salvador – BA

  • Restaurante Picui - Av. Maria Quitéria, 2463 – Centro. Feira de Santana-BA

  • Joel do Bode. Rua Andaraí, 972 - Jardim Cruzeiro, Feira de Santana-BA 

  • Paraíso da Carne do Sol. Av. Octávio Mangabeira, 15 - Amaralina, Salvador - BA

 

 

A COZINHA BAIANA E AS COMIDAS DE AZEITE

Chama-se cozinha baiana, a cozinha de azeite da cidade de Salvador que até pouco tempo era chamada de Bahia. A expressão também engloba as comidas do Recôncavo e inclui também “os de comer” do Baixo Sul e do Extremo Sul do Estado.

O azeite de dendê, incontestavelmente, maior herança dos africanos é a marca desta culinária ao lado da pimenta, do largo emprego do leite de coco, do gengibre e do coentro. Nem todos os pratos da cozinha baiana, todavia, levam o azeite de dendê, mas tal elemento é tão importante que, até onde ele está ausente, a sua presença se impõe.

Baiana também é o nome de mulheres que ainda hoje sobrevivem da venda de comidas nas ruas da cidade de Salvador e em alguns mercados e, aqui temos hoje, obrigatoriamente, que incorporar também os baianos. Homens que tem contribuído não apenas para a divulgação, mas também para a conservação e recriação de pratos afro-brasileiros.

Esta cozinha se formou a partir da junção de tradições islâmicas, judaicas, portuguesas, galegas, indígenas, africanas e muitas outras. Na colônia, o comércio de gêneros alimentícios no varejo era concedido exclusivamente às mulheres brancas. Aos poucos, as mulheres negras, vestidas à maneira africana, com turbantes, camisas de algodão, saia estampada, pano da costa e, algumas até com joias, foram ocupando este lugar.

A elegância de algumas negras que vendiam nas ruas era tão grande que houve momentos em que o governo português proibiu a utilização, por parte delas, de jóias e outros adereços como os balangandãs que levavam amarrados na cintura. Os balangandãs eram jóias compostas por frutas, objetos pessoas, animais e elementos de proteção como o trevo, a pimenta e a figa, tudo em prata ou ouro. Usados para chamar a atenção, tinham função mesmo de proteção.

Ganhadeiras e quitandeiras vendiam todos os gêneros alimentícios nas ruas da cidade de Salvador. Elas saiam cedo apregoando seus produtos levados na cabeça dentro de gamelas, cestos ou tabuleiros. É do final do século XVIII as primeiras notícias sobre esta forma de mercar nas ruas da cidade de Salvador e a informação de algumas comidas que chegaram até nós como o acará, o abará, o vatapá, o efó, o mocotó, o lelê, além de outras que desapareceram como o ekó, o ekuru, o aberém e o aluá. Este último uma bebida.

Quando na cidade de Salvador foram estabelecidos pontos para o comércio de alimentos específicos como carnes, peixes e frutas, lá estavam estas mulheres ditando regras nas suas quitandas, espécie de “estruturas de madeiras permanentes”. Com o passar do tempo, o ganho, este tipo de acordo entre senhores e escravos, foi se tornando uma maneira através da qual alguns africanos puderam acumular recursos para a compra da alforria. A venda na rua exigia disposição para se deslocar, habilidade e iniciativa. Em resumo: “ter cabeça de venda”. Comercializar alimentos permitia mais do que relações econômicas pois a comida servia para ampliar e estabelecer vários vínculos. Pierre Verger e Roger Bastide observaram ideia semelhante nos mercados nagôs no Golfo de Benin. Esta arte de mercar teria sido transmitida pelos africanos e africanas a seus descentes, motivo pelo qual podemos encontrar nos mesmos tabuleiros de duzentos anos, com poucas variações, algumas comidas, a começar por aquelas que começam a ser servidas nas primeiras horas da manhã como a feijoada, o mocotó, a rabada, o cuscuz de tapioca, o cuscuz de milho, o lelê, o bolo de aipim, o bolo de carimã e a diversidade de mingaus.

Come-se boa comida baiana em todos os locais da cidade de Salvador. Nas praias, nos mercados e feiras, nos botecos e nos restaurantes.

 

Onde Comer:

  • Aconchego da Zuzu - Rua Quintino Bocayuva, 18 – Garcia. Salvador-BA

  • Restaurante Casa de Tereza - Rua. Odilon Santos, 45 - Rio Vermelho, Salvador – BA

  • Restaurante Donana - Centro Comercial do Conjunto dos Comerciários. Rua Teixeira Barros, s/n - Brotas, Salvador- BA 

  • Boteco do Peri - R. Alto da Alegria, 200 - Nordeste, Salvador - BA

  • Recanto da Lua Cheia - Rua Rio Negro, 2 - Monte Serrat, Salvador – BA

  • Restaurante Boca de Galinha - Rua Almeida Brandão, 58A - Plataforma, Salvador – BA

  • Cabana do camarão - Av. Afrânio Peixoto, s/n - Itacaranha, Salvador – BA

  • Sorriso da Dadá - Rua Frei Vicente, 5 – Pelourinho, Salvador – BA

  • Restaurante Dona Mariquita - Rua. do Meio, 178 - Rio Vermelho, Salvador - BA

 

 

COMIDA NA FEIRA

A cidade de Salvador possui várias feiras. As mais famosas é o Mercado das 7 Portas e a feira de São Joaquim. A feira de São Joaquim também chamada de Água de Menino é dividida em ruas e quadras que, antes de serem conhecidas por seus números, são chamadas, ora pelo nome do vendedor mais antigo, ora pelo nome de seus produtos. Tem-se assim a rua da carne, a rua do tempero, rua do camarão, rua da bomboniere, rua das frutas, rua da carne salgada, rua do tempero seco, rua do alho, rua da carimã, rua dos cereais, rua da banana, rua da pimenta, o mercado de peixe e assim por diante. 

Dos 26.903 associados no Sindicato do Comércio Varejista de Feirantes e Ambulantes da cidade do Salvador, estima-se que 7 mil estejam na Feira de São Joaquim, embora se saiba que este número deixa de fora algumas pessoas que transitam esporadicamente na feira. 

A Feira de São Joaquim (foto abaixo) abriga aqueles que não vão embora, os que resistem ir para a casa no final do expediente, “o pessoal da madrugada”, formado pelos caminhoneiros e grossistas, e por fim, feirantes e ambulantes que iniciam seus trabalhos a partir das 5 horas da manhã.

Esta “cidade que não dorme”, formada por várias feiras, é atendida por aproximadamente 200 bares e restaurantes. Trata-se de instalações, a maioria, onde se trabalha não mais que 4 pessoas e a distância entre o balcão de atendimento e a cozinha fica a menos de 1 metro separada por uma cortina. 

Não há comida dormida na feira pois “não dá tempo”. Além de tudo ser adquirido no próprio local, a comida é preparada na hora e no mesmo dia. Comida na feira não sobra e além de porções generosas, há bares que dão a opção do cliente montar o seu prato. 

Por volta das 2 horas da manhã, pode-se assistir ao desfile dos carros de cafezinho. De freguesia certa, a bebida pode ser adquirida por preços que variam de R$ 0,25 a R$ 1. A partir das 5 horas, alguns bares servem um café da manhã. Café preto, ou café com leite, onde o carro chefe é o pirão de aipim e o cuscuz de milho, acompanhados com carne do sol, carne de sertão ou ovos. Encontra-se também o feijão. O valor varia de R$ 8 a R$ 12. 

A partir das 7 horas, jovens simpáticas passam com um caderno “tirando os pedidos”. O cardápio em linhas gerais já é conhecido por todos. Pode-se comer: ensopado de frango com verduras, assado de boi, ensopado de boi, galinha assada, acompanhados de feijão, arroz, macarrão e uma salada de pepino, tomate e cebola ou de salada vinagrete. 

Há dias reservados a certas comidas. Na segunda-feira, os poucos bares que funcionam preparam ensopado de boi. Uma exceção é o bar de Silvia, que serve moqueca e rabada neste dia. Seu restaurante fica no primeiro andar da área requalificada, que chega a abrigar um total de aproximadamente 90 restaurantes. Na terça-feira, além do ensopado de boi, se oferece a galinha ao molho pardo e a galinha assada, mas come-se também um omelete no bar de Dinho, que na quarta-feira prepara uma concorrida moqueca de fato na rua da bomboniere, conhecida também como rua do fumo. 

Na quinta-feira, o prato principal é o cozido com pirão, mas pode-se encontrar também o assado de boi como uma opção para quem não gosta de comer verduras e bife ao molho. Sexta-feira é comida baiana na feira inteira. Varia-se com moqueca de peixe ou xinxim de galinha

No restaurante Valenciano, onde o dono é conhecido pelo nome do Peixe Vermelho, pode-se pedir para montar o prato com peixe, chumbinho, camarão ou outros frutos do mar. Este restaurante fica na rua da linha da máquina. Os preços variam de R$ 18 a R$ 60 de acordo com o tamanho da moqueca. 

Sábado é o dia da feijoada, da rabada e do sarapatel. Na área requalificada ou feira nova, o restaurante São Jorge, ou bar de Gago, é tido como referência para estes pratos. Este bar tem também como especialidade a agulhinha frita. Domingo é o dia do mocotó. A referência do mocotó é o Bar dos amigos, ou o restaurante de Massaranduba. Ele fica na rua da carimã.

Há bares que ficaram famosos por pratos servidos todos os dias, como o de Seu Jacó, onde se pode encontrar um churrasco composto de carne de boi, frango e calabresa acompanhados de salada vinagrete, feijão tropeiro e arroz. O valor depende da quantidade, variando de R$ 12 a 15. Outro restaurante afamado é o de Dadá, situado à rua Mário Murici ou rua da pimenta. O Cantinho da Dadá mantém a fama pelo feijão, a rabada e o sarapatel, oferecidos aos sábados. Outra curiosidade é que a dona do restaurante encanta os fregueses pela rapidez com que risca e soma a conta no balcão. Há restaurantes que atendem 24 horas. 

 

 

AS COMIDAS DE AZEITE NA SEXTA FEIRA

A sexta-feira é o dia consagrado pelos baianos ao Senhor do Bonfim cuja devoção chegou à cidade de Salvador em meados do século XVIII. Este dia também é dedicado a Oxalá, um dos orixás mais importantes trazido para o Brasil pelos iorubás, aqui chamados nagôs, coincidentemente no mesmo período. O uso da cor branca neste dia estaria relacionado a exigência islâmica e a presença maometana no Brasil. Desta maneira, um conjunto de fatores concorreram para o baiano vestir branco na sexta-feira, ou ainda para o visitante entender a expressão: “sexta é dia de branco”. Sexta-feira também era um dos dias que a igreja católica na colônia obrigava as pessoas a abster-se de carne. Escravos e libertos estavam submetidos a esta regra e tinham que providenciar a sua própria comida.

É bem provável, que no litoral, próximo dos manguezais, rios e mares, estes africanos tiveram a oportunidade de mariscar e pescar e quando puderam, prepararam suas comidas ao modo de suas terras, ou seja, utilizando, além de técnicas, ingredientes de longo tempo já conhecido por eles que aos poucos iam chegando ao Brasil ou já estavam aqui adaptados como o dendezeiro e o coqueiro. Isso pode ser uma explicação para a presença das comidas de azeite nos dias de sexta-feira na cidade de Salvador, contrariando a proibição de não se comer azeite de dendê no dia consagrado ao orixá nagô Oxalá. Verdade é que é muito difícil escapar do azeite de dendê neste dia.

Das comidas de azeite as mais comuns são: o caruru, o vatapá, o feijão de azeite, o xinxim de frango, a farofa de azeite de dendê, o bobó e a moqueca de peixe. Todas estas comidas são preparadas com camarão, algumas delas levam castanha e amendoim, leite de coco e gengibre. A pimenta, hoje, é servida à parte e fica a gosto do cliente. Em linhas gerais o baiano come muita pimenta. Todas elas são comidas afro-baianas, ou iguarias africanas reelaboradas na cidade de Salvador, ou ainda criações genuinamente baianas batizadas com o azeite de dendê.

 

 

AS COMIDAS BAIANAS QUE NÃO PEGAM AZEITE

Comidas que não levam azeite também contribuem para a fama da cozinha baiana. Dentre elas estão os assados de todos os tipos de carne. Destaque para o malassado, um tipo de preparação onde a carne fica assada por fora e sangra quando é cortada. Outra é o arroz de leite, ou arroz de coco, ou arroz de viúva. Em resumo, arroz com leite de coco. A quiabada é outra especialidade da cozinha baiana. Quiabo, charque, bacon, camarão, tudo misturado. Há ainda o feijão de leite, indescritível. É o caldo do feijão “temperado com leite de coco”. Algumas pessoas acrescentam açúcar. Há também as frigideiras. Frigideira é toda preparação coberta com ovos batidos e posta no forno. O bacalhau resistiu na forma de ensopado regado com azeite de oliva e leite de coco. Outras comidas que encontramos distantes da cidade de Salvador predominam na culinária baiana como o sarapatel e a feijoada baiana feita de feijão mulatinho.

 

 

COMIDAS QUE DÃO ONDA

Salvador possui aproximadamente 50 km de praias. Durante toda esta extensão pode-se saborear algumas comidas que são comercializadas por ambulantes, barracas ou restaurantes. Os caldos são os campeões de venda, em especial o caldo de sururu, considerado afrodisíaco. Depois vem o queijo coalho assado na brasa. Nos estabelecimentos comerciais, a concorrência é entre o peixe frito e o caranguejo, embora comidas mais recentes estejam chegando perto como o escondidinho e o arrumadinho. O primeiro é com pirão de aipim, o segundo é com farinha de mandioca.

 

 

COMIDAS DE TABULEIRO

É o acarajé, na verdade, o acará, bolinho de feijão fradinho frito no azeite de dendê, o cartão postal da cidade de Salvador. “Jé” é o verbo comer da língua iorubá. Iguaria africana presente nas ruas de Salvador desde finais do século XVIII, o acará tornou-se símbolo da Bahia. O ofício das baianas foi registrado como patrimônio imaterial no ano de 2004. Come-se acarajé a qualquer hora do dia e da noite. A iguaria é na cidade de Salvador servida como uma refeição. A fim de atrair clientes, as vendedoras não poupam esforços para chamar a atenção. Em algumas cidades da Nigéria, o bolinho de feijão fradinho é bem menor do que os encontrados aqui. Eles se assemelham aos vendidos pelas baianas até os anos 40. Hoje se come acarajés bem maiores a semelhança de hamburguês. No bairro da Liberdade, à Ladeira de São Cristóvão pode-se comer um acarajé de 1kg.

Não é apenas o acarajé que confere fama ao tabuleiro. Com ele sobreviveu ao tempo, também, o abará. Diferente do primeiro, o abará é cozido no vapor utilizando a folha da bananeira. É também outra iguaria africana que pode ser facilmente encontrada com algumas variações em Lagos, por exemplo.

Quem chega ao tabuleiro não deve esquecer-se de prestar reverência à pimenta. Pimenta geralmente ralada e frita no azeite de dendê, cebola e camarão. Chamada de molho, a pimenta esquenta a comida. É uma preparação que resiste ao tempo.

É possível ainda encontrar a passarinha. Passarinha é o baço do boi que é temperado com alho, cebola, sal, cominho e frito ali mesmo na rua no mesmo azeite onde se prepara os acarajés.

No tabuleiro ainda pode-se encontrar a cocada, dentre elas, cocada puxa e o bolinho de estudante. A cocada puxa é feita com coco e rapadura por isso possui o tom marrom. O bolinho de estudante é feito de tapioca, leite e coco, frito no óleo e passado no açúcar e na canela no momento de servir.

 

Onde comer:

  • Largo de Santana- Rio Vermelho – Salvador-BA

  • Largo do Pelourinho- Salvador-BA

  • Relógio de São Pedro – Salvador- BA

  • Itapoan - Salvador- BA

 

 

COMIDAS QUE SE COME REZANDO

A maioria das comidas chamadas de baianas é encontrada nos terreiros de candomblé oferecida às divindades, mas nos terreiros estas comidas são preparadas de maneira diferente. O candomblé teve uma participação fundamental no processo de conservação de algumas receitas africanas. Isso não significa que a chamada cozinha ritual ou cozinha de santo esteja longe das modernas intervenções culinárias. O que estamos dizendo é que, uma vez articulada a determinados preceitos ritualísticos que precisam ser observados, algumas receitas resistem a certas mudanças. Outras, todavia seguiram o fluxo das coisas como o bobó de camarão que no terreiro aparece com o nome de ipeté, feito não de mandioca, mas de inhame. É comida votiva dedicada ao orixá Oxun. Na verdade, a palavra bobó é da língua kibundo.

 

 

O QUE SÓ SE COME NA BAHIA

Roupa velha – É a sobra do feijão que é temperado com azeite e camarão.

Moqueca de ovo – Leva todos os temperos da moqueca e substitui o peixe ou marisco pelos ovos

Efó – o prato é africano. É um refogado feito com folha de taioba, azeite de dendê e camarão.

 

 

OS DOCES

Para se tirar o gosto do sal da boca, como se diz na Bahia, recomenda-se um doce. O mais comum são as cocadas. Há cocadas de todos os sabores e cores de acordo com as frutas tropicais que são feitas. Adoça-se a boca também com doce de banana cortado em rodas, doce de carambola, doce de caju em calda, goiabada. Doce de tamarindo é para quem tem coragem porque por mais doce que esteja, trava os dentes. Doce de pitanga. Doce de jambo. Bala de jenipapo. Doce de coco verde. Todavia, nenhum destes doces alcançou a fama do quindim. Não, o português, mas o quindim de iaiá, uma invenção da doçaria baiana.

 

 

UM BRINDE ÀS COMIDAS

A gastronomia baiana possui uma diversidade de bebidas de efusão. Na cidade de Salvador, a que mais se destaca é o cravinho. A receita é simples: mel, cravo e limão, mas o resultado após o envelhecimento em barris de pau d´arco e massaranduba é espetacular. Há também a bebida feita de canela e de jatobá. Tem-se ainda os licores produzidos no Convento de Santa Clara do Desterro, o mais antigo monastério do país fundado no século XVII, sobretudo o licor de rosas. O maior centro de produção do licor é, todavia, o recôncavo baiano em especial a cidade de Cachoeira. A maioria da produção é artesanal e chega-se a fazer mais de 100 tipos de licores.

Onde beber

  • Bar o Cravinho- Largo Terreiro de Jesus - Pelourinho, Salvador - BA

 

 

PARA SABER MAIS

LOBO, Helena Gama. Receitas da Bahia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.

NETTO, Joaquim da Costa Pinto. Caderno de comidas baianas. Rio de Janeiro: tempo Brasileiro, 1986.

RADEL, Guilherme. A cozinha sertaneja da Bahia. Rio de Janeiro: Saraiva, 2002.

NEVES, Elisabeth Gerard. Chapada Diamantina e sustentabilidade alimentar: epistemologia das tradições e saberes da culinária do garimpo. Salvador: Mondrongo, 2018.

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação do Brasil. 3ed. São Paulo: Global, 2004.

FREIRE, Gilberto. Açúcar. Recife: Massangana, 1987.

LIMA, Vivaldo da Costa. A anatomia do acarajé. Salvador: Corrupio, 2010.

HUE, Sheila. Delícias do Descobrimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

SILVA, Alberto da Costa e. Imagens da África. São Paulo: Penguin Companhia, 2012.

AMADO, Paloma Jorge. A comida baiana de Jorge Amado. Rio de Janeiro: Record, 2003.

AAVV. Atlas da culinária na Baía de Todos os Santos. Salvador: Edufba, 2013.

LOBO, Helena Gama. Receitas da Bahia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.

PAIM, Tereza e ROBATTO, Sonia. Na mesa da baiana: receitas, histórias e temperos tipicamente baianos. São Paulo: Senac, 2018.

RADEL, Radel. A Cozinha Africana da Bahia. Salvador: Radel, 2016.

RÉGIS, Olga Francisca (Introdução e nota de Vivaldo da Costa Lima) A comida de santo numa casa de queto na Bahia. Salvador: Corrupio, 2005.

SOUSA JUNIOR, Vilson Caetano de. Banquete Sagrado, notas sobre os de comer em terreiros de candomblé. Salvador: Atalho, 2009.

SOUSA JUNIOR, Vilson Caetano de. Orixás, santos e festas. Salvador: Eduneb, 2003.

VELOSO, Mabel. O sal é um dom. Receitas de Dona Canô. Rio de Janeiro: Leya, 2015

GRAHAM, Richard. Alimentar a cidade, das vendedoras de rua à reforma liberal. São Paulo: Companhia as Letras, 2010.

SOARES, Cecília Conceição Moreira Mulher Negra na Bahia no século XIX. Salvador: Eduneb, 2007.

VIANNA, Hildegardes. A cozinha baiana, seu folclore, suas receitas. 2 ed. São Paulo: GRD, 1987.

Para saber mais

SOUSA JUNIOR, Vilson Caetano de. Banquete Sagrado, notas sobre os de comer em terreiros de candomblé. Salvador: Atalho, 2009.

SOUSA JUNIOR, Vilson Caetano de. Orixás, santos e festas. Salvador: Eduneb, 2003.

VIANNA, Hildegardes. A cozinha baiana, seu folclore, suas receitas. 2 ed. São Paulo: GRD, 1987.

 

Fotos:

"Sertão Baiano"

https://www.flickr.com/photos/jorodrigues/8113374185 

 

"A comida baiana e as comidas de azeite"

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/29/Baiana-acaraj%C3%A9- https://www.flickr.com/photos/ministeriodacultura/21292326840

 

"Comida de feira"

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Feira_de_S%C3%A3o_Joaquim,_2012_b.jpg 

 

"Comida de Tabuleiro"

https://www.flickr.com/photos/doisbicudos/7124963295

Desenvolvido por Diêgo Pessoa | Forma e Conteúdo