Tema: Arquitetura
Por Nivaldo Andrade Arquiteto e urbanista, Doutor em Arquitetura e Urbanismo, com pós-doutorado na École d'Urbanisme de Paris. Professor da Faculdade de Arquitetura e coordenador do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia. (Ufba)

ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA DA BAHIA

 

Analisar a arquitetura contemporânea da Bahia não é tarefa simples por diversas razões. A primeira é a presença expressiva, nas cidades brasileiras em geral e, em especial, nas metrópoles do porte de Salvador, de áreas de ocupação informal, nas quais predomina a autoconstrução – isto é, edificações erguidas, muitas vezes de forma precária, sem a participação de profissionais legalmente habilitados para o exercício da arquitetura e do urbanismo.1 Alguns dados demonstram que de 30% a 45% das cidades baianas, pelo menos, são resultantes de processos de ocupação informais.2 Apesar de instrumentos legais como a Lei Federal nº 11.888, de 24 de dezembro de 2008, determinarem que o Estado deve assegurar às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, sua aplicação no país ainda é incipiente e restrita a experiências pontuais. De modo geral, o acesso à arquitetura e ao urbanismo segue sendo restrito, na Bahia e no Brasil, a uma parcela da população.

A segunda dificuldade é que a qualidade da arquitetura produzida formalmente na Bahia e em Salvador na atualidade vem sendo objeto de críticas diversas, inclusive por parte dos próprios arquitetos locais. Fernando Peixoto observa que “Salvador tem personalidade, mas hoje a arquitetura da capital baiana paulistou. [...] Como pode uma cidade com essa luminosidade ter prédios todo envidraçados? Não é nada sustentável” (apud VITA, 2012). Neilton Dorea, por sua vez, afirma que, em Salvador atualmente, “há uma arquitetura dependente” e que “a maioria [dos profissionais locais] é desenhador de uma vontade empresarial” (apud FUNKE, 2009, p. 25). Essas afirmações ganham ainda mais peso se considerarmos que Peixoto e Dorea estão entre os mais reconhecidos e influentes arquitetos baianos das últimas décadas.3

Analisar a arquitetura contemporânea produzida na Bahia tampouco é tarefa que possa ser realizada sem que quem se proponha a fazê-lo contamine sua análise, desde o primeiro momento - aquele da seleção das obras a serem analisadas - com seus valores e preferências, ou seja, com sua subjetividade. Entretanto, visando estabelecer critérios minimamente objetivos, optamos por abordar neste texto aquelas obras que tenham obtido algum reconhecimento nacional ou internacional, ao serem publicadas em livros dedicados à arquitetura contemporânea brasileira ou em periódicos especializados, ao serem selecionadas para participar de exposições e bienais de arquitetura no país e no exterior ou ao serem classificadas em concursos e premiações da área.

Deve-se destacar ainda o papel central da Universidade Federal da Bahia (UFBA) na formação dos arquitetos baianos. O curso de arquitetura da UFBA tem sua origem na Academia de Belas Artes da Bahia e foi criado no final do século XIX. Por mais de cem anos, até 1999, a UFBA ofereceu o único curso de graduação em arquitetura da Bahia. Entre 1999 e 2002, passaram a ser oferecidos mais dois cursos em instituições privadas localizadas na Região Metropolitana de Salvador; e, em 2009, foram criados mais três cursos na capital do estado.4 A partir de 2011, surgem cursos em todas as regiões da Bahia. Atualmente, existem 36 cursos em funcionamento no estado, dos quais apenas três são oferecidos por instituições públicas. Dos 36 cursos de formação de arquitetos existentes na Bahia, 16 estão localizados em Salvador, 16 em outras dez cidades do estado e quatro são de ensino à distância (EAD).5

Apesar de metade dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo presenciais do estado da Bahia estarem localizados no interior do estado, Salvador e sua região metropolitana continuam concentrando a imensa maioria dos profissionais. Salvador abriga hoje um total de 3.978 arquitetos e urbanistas – ou seja, praticamente dois terços dos 6.013 arquitetos e urbanistas registrados no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) no Estado da Bahia. Se incluirmos os demais municípios da Região Metropolitana de Salvador, essa concentração de arquitetos e urbanistas aumenta para 4.521 profissionais – 75% do total do estado.6 Por esta razão, nossa análise privilegiará a produção arquitetônica de Salvador, que concentra também o poder político e, em grande medida, os recursos econômicos do estado.

Deste modo, é inevitável que, ao abordar a arquitetura produzida na Bahia nas duas primeiras décadas do novo milênio, o foco esteja na capital do estado e que a grande maioria das obras analisadas seja de autoria de profissionais egressos da UFBA.

 

PRECEDENTES

O final da década de 1920 e o início da década seguinte testemunham a chegada, no Brasil e na Bahia, de uma nova arquitetura, que busca romper com o ecletismo então dominante e com o movimento neocolonial surgido alguns anos antes.7 A reação ao ecletismo e ao neocolonial se deu por meio de um conjunto de expressões arquitetônicas que se tornou mundialmente conhecido como “arquitetura moderna”, que se apropria dos novos materiais de construção, como o aço, o concreto e o vidro, e da liberdade decorrente da adoção de uma estrutura independente dos elementos de vedação (paredes), abolindo a estrutura mural e promovendo integração visual entre interior e exterior e continuidade espacial no interior das edificações. Também chamada de funcionalista ou racionalista, a arquitetura moderna se caracteriza, ainda, pelas formas geométricas e pela abolição dos ornamentos.

A primeira fase da arquitetura moderna na Bahia se caracteriza pelas influências das vanguardas europeias, como a Bauhaus e o expressionismo alemão. Dentre as obras dessa primeira fase, podemos destacar, em Salvador, o Elevador Lacerda (1930); a sede do Instituto do Cacau da Bahia (1939), no Comércio; a Escola Normal da Bahia (1939), no Barbalho, atual Instituto Central de Educação Isaías Alves - ICEIA; a Estação de Hidroaviões (1939), na Ribeira; e o Sanatório de Tuberculosos Santa Terezinha (1942), na Caixa d’Água. No interior do estado, merecem menção o Instituto Municipal do Ensino (1939) e o estádio atualmente batizado de Mário Pessoa (1942), ambos em Ilhéus. Todas estas obras foram projetadas por profissionais sediados no Rio de Janeiro, muitos deles estrangeiros, como os alemães Alexander Büddeus e Alexander Altberg, o sueco-americano Fleming Thiesen e o húngaro Adalberto Szilard.

Figura 01 - Escola Normal da Bahia, no bairro do Barbalho, em Salvador, atual Instituto Central de Educação Isaías Alves (Fonte: Acervo da Construtora Carioca Christiani-Nielsen)

A partir do início dos anos 1940, a chamada escola carioca, liderada por Lucio Costa e Oscar Niemeyer e fortemente influenciada pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier, ganha reconhecimento internacional. Os ecos da escola carioca na Bahia se farão sentir seja através de obras projetadas por profissionais formados e sediados no Rio de Janeiro, como os arquitetos José Bina Fonyat Filho (Teatro Castro Alves, 1957), Paulo Antunes Ribeiro (edifício Caramuru, 1949; agência do Banco da Bahia em Ilhéus, 1951), Jorge Machado Moreira (Sanatório de Triagem do Parque Sanatorial Santa Terezinha, 1951) e Hélio Uchôa (Conjunto Residencial do IAPI, 1952) e o paisagista Roberto Burle Marx (reforma do Terreiro de Jesus, 1950), seja por meio de profissionais locais, como Diógenes Rebouças (Hotel da Bahia, com Paulo Antunes Ribeiro, 1952; Centro Educacional Carneiro Ribeiro, 1950-1964; Escola Politécnica da UFBA, 1960) e a dupla Antônio Rebouças e Lev Smarcevscki (diversas residências para a burguesia local, construídas no início dos anos 1950).

Figura 02 - Escola Politécnica da UFBA, no bairro da Federação, em Salvador (Fonte: Memorial Arlindo Coelho Fragoso / Escola Politécnica da UFBA)

Como consequência da criação da Universidade da Bahia, em 1946; da incorporação à universidade, dois anos depois, da Escola de Belas Artes (EBA); e da federalização da universidade, rebatizada como UFBA, em 1950, ocorre, nos primeiros anos da década de 1950, a reformulação do curso de arquitetura da EBA. Esse processo, que culminará com a criação da Faculdade de Arquitetura da UFBA, em 1959, transforma um curso incipiente e irregular em um centro de formação de gerações e gerações de arquitetos, tendo Diógenes Rebouças como um dos seus professores mais atuantes.

Entre 1953 e 1962, se graduaram pela UFBA os principais arquitetos atuantes no estado ao longo das décadas seguintes. Essa geração produziu obras que modernizaram a paisagem urbana de Salvador e de outras cidades da Bahia e de outros estados. Emmanuel Berbert e J. Álvaro Peixoto, graduados em 1953, assinaram, em Salvador, os projetos de mais de uma dezena de edifícios de escritórios, com destaque para o Edifício Desembargador Bráulio Xavier, na Praça Castro Alves (1964); realizaram também projetos importantes em Aracaju, como a Estação Rodoviária (1977) e o Fórum (1977).

Figura 03 -  Edifício Desembargador Bráulio Xavier, na Praça Castro Alves, em Salvador (Fonte: Acervo do Centro de Documentação e Referência da Odebrecht)

Enrique Alvarez, graduado em 1953, e Rodrigo Pontual, da turma de 1958, fundaram um dos mais longevos e prolíficos escritórios de arquitetura do estado, atuante ainda hoje como Alvarez Arquitetos Associados, com dezenas de projetos de edifícios comerciais e residenciais, além de obras como o Clube Português, na Pituba (1963) e a Biblioteca Central do Estado da Bahia (1970), nos Barris, este último em coautoria com Ulrico Zürcher, diplomado pela UFBA em 1965. O projeto da Biblioteca Central foi escolhido através de concurso público nacional de arquitetura, promovido em 1968. Newton Oliveira, graduado em 1956, e Luiz Fortunato Augusto da Silva, graduado em 1959, são autores do Edifício Fundação Politécnica (1968), situado entre a Avenida Sete de Setembro e a Rua Carlos Gomes.

Figura 04 - Projeto vencedor do concurso público nacional de arquitetura para a nova sede da Biblioteca Central do Estado da Bahia, nos Barris (Fonte: Acrópole, São Paulo, no 354, set. 1968)

Assis Reis, certamente o mais brilhante arquiteto desta geração, graduou-se em 1957 e é autor de projetos como o do Centro Médico Albert Schweitzer (1967), na Graça, dos edifícios residenciais Solar das Mangueiras (1975), na Ladeira da Barra, e Solar Itaigara (1977), e do edifício-sede da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (1977), na Avenida Paralela, além de inúmeras residências. Gilberbet Chaves também graduou-se em 1957 e é conhecido pelos projetos da residência do casal Jorge Amado e Zélia Gattai (1963), no Rio Vermelho, em Salvador, e do Fórum Ruy Barbosa (1971), em Itabuna.

Figura 05 - Edifício-sede da Companhia Hidroelétrica do São Francisco - CHESF, na Avenida Paralela, em Salvador (Foto: Niivaldo Andrade)

Arilda Cardoso, graduada em 1959, se firmaria como a principal arquiteta paisagista da Bahia. Autora de projetos como o da requalificação da Praça Dois de Julho, maisconhecida como Campo Grande (2003, em coautoria com a arquiteta Maria Angela Cardoso), Arilda também realizou diversos projetos de recuperação e refuncionalização de edifícios históricos, como o Hotel Catharina Paraguaçu (1996) e a Academia Villa Forma (2001), ambos no Rio Vermelho e dos quais é proprietária. Paulo Ormindo de Azevedo, também graduado em 1959, especializou-se em restauração de monumentos e conjuntos históricos urbanos na Università di Roma “La Sapienza” e realizou diversos projetos relevantes nesta área, como o Edifício Ipê (1965), na Rua Monte Alverne, no Centro Histórico de Salvador (CHS); a adaptação em pousada do Convento do Carmo, em Cachoeira (1981); a restauração do Mercado Modelo (1985) após sua destruição por um incêndio; e o Centro Cultural Dannemann (1989), em São Félix.

Figura 06 - Hotel Catharina Paraguaçu, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador (Fonte: Acervo Arilda Cardoso)

 

Figura 07 - Centro Cultural Dannemann em São Félix (Foto: Nivaldo Andrade)

Ary Penna Costa, Ary Magalhães, Armando Pontes, José Maria Drummond, James Farias e Sérgio Pinheiro Reis - todos graduados entre 1954 e 1960 - projetaram a sede do Departamento da Bahia do Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB-BA (1966), na Ladeira da Praça, no CHS. Itamar Batista, graduado em 1960, é autor de dezenas de projetos em Salvador e em Aracaju, com destaque para o Centro Médico Empresarial, na Avenida Garibaldi, em Salvador. Silvio Robatto e Alberto Fiúza, graduados em 1960 e 1962, respectivamente, são autores do projeto da sede do Yacht Clube da Bahia (1973). Robatto, junto com Jamison Pedra, graduado pela UFBA em 1965, projetou a lendária casa de Vinícius de Moraes (1974), em Itapuã.8

Além destes arquitetos graduados pela UFBA, merece menção o japonês Yoshiakira Katsuki, engenheiro-arquiteto pela Universidade de Waseda, em Tóquio, em 1961, e autor de projetos de excepcional qualidade como a Capela do Menino Jesus, em Itapetinga (1968), e as estações rodoviárias de Feira de Santana, Itabuna e Jequié (1967), todos elaborados em coautoria com Guarani Araripe e Alberto Hoisel, diplomados pela UFBA em 1962. À frente da U Arquitetura, nos anos 1970, Katsuki projetaria outras importantes obras em coautoria com o baiano Aurélio Miranda, o peruano Jorge Maldonado e o japonês Hisanori Moritaka. Dentre estas, merece destaque o emblemático Edifício Monsenhor Marques (1976), no Largo da Vitória, em Salvador.

Figura 08 - Capela do Meninos Jesus em Itapetinga (Foto: Nivaldo Andrade)

Deve-se registrar, ainda, a contribuição de Pasqualino Magnavita, engenheiro civil diplomado pela UFBA em 1951 e arquiteto graduado pela Università di Roma “La Sapienza” em 1964. Pasqualino é autor dos projetos de diversas residências, além de obras de maior porte, como o Edifício Nossa Senhora de Loreto (1961), nos Barris; o Seminário São João Maria Vianney (1973), na Federação, em coautoria com seu ex aluno Pedro Rosa Rocha, graduado pela UFBA em 1970, e o Centro de Educação Tecnológica da Bahia - CENTEC, atual sede do Instituto Federal da Bahia - IFBA, em Simões Filho (inaugurado em 1978 e projetado em coautoria com Otto Stenker, seu ex aluno, graduado na UFBA em 1973).

A presença na Bahia, entre o final dos anos 1950 e o final da década seguinte, de dois dos mais importantes arquitetos brasileiros da época também deixou marcas. Entre 1959 e 1964, a arquiteta de origem italiana Lina Bo Bardi, radicada em São Paulo, fundou e dirigiu o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), instalado, a partir de 1963, no conjunto do Unhão, restaurado por ela. Entre 1966 e 1968, o arquiteto e urbanista carioca Sérgio Bernardes elaborou, junto com o economista  baiano Rômulo Almeida, o Plano Diretor do Centro Industrial de Aratu (CIA), com a colaboração de arquitetos atuantes em Salvador, como Katsuki. O plano do CIA propunha criar uma nova centralidade para Salvador em uma localização menos excêntrica geograficamente que aquela da cidade colonial. Segundo Heliodorio Sampaio, o plano do Centro Industrial de Aratu defendia que “o centro tradicional assumiria a função turística, e deslocam-se para um novo-centro as funções de governo estadual e municipal, localizado nas imediações do Cabula.” (SAMPAIO, 1999, p. 234). Alguns dos colaboradores locais de Bernardes neste plano, como Katsuki, Miranda e Maldonado, seriam responsáveis, em 1973, pela elaboração do Plano Diretor do Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC), sob a coordenação de Katsuki.

Essa nova centralidade seria criada na primeira metade da década de 1970, a partir de uma série de iniciativas privadas e públicas. Por um lado, o Governo do Estado, durante a primeira gestão de Antônio Carlos Magalhães, transferiu todo o funcionalismo público estadual para uma nova área em local longínquo e desabitado: o novo Centro Administrativo da Bahia (CAB), construído entre 1972 e 1974 a mais de 10 quilômetros de distância do CHS. Por outro lado, a iniciativa privada construiu, em 1975, a meio caminho entre o CHS e o novo Centro Administrativo, o Shopping Center Iguatemi, o segundo do país, além de abrir, nas proximidades do novo centro comercial, uma série de loteamentos voltados às classes mais abastadas, como o Caminho das Árvores (1973) e o Itaigara (desenhado por Katsuki e equipe, em 1976). O Governo do Estado, por sua vez, inaugurou, nas proximidades do Shopping Iguatemi, uma nova Estação Rodoviária (projetada por Berbert e Peixoto e inaugurada em 1974). Diversas empresas se transferiram para o novo centro urbano, como, por exemplo, a Construtora Norberto Odebrecht e o jornal A Tarde (cuja nova sede também é projetada por Berbert e Peixoto em 1975). A criação dessas novas centralidades urbanas em áreas desocupadas e situadas a quilômetros daquela que abrigara, por mais de quatro séculos, o centro econômico e político de Salvador contribuiria de modo decisivo para o esvaziamento funcional do CHS, com impactos que podem ser percebidos ainda hoje.

Figura 09 - Estação Rodoviária de Salvador, vendo-se em segundo plano o Shopping Center Iguatemi (Fonte: Acervo do Centro de Documentação e Referência da Odebrecht)

Os edifícios construídos no CAB para abrigar as distintas repartições públicas contribuiram para a afirmação, na Bahia, de uma nova vertente da arquitetura moderna: o brutalismo, caracterizado pela exposição dos materiais de construção - especialmente do concreto -, tirando partido da sua expressão formal, e pela expressividade individual dos elementos estruturais, como pilares em concreto aparente de formas escultóricas e/ou vigas em concreto aparente que se prolongam em balanços, muitas vezes desprovidos de qualquer função estrutural. Numa primeira etapa de implantação do CAB, destacam-se projetos como a Secretaria de Planejamento, a primeira a ser construída, em 1973, a partir de projeto das arquitetas Arilda Cardoso e Isa Leal Meira; a Assembleia Legislativa, inaugurada em 1974, com projeto dos arquitetos Ary Magalhães, Maria do Socorro Fialho e Manoel Pedro de Rezende Maia, os dois últimos graduados pela UFBA em 1967 e 1965, respectivamente; e os diversos projetos concebidos pela equipe de arquitetos da Secretaria de Planejamento nestes mesmos anos, como as Secretarias de Transportes e Comunicações (hoje, de Infraestrutura), de Minas e Energia (atualmente, Secretaria de Segurança Pública), da Indústria e Comércio, de Saneamento e Recursos Hídricos e da Fazenda, a sede do Departamento de Estradas e Rodagens da Bahia - DERBA e o Quartel da Polícia Militar.

A melhor arquitetura do CAB, contudo, será aquela concebida na etapa seguinte pelo arquiteto carioca João Filgueiras Lima, mais conhecido como Lelé. Graduado pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1955, Lelé trabalhou com Oscar Niemeyer na construção de Brasília e desenvolveu, a partir dos anos 1960, uma série de pesquisas e projetos ainda hoje referenciais sobre a pré-fabricação na arquitetura. Convidado pelo então Secretário de Planejamento Mário Kértesz, Lelé projeta e constrói as sedes das demais Secretarias (1973), o Centro de Exposições (1974) - chamado de “balança” - e sua obra-prima: a Igreja da Ascenção do Senhor (1975). (LATORRACA, 1999)

Figura 10 - Perspectiva de uma das secretarias do Centro Administrativo da Bahia, em Salvador (Fonte: Acervo João Filgueiras Lima - Lelé)

 

Figura 11 - Perspectiva interna da Igreja da Ascenção do Senhor, no Centro Administrativo da Bahia, em Salvador (Fonte: Acervo João Filgueiras Lima - Lelé)

Se a arquitetura do novo Centro Administrativo tem na obra de Lelé sua expressão mais marcante , o novo centro de negócios da Avenida Tancredo Neves terá como símbolo máximo o singular edifício da Casa do Comércio, inaugurado em 1988 e projetado a partir de 1982 pelos arquitetos Jáder Tavares, Othon Gomes e Fernando Frank, graduados pela UFBA entre 1966 e 1967.9 Frank (apud NATIVIDADE, 2018) recorda que os contratantes haviam solicitado aos arquitetos  que concebessem “um prédio que significasse um marco, que representasse a espinha dorsal do desenvolvimento da cidade na área [...]. Com isso concebemos uma edificação que misturava dois processos construtivos, o concreto e o metal”. O engenheiro civil José Luiz Costa Souza (apud NATIVIDADE, 2018), autor do projeto estrutural, defende que “A Casa do Comércio abriu o marco de estruturas mistas no Brasil e mesmo após 30 anos se mantém atualizado”.

Figura 12 - Casa do Comércio Deraldo Motta, na Avenida Tancredo Neves, em Salvador (Fonte: http://bahiadevalor.com.br)

O edifício, com 58 metros de altura e caracterizado pelos volumes envidraçados em balanço recobertos por vegetação e pela estrutura metálica pintada na cor vermelha, reflete a então recente experiência prévia dos arquitetos com treliças metálicas, no projeto do Centro de Convenções da Bahia (1979), sob a coordenação do carioca Maurício Roberto. Gomes (apud NATIVIDADE, 2018) lembra que “Os críticos na época diziam que o prédio ia ser uma estufa de tão quente. Mas tínhamos as floreiras de bouganville, na época, que faziam todo esse controle térmico”.

 

A CRISE DA ARQUITETURA MODERNA E A “CONDIÇÃO PÓS-MODERNA”

O final dos anos 1970 e a década seguinte representam o ápice, no Brasil, da crise da arquitetura moderna e das críticas ao “urbanismo da modernidade”, no que foi chamado de “condição pós-moderna”. Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein (2010, p. 195) caracterizariam esse momento nos seguintes termos: 

No campo da arquitetura, alguns autores negam a existência dessa crise; outros a compreendem como o momento de finalização da modernidade, um beco sem saída de onde não vislumbravam caminhos alternativos. Destes, alguns passam a validar uma licenciosidade permissiva, autorizando o “vale tudo”, enquanto outros buscam refundar parâmetros por meio da revisão do passado, seja propondo um retorno a uma pretensa idade de ouro anterior à modernidade, seja revisitando a tradição vernacular. Esses e outros caminhos não compareciam em estado puro, mas tendiam a se interpenetrar e se hibridizar, conformando um momento de fermentação cultural bastante denso, confuso e sem um eixo principal.

Internacionalmente, os dois textos fundadores dessa “condição pós-moderna” no campo da arquitetura apareceram em 1966: Complexity and contradiction in architecture, publicado nos Estados Unidos por Robert Venturi, e L’architettura della città, publicado na Itália por Aldo Rossi. Através destes textos e de suas obras construídas nas décadas seguintes e difundidas internacionalmente, Venturi e Rossi representarão duas das principais vertentes da chamada “arquitetura pós-moderna”: a primeira ancorada no pop e no kitsch, e a segunda na arquitetura das cidades entendidas como construções coletivas e em seus monumentos e permanências. No Brasil, um grupo de arquitetos mineiros, liderado por Éolo Maia, Sylvio de Podestà e Jô Vasconcellos, vai assumir um papel de liderança na arquitetura pós-moderna - a chamada “pós-mineiridade” -, a partir de meados dos anos 1980.

Para Bastos e Zein (2010, p. 221), “chamar de ‘pós-moderno’ a qualquer debate e/ou arquitetura acontecidos no Brasil antes de 1981-1982 é um exercício de futurismo retroativo”. Apesar disso, podemos encontrar na Bahia, mais precisamente em Feira de Santana, uma obra singular que pode ser considerada um importante precedente da arquitetura pós-moderna na Bahia: o Complexo Turístico Carro de Boi, inaugurado em 1975 e formado pelo Restaurante Carro de Boi e pela Boate Jerimum, ambos exemplares sintomáticos do processo de incorporação de referências da cultura local à arquitetura. O restaurante é um elogio à cultura popular nordestina, com paredes de sopapo e de alvenaria de pedra e cobertura em telhas cerâmicas, com estrutura em tesouras de madeira que possuem rodas de carroça no lugar dos montantes e das diagonais. A Boate Jerimum, por sua vez, com sua volumetria de abóbora, é a mais perfeita expressão do que Robert Venturi, Denise Scott Brown e Steven Izenour (2003, p. 118), em texto originalmente publicado em 1977, denominariam de pato: “a edificação especial que é um símbolo”,  cumprindo assim o seu papel de resgatar “o simbolismo esquecido da forma arquitetônica”. Amorim não é um jovem recém-formado, mas um experiente arquiteto que, graduado pela UFBA em 1956, teve um papel fundamental na consolidação da arquitetura moderna em Feira de Santana, com inúmeros projetos de residências e diversas obras de maior porte, como o Clube de Campo Cajueiro (1965) e edifícios comerciais como o Centro Empresarial Mandacaru e a Casa das Lâmpadas. O Complexo Turístico Carro de Boi é, ademais, um empreendimento pessoal do arquiteto-empresário.

Figura 13 - Boate Jerimum em Feira de Santana (Foto: Nivaldo Andrade)

Um pós-modernismo de cores fortes irá contaminar, a partir da década de 1980, a produção de arquitetos baianos já experientes. O veterano Assis Reis abandonará o tijolo aparente e os revestimentos cerâmicos em tons suaves que caracterizaram sua obra nas décadas anteriores e, no projeto do Tribunal de Justiça da Bahia (1997), no CAB, adotará uma fachada branca e laranja, que dará ao edifício a alcunha de Sukitão. O mesmo caráter monumental e de monótona repetição de formas arquetípicas - que ecoa obras de Aldo Rossi, como o complexo residencial de Gallaratese (1972), na periferia de Milão - aparece nos pórticos concebidos por Assis Reis no âmbito do projeto de requalificação da Praça da Inglaterra (1998), no Comércio.

Figura 14 - Desenho do arquiteto Assis Reis para a fachada principal da sede do Tribunal de Justiça da Bahia, no Centro Administrativo da Bahia, em Salvador (Fonte: Acervo Assis Reis)

Luiz Humberto de Carvalho, graduado pela UFBA em 1973, e Neilton Dorea, diplomado pela mesma instituição um ano depois, realizaram em sociedade, a partir de 1976, dezenas de projetos que se vinculavam, em linhas gerais, à arquitetura brutalista então vigente. Nos anos 1990, já desfeita a sociedade, a produção projetual dos dois arquitetos, e especialmente a de Dorea, assume cores vibrantes, como roxo, verde, rosa e amarelo, em um processo de descoberta das possibilidades cromáticas da arquitetura, como se pode perceber nas residências Carlos Andrade (1996) e Ivano Colombo (1998). A liberdade criativa com formas e cores na arquitetura de Dorea pode ser percebida tanto em projetos de menor porte, como as inúmeras casas saídas de sua prancheta, quanto em projetos de grande escala, como as Estações Brotas e Acesso Norte da linha 1 do Metrô de Salvador, projetadas em 2002 e inauguradas em 2014, com suas coberturas abobadadas e estruturas metálicas pintadas nas cores amarela, azul, vermelha e laranja.

Figura 15 - Residência Carlos Andrade (Fonte: Acervo Neilton Dorea)

 

Figura 16 - Residência Ivano Colombo (Fonte: Acervo Neilton Dorea)

 

Figura 17 - Estação Brotas da linha 1 do Metrô de Salvador (Fonte: Portal da Copa / Creative Commons)

Da mesma geração, Fernando Peixoto, graduado pela UFBA em 1969, produzirá, a partir da segunda metade da década de 1980, um série de edifícios residenciais e comerciais que se caracterizarão pelos volumes simples - em geral, paralelepípedos verticais - e pela adoção, nos revestimentos internos e externos, de “materiais disponíveis no mercado e com preços acessíveis”. Peixoto justifica suas escolhas afirmando que o custo é “um fator determinante para o sucesso do empreendimento. Porém, ao serem utilizados de formas não convencionais, [os materiais correntes] se tornaram interessantes e diferenciados”, nas palavras do próprio arquiteto (apud RUTMAN, 2011).

Nas últimas décadas, a arquitetura de Peixoto ganhou reconhecimento nacional e internacional pelas composições geométricas e coloridas adotadas nos revestimentos cerâmicos das fachadas, tratadas como telas. Como recorda o arquiteto francês Richard Scoffier (2009, p. 186-188, grifos nossos), “A fachada possui tradicionalmente duas funções estreitamente imbricadas: a de enunciar claramente a função do edifício deixando transparecer a sua interioridade através de suas aberturas; a de explicar como a construção se erige opondo-se às leis da gravidade.”:

[...] Opaca e perfurada ou totalmente envidraçada, a fachada moderna procede sempre da transparência, fenomenal ou literal [...] e não procura pôr em causa a existência de uma profundidade espacial. [...]

Em oposição, a arquitetura contemporânea substitui definitivamente a lógica da profundidade pela da tela que esconde, mascara, desinforma: apartamentos que se afirmam como escritórios, invólucro que se recusa a dar qualquer indício sobre a maneira pela qual a obra foi construída. Esconder, induzir em erro, mas também mentir, trair: tais são as virtudes preconizadas pela estética e pela ética arquitetônica contemporânea, a fim de manter o espectador ignorante dos procedimentos de fabricação do mais singelo objeto, quase sempre tão complexos que se tornam inexplicáveis ou impossíveis de resumir. A tela  tende a tornar-se uma zona autônoma sem ligação com o que ela envolve. Ela se oferece a todas as formas de customização assim como à contaminação e à colonização de significações totalmente estranhas à construção que ela protege. Ela provém de uma cultura da carroceria, da carenagem [...].

Os primeiros exemplares dessa expressão arquitetônica na obra de Peixoto são os edifícios comerciais do Loteamento Cidadela, construídos na segunda metade dos anos 1980 nas proximidades do Shopping Center Iguatemi. Na década seguinte, merece destaque o Edifício do Centro Empresarial Previnor (CEMPRE), na Avenida Tancredo Neves, e, mais recentemente, o Web Hotel (2002), atual Connect Smart Hotel, ao lado do Shopping Center Iguatemi. Neste último, o conceito de fachada-tela incorpora a técnica do trompe l’oeil, aproximando a arquitetura da op art. Nas palavras de Peixoto (apud RUTMAN, 2011),

As fachadas em cerâmica e vidro simulam um relevo que, com pequenas variações de tom, tornam a imagem externa do prédio um destaque na paisagem e de forte identificação. O acréscimo de cores ao desenho, com igual intensidade do cinza de referência, enriquece a composição sem quebrar a homogeneidade e o impacto do conjunto. [...] A regularidade das fachadas, sem reentrâncias ou saliências, otimizam o custo de construção sem resultarem desinteressantes.

Figura 18 - Edifícios comerciais do loteamento Cidadela, em Salvador (Fonte: Acervo Fernando Peixoto)

 

Figura 19 - Web Hotel, na região do Iguatemi, em Salvador (Fonte: Acervo Fernando Peixoto)

A obra de Peixoto se insere em uma tradição arquitetônica que, segundo Venturi, Scott Brown e Izenour (2003, p. 30), remonta ao antigo Egito, mas que os arquitetos modernos haviam abandonado:

[...] uma tradição iconológica em que a pintura, a escultura e o grafismo se combinavam com a arquitetura. Os delicados hieróglifos sobre um arrojado pilono egípcio, as inscrições arquetípicas de uma arquitrave romana, as procissões em mosaico em Sant’Apollinare, as tatuagens ubíquas sobre uma capela de Giotto, as hierarquias incrustadas em torno de um portal gótico, até mesmo os afrescos ilusionistas de uma vila veneziana, todos contêm mensagens que vão além de sua contribuição ornamental ao espaço arquitetônico.

Segundo o artista plástico Emanuel Araújo (2011), um edifício de Peixoto é “como uma gigante escultura”, e o arquiteto “sabe de sua contribuição para a arquitetura baiana, de quanto ele tem provocado com seus blocos riscados com formas geométricas tensas, de cores quentes, uma espécie de arte optical ou ilusionista de grandes dimensões.”

Mais recentemente, com o projeto do Shopping Paralela, inaugurado em 2009 na avenida homônima, Fernando Peixoto reafirma, a nosso ver, a sintonia de sua arquitetura com a “condição pós-moderna” tão bem caracterizada por Venturi, Scott Brown e Izenour (2003, p. 31-40), defensores da “iconologia contínua da arte comercial popular, a heráldica persuasiva que permeia nosso ambiente”, bem como “o valor da arquitetura representacional ao longo das rodovias”:

Essa arquitetura de estilos e signos é antiespacial; é uma arquitetura mais de comunicação do que se espaço; a comunicação domina o espaço como um elemento na arquitetura e na paisagem. Mas é para uma nova escala de paisagem. [...] A persuasão comercial do ecletismo de beira de estrada provoca um impacto audacioso no marco vasto e complexo de uma nova paisagem de grandes espaços, altas velocidades e programas complexos. Estilos e signos fazem conexões entre muitos elementos, bem distantes e vistos depressa. A mensagem é rasteiramente comercial; o contexto é basicamente novo.

[...] são os cartazes da estrada, por meio de suas formas esculturais ou silhuetas pictóricas, com sua posição especifica no espaço, suas formas inclinadas e seus significados gráficos que identificam e unificam a megatextura. Eles fazem conexões verbais e simbólicas através do espaço, comunicando uma complexidade de significados mediante centenas de associações feitas em poucos segundos e à distância. O símbolo domina o espaço. A arquitetura não é suficiente.

O que é o imenso cubo vermelho rotacionado que assinala o acesso principal de pedestres ao Shopping Paralela senão uma signo produzido para ser lido em alta velocidade em um espaço amplo, uma forma escultural inclinada que comunica uma complexidade de significados mediante centenas de associações feitas em poucos segundos e à distância, uma arquitetura-letreiro adequada à velocidade do automóvel?

Figura 20 - Shopping Paralela, na Avenida Paralela (Fonte: metro1.com.br)

A apreciação crítica da obra de Fernando Peixoto tem, desde os anos 1990, dividido os especialistas. Em 1995, Pasqualino Magnavita publicou, em uma das principais revistas especializadas do país, um artigo defendendo que a arquitetura de Peixoto seria “uma inusitada e lúdica transgressão dos rituais da arquitetura tradicional e moderna” e que seria um reflexo do contexto cultural soteropolitano à época, quando a axé music e grupos percussivos como o Olodum ganhavam destaque no cenário nacional e internacional. Para Magnavita (1995, p. 84), a arquitetura de Peixoto traria, de forma inovadora e inédita, referências à cultura africana para a arquitetura erudita e comercial, através da utilização da cor: “as fortes imagens visuais que as fachadas dessas edificações transmitem [...associam-nas à...] permissividade do contexto cultural baiano [...], isto é, o conjunto de valores e estímulos sensoriais e estéticos inerentes ao repertório da cultura afro em suas manifestações.”

Esse reconhecimento da obra de Peixoto não foi unânime, como reconhece Magnavita, que lembra que,

Para a grande maioria dos professores e arquitetos, na época, engajados nas práticas de arquitetura, o conjunto arquitetônico do autor, denominado Cidadela, foi considerado “uma brincadeira de mau gosto, uma negação da verdadeira arquitetura". Entretanto, tal conjunto arquitetônico surpreendeu a cidade, o cidadão comum, os pedestres, os motoristas. Para a academia e o mercado imobiliário dominante e conservador tal empreendimento foi considerado um despropósito, um absurdo.  Para o mercado emergente e de menor tradição imobiliária, provavelmente um achado. Para o senso comum que constitui a maioria da população, a imagem criada por Fernando Peixoto com suas arquiteturas, um estímulo visual na paisagem urbana de Salvador, uma alegria colorida. (MAGNAVITA, 2003, p. 18)

Alberto “Chango” Cordiviola, professor da Faculdade de Arquitetura da UFBA, escreveu na mesma época um artigo, em réplica àquele de Magnavita, que permanece até hoje inédito. Neste artigo, Cordiviola (1995) defendia que a arquitetura de Peixoto nada mais era que uma arquitetura de consumo, produto, mercadoria, que “vende localização”, “vende o efêmero espaço da moda”. Para ele, “sua lógica não está no prédio mas na localização do prédio”:

Quando se reivindica a revalorização da cor nesta arquitetura como mérito; quando se pretende achar valores culturais nesta ‘re-descoberta’ cromática, se esquece que esta mesma arquitetura foi durante anos branca e preta. [...] Não mudaram os arquitetos nem a força cultural da ‘bahianidade’ os transformou à sua revelia; mudou a mídia. A veiculação ficou colorida. O caderno imobiliário do jornal A Tarde junto à vulgarização da TV a cores. (CORDIVIOLA, 1995)

Vinculada ou não à cultura afro-baiana, o fato é que a arquitetura de Peixoto marcou e marca a paisagem urbana de Salvador nas últimas décadas do século XX e nas primeiras décadas do século XXI, mesmo tratando-se - e aí não está qualquer demérito, ao contrário - de produção corrente, vinculada ao mercado imobiliário e, portanto, limitada em termos de custos e, consequentemente, de possibilidades de experimentação formal.

Seu reconhecimento, a partir do final dos anos 1980, pode ser medido pelos fatos de ter representado oficialmente a arquitetura brasileira na 5a Bienal de Arquitetura de Veneza, em 1991, a convite do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, junto com o arquiteto paulista Ruy Ohtake, e de ter concebido, em 2008, o projeto da sede da Vale Internacional, em Saint-Prex, na Suíça, inaugurada dois anos depois. Apesar dessa reverberação da obra de Peixoto no exterior, via de regra ela não é contemplada nas publicações que se propõem a analisar a produção arquitetônica contemporânea brasileira (por exemplo, BASTOS & ZEIN, 2010).

 

LELÉ E A INDUSTRIALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO

Entre 1992 e 1994, foi implantado, na Avenida Tancredo Neves, em Salvador, o Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS), através de contrato de gestão firmado entre a Associação das Pioneiras Sociais e o Ministério da Saúde. Fruto da colaboração de Lelé com o médico Aloysio Campos da Paz Jr., fundador da Rede Sarah de Hospitais do Aparelho Locomotor,e dando continuidade a uma parceria que se iniciara em 1980, com o projeto do Hospital Sarah de Brasília, o CTRS tratá para Salvador um papel central na produção arquitetônica brasileira pelas décadas seguintes. Com uma área construída total de quase 20 mil metros quadrados, o CTRS teve um custo total de implantação de 18 milhões de reais e abrigava oficinas de metalurgia pesada e leve, de marcenaria e de fabricação de elementos em argamassa armada, de componentes plásticos e de peças em fibra de vidro. A partir do CTRS, a equipe multidisciplinar coordenada por Lelé executou Hospitais da Rede Sarah em Salvador (inaugurado em 1994), Belo Horizonte (1997), Fortaleza (2001), Brasília (a nova unidade do Lago Norte, inaugurada em 2003) e Rio de Janeiro (o Centro de Reabilitação Infantil, em 2002, e o Centro Internacional de Neurorreabilitação e Neurociências, em 2009), além do auditório do Centro de Estudos do Sarah Brasília (1997) e do Posto Avançado da Rede Sarah em Macapá (2005) (LIMA, 1999, 2012).10 Esses equipamentos foram projetados e pré-fabricados no CTRS, em Salvador, e suas peças transportadas para estas cidades, onde foram finalmente montados.

Através do CTRS, Lelé propunha atuar em todo o ciclo de vida dos edifícios hospitalares, do projeto à construção e, posteriormente, à manutenção e atualização às eventuais modificações de funcionamento, decorrentes da constante introdução de novas tecnologias. Pressupunha ainda o desenho, fabricação e manutenção de equipamentos e mobiliário de todos os hospitais da Rede Sarah, como a cama-maca.

Figura 21 - Centro de Tecnologia da Rede Sarah, em Salvador (Fonte: Acervo João Filgueiras Lima - Lelé)

O Sarah Salvador, primeiro hospital concebido por Lelé com um sistema construtivo misto que adota o aço na estrutura e na cobertura e peças leves e pré-moldadas de argamassa armada nos demais elementos, foi construído na Avenida Tancredo Neves, com 28 mil metros quadrados, e inaugura uma série de características que, com variações tipológicas e formais, definirão a personalidade dos hospitais da rede, sendo adotados nas demais unidades do Nordeste. A iluminação e a ventilação naturais reduzem o consumo energético e dispensam, na quase totalidade dos espaços, o sistema de ar condicionado, grande vetor de contaminação e de infecções em hospitais. Uma rede de galerias de serviços instaladas no subsolo do edifício abrigam não somente as redes de infraestrutura predial, mas também um sofisticado sistema de resfriamento através de lâminas de água e de insuflamento de ar nos ambientes do hospital, por meio de pequenos dutos contidos nas paredes, que reduz a temperatura em até dois graus centígrados. Os sheds ondulados em chapas metálicas da cobertura do hospital, com aberturas voltadas para a direção dos ventos dominantes, contribuem, por efeito de sucção, na extração do ar dos ambientes, além de estabelecer uma imagem marcante para o edifício. Trata-se de uma edificação sustentável e adequada ao clima local, que, ademais, devido ao sistema construtivo baseado na pré-fabricação, reduz custos e tempo de montagem, e que recebeu o grande prêmio na I Bienal Ibero-Americana de Arquitetura e Engenharia Civil, em 1998.

Figura 22 - Hospital Sarah Salvador (Fonte: Acervo João Filgueiras Lima - Lelé)

Após o desligamento do CTRS - hoje, praticamente fechado -, Lelé criou, em 2009, o Instituto Brasileiro de Tecnologia do Habitat (IBTH), sem fins lucrativos, em Salvador, onde coordenou uma equipe multidisciplinar responsável por elaborar projetos inovadores, como o da sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) - 5a Região (2009) e duas propostas-piloto visando aperfeiçoar o Programa Minha Casa, Minha Vida - MCMV (2011), o maior programa habitacional patrocinado pelo Estado brasileiro em sua história.

O projeto da sede do TRT para um terreno íngreme no Centro Administrativo da Bahia parte do pressuposto de reduzir ao máximo o impacto na vegetação existente no vale e os custos com terraplenagem. Assim, o complexo arquitetônico, com um total de 130 mil metros quadrados de área construída, se organiza em seis torres cilíndricas que abrigam a 1a e a 2a Instância e a administração do TRT, cada uma delas estruturada em um único núcleo central em estrutura mista (metálica e bloco de concreto) que abriga a circulação vertical e a distribuição das instalações prediais. Além das seis torres, o projeto prevê outros dois pavilhões, também de planta circular, mas de menor altura, correspondentes ao auditório e à Sala de Sessões, esta última acoplada à torre da 2a Instância. Um conjunto de passarelas envidraçadas no nível da via de acesso conecta os oito pavihões entre si e à rua, criando um sistema de 200 metros lineares de circulação.

Figura 23 - Projeto para o Tribunal Regional do Trabalho - 5a Região, no Centro Administrativo da Bahia, em Salvador (Fonte: Acervo João Filgueiras Lima - Lelé)

Os projetos para o MCMV seriam executados em estrutura mista metálica e de argamassa armada, análoga àquela adotada na Rede Sarah de Hospitais. A peça mais pesada pesaria cerca de 86 kg, o que permitiria seu transporte por dois operários. A proposta era montar uma mini-usina em cada local, denominada por Lelé  de “Centro de Produção Local de Argamassa Armada”, que teria capacidade para atender uma demanda de 300 unidades e uma população de 2.000 a 2.500 pessoas. A mini-usina teria capacidade para construir 40 apartamentos em 45 dias e seria, ao final da obra, desmontada, transportada e remontada em outro local.

As propostas-piloto foram desenvolvidas para dois terrenos distintos em Salvador: um, íngreme, em Pernambués, e outro, plano, em Cajazeiras. Os projetos-piloto desenvolveram soluções para terrenos específicos mas que pretendiam poder ser adaptadas para diversas outras situações, em todo o país. No caso terreno plano em Cajazeiras, o projeto previa dois blocos horizontais de quatro pavimentos cada, sem elevador, abrigando um total de 40 apartamentos com área útil de 37,19 metros quadrados cada. Já no terreno íngreme em Pernambués, a mesma solução dos blocos de apartamentos de quatro pavimentos, abrigando 240 unidades, seria associada a 94 casas geminadas sobre palafitas, implantadas na encosta através de patamares sucessivos interligados por escadas drenantes. A solução das casas geminadas permitia, a partir de um módulo mínimo térreo de 32,80 metros quadrados de área de construção, uma extensibilidade vertical até quatro pavimentos. As casas geminadas possuiriam flexibilidade interna, respeitando a posição da parede que abrigaria as instalações hidrossanitárias. Nas palavras de Lelé, uma “Alternativa inspirada na própria cultura de ocupação existente nas favelas da cidade em que cada unidade se amplia verticalmente para se ajustar a eventuais mudanças do respectivo programa familiar.” (apud SILVA, 2017, p. 121) O projeto para Pernambués incluía, ainda, um plano inclinado, semelhante àquele construído anos antes por Lelé no Hospital Sarah Salvador, e que, aqui, venceria os 40 metros de desnível entre as vias urbanas e o topo da ocupação, facilitando a circulação dos moradores.

Figura 24 - Projeto de complexo habitacional para o Programa Minha Casa Minha Vida, no bairro de Pernambués, em Salvador (Fonte: Acervo João Filgueiras Lima - Lelé)

Os projetos do TRT e do MCMV, contudo, não tiveram continuidade. Dos oito pavilhões previstos no projeto do TRT, somente um foi finalizado, após longos percalços e embates entre a construtora vencedora da licitação e a equipe do IBTH e depois do Tribunal de Contas da União deliberar pelo cancelamento do contrato de gestão da obra pelo IBTH. Mesmo a única torre finalizada do projeto do TRT jamais chegou a ser ocupada, e, recentemente, foi cedida ao Tribunal Regional Eleitoral, seu vizinho, do qual virá a se constituir em um anexo. O projeto do MCMV, por sua vez, ainda que tenha sido solicitado a Lelé pela então presidenta Dilma Rousseff, foi arquivado sem que o IBTH recebesse qualquer remuneração pelo projeto devido ao lobby das empreiteiras, sem interesse nas inovações tecnológicas propostas pelo arquiteto e na redução do custo das unidades habitacionais, que passaria dos 46 mil reais adotados pelo Programa MCMV para 28 mil na proposta de Lelé. (SILVA, 2017)

A colisão com os interesses das empreiteiras inviabilizou a maior parte dos projetos do IBTH, que cessou a maior parte de suas atividades em 2013.

As soluções arquitetônicas e construtivas dos projetos de Lelé foram sendo aperfeiçoadas ao longo dos anos. As diversas soluções obtidas pelo arquiteto a partir de um mesmo conjunto de elementos em aço e argamassa armada podemss ser comparada com o xadrez, como na analogia feita pelo arquiteto mexicano Carlos Mijares, para quem, “Com os mesmos princípios, as mesmas peças, os mesmos movimentos e o mesmo tabuleiro, é possível jogar cada vez uma partida distinta”, pois “Os verdadeiros sistemas são estruturas abertas, razão pela qual são capazes de gerar um infinito repertório de possibilidades, nas quais, em cada obra específica, se elegem e se mostram apenas algumas.” (apud LÓPEZ PADILLA, 2011, p. 90, tradução nossa)

 

A PERMANÊNCIA DO MODERNO: AS NOVAS GERAÇÕES

Para as críticas de arquitetura Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein (2010, p. 380), “Muito se fala da retomada ou revalorização do moderno na arquitetura contemporânea brasileira.” Elas destacam, contudo, que “[...] a reabilitação do moderno é um fenômeno universal que foi estimulado também por diversos estudos que atualizaram o movimento segundo a visão contemporânea, ressaltando sua complexidade, diversidade e inserção na tradição disciplinar [...].”

Entre outubro de 2005 e janeiro de 2006, no âmbito da programação do Ano do Brasil na França, o Ministério da Cultura brasileiro promoveu, na Cité de l’architecture et du patrimoine, em Paris, a exposição “Ainda moderno? Arquitetura brasileira contemporânea”.  No texto de abertura do catálogo da exposição, publicado em edição bilíngue português/francês, os curadores Lauro Cavalcanti e André Corrêa do Lago (2005, p. 09) explicavam que a exposição se organizava a partir da tentativa de “identificar a relação da nova geração de arquitetos com o legado dos ‘mestres’ nacionais” da arquitetura moderna, entendida como aquela produzida entre 1930 e 1960. Para eles,

Ao contrário de alguns países nos quais grupos almejam cristalizar um modernismo nostálgico e formalista, essa nova geração brasileira pratica o que poderíamos chamar de um ‘modernismo em movimento’. Sem ilusões ou desejo de recuperar um passado glorioso, sua releitura serve, apenas, de base inicial para explorar novos contextos e experimentar novas combinações e tecnologias.

Algumas obras produzidas recentemente na Bahia por arquitetos graduados na UFBA nos últimos anos do século XX ou nos primeiros anos do novo milênio parecem confirmar a “retomada ou revalorização do moderno na arquitetura contemporânea brasileira” ressaltada por Bastos e Zein.

Adriano Mascarenhas graduou-se pela UFBA em 1998 e, após colaborar com arquitetos locais mais experientes, como Lucinei Caroso Neiva e David Bastos, abriu, em 2008, o escritório Sotero Arquitetos. A primeira grande obra pública da Sotero Arquitetos foi a sede do Tecnocentro (inaugurado em 2012), um Parque Tecnológico implantado pelo Governo do Estado da Bahia em uma gleba da Avenida Paralela visando abrigar empresas e instituições de pesquisa dedicadas ao desenvolvimento de produtos e processos inovadores no campo da tecnologia. 

Figura 25 - Edifício-sede do Tecnocentro, visto a partir da Avenida Paralela (Fonte: Acervo Sotero Arquitetos. Foto: Leonardo Finotti)

A sede do Tecnocentro é formada por duas alas laterais prismáticas, com quatro pavimentos cada, articuladas por um elemento conector central: uma caixa vermelha, no nível do quarto pavimento, que abriga a administração central do Parque e que desfruta de uma magnífica vista. Essa caixa está apoiada sobre um conjunto de pilares em concreto aparente e com seção circular. Para resistir aos esforços de flambagem decorrentes dos 16 metros de altura que elevam a caixa vermelha do nível térreo, estes pilares foram travados por vigas horizontais e diagonais, que recebem ainda as cargas das três passarelas que atravessam diagonalmente a floresta de pilares, conectando as duas alas laterais.

Além de garantirem a singularidade da edificação e a transformarem num marco arquitetônico discernível desde a Avenida Paralela, a assimetria e complexidade espacial dos elementos articuladores centrais – a caixa vermelha da administração, as três passarelas diagonais e a floresta de pilares e vigas que as apoiam – se contrapõem à ortogonalidade, ao rigor geométrico e à aparente simetria das duas alas laterais, com quatro pavimentos. Essa simetria também é rompida pela inserção, na ala nordeste, de uma torre cilíndrica destinada aos elevadores e à escada.

O edifício está elevado sobre pilotis, permitindo que o pavimento térreo, livre, se articule com a grande praça escalonada situada a sul do edifício. Esta praça abriga os volumes autônomos e semienterrados correspondentes aos serviços de apoio – restaurante, academia e biblioteca –, todos perfeitamente integrados à densa mata preexistente.11

Frente às elevadas umidade e temperatura de Salvador, Mascarenhas, mostrando ter aprendido a lição de Lelé, optou por adotar uma série de soluções visando aproveitar a iluminação e a ventilação naturais. O corredor que é habitualmente utilizado nos edifícios de escritórios de Salvador, estreito e confinado, sem iluminação ou ventilação natural, foi substituído aqui, em cada uma das alas laterais, por uma circulação ao redor de um pátio central, criando uma sensação de amplitude e continuidade espacial. Esse pátio encontra-se sobre um jardim e está encimado por uma cobertura translúcida sutilmente elevada com relação à cobertura das salas, que impede a incidência direta do sol, ao mesmo tempo em que garante a iluminação zenital e a ventilação cruzada, através do efeito chaminé.

Outros elementos de controle climático são os brises12 horizontais, empregados nas extremidades das alas laterais e na torre de circulação vertical, e a fachada ventilada das alas laterais, resultantes da criação de um colchão de ar entre a parede de alvenaria interna e o revestimento cerâmico adotado na fachada. Foram ainda instaladas placas solares sobre a cobertura e um sistema de reaproveitamento de águas pluviais nas descargas dos sanitários e na irrigação dos jardins. A cobertura é outro elemento marcante e que também possui um papel importante na qualidade ambiental do edifício, seja porque se projeta em balanço, minimizando a incidência direta do sol sobre as fachadas externas, seja porque se eleva com relação à laje de cobertura do último pavimento, criando um colchão de ar.

Admirador de arquitetos contemporâneos como o italiano Renzo Piano, cuja obra é caracterizada pela sofisticação tecnológica, Mascarenhas reconhece, após a conclusão deste que foi seu primeiro projeto público de grande envergadura, o imenso desafio que é garantir, em um contexto brasileiro e, mais especificamente baiano, que a obra seja construída  seguindo rigorosamente o projeto arquitetônico, tendo em vista a contratação de obras públicas por menor preço e que, via de regra, o trabalho do arquiteto se encerra na entrega do projeto, sem qualquer participação na etapa de construção. diferentemente do que ocorre em outros países. Apesar disso, o resultado final do Tecnocentro é uma arquitetura leve e provocadora, que retoma a tradição de edifícios governamentais de qualidade arquitetônica, como aqueles anteriormente construídos no CAB nos anos 1970, já citados.13

Dois anos depois, em 2014, outra obra de Mascarenhas, com programa, escala, contexto e materialidade absolutamente distintos, ratifica a influência dos mestres da arquitetura moderna na sua obra. A Casa do Bomba, construída no Vale do Capão, no município de Palmeiras, na Chapada Diamantina, se vincula à melhor tradição da arquitetura brutalista paulista de nomes como Paulo Mendes da Rocha, com sua expressiva estrutura em concreto aparente, que explicita as marcas das formas.14

Figura 26 - Casa do Bomba, no Vale do Capão, na Chapada Diamantina (Fonte: Acervo Sotero Arquitetos. Foto: Leonardo Finotti)

Sergio Ekerman, graduado pela UFBA em 2001, colaborou, no início da atividade profissional, com seu tio, Paulo Ormindo de Azevedo, em projetos como o de restauração e conversão em museu da Santa Casa de Misericórdia, um dos edifícios mais importantes do CHS,  tombado pelo Instituto do Patrimõnio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Pesquisador da obra de Lelé15, sua obra se caracteriza pela expressividade do concreto aparente, adotado em obras como o singelo Memorial do Holocausto (2007), no Cemitério Israelita da Bahia, na Baixa de Quintas, e a sede e sinagoga da Sociedade Israelita da Bahia (projeto de 2011, em execução), na Pituba.16 No edifício Macapá 255 (2014), em Ondina, construído para abrigar os escritórios de vários membros de uma mesma família, Ekerman adota, pela primeira vez, estrutura pré-fabricada em concreto, com vedações em alvenarias de tijolo aparente, enquanto, nos fundos do lote, fabricados in loco, estão os blocos de serviços, abrigando copa, sanitário e vestiário, e a torre de circulação, contendo escada, elevador e reservatório. O resultado é simples porém caracterizado pela modulação e pelo rigor construtivo, que denotam a influência de Lelé em sua obra.

Figura 27 - Memorial do Holocausto, no Cemitério Israelita da Bahia, em Salvador (Fonte: Acervo Sergio Ekerman. Foto: Leo Azevedo)

 

Figura 28 - Edifício Macapá, em Ondina, em Salvador (Fonte: Acervo Sergio Ekerman. Foto: Patrícia Almeida)

O escritório Dendê Arquitetura foi fundado em 2012 pelos arquitetos Akemi Tahara, Maurício Lins e Gustavo Pinheiro, todos graduados pela UFBA, ela em 2003 e eles em 2007.  Akemi e Gustavo trabalharam diretamente com Lelé no IBTH entre 2009 e 2011, em projetos como o do TRT. Seu projeto mais representativo é o Módulo I do Fórum de Itabuna (2014), no qual a estrutura em concreto aparente e os brises e elementos vazados da fachada sudoeste deixam clara sua vinculação à tradição arquitetônica moderna brasileira.

Figura 29 - Módulo I do Fórum de Itabuna (Fonte: Acervo Dendê Arquitetura. Foto: Manuel Sá)

 

O LABORATÓRIO SETE43: EXPERIMENTAÇÃO FORMAL E CELEBRAÇÃO DA MATÉRIA

A partir de 1992, funcionou em Salvador um escritório de arquitetura que, em apenas duas décadas de atividade, provocou na arquitetura baiana os efeitos de um furacão. Fundado por Naia Alban, graduada pela UFBA em 1985 e doutora em arquitetura pela Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Madrid (ETSAM) em 1994, e pelo artista e cenógrafo Moacyr Gramacho, premiado diretor de arte de filmes e espetáculos teatrais e musicais17, o Sete43 poderia ser caracterizado mais como um laboratório de arquitetura que como um escritório no sentido tradicional, com seus projetos irreverentes, em que os materiais são apropriados de formas inusitadas e a experimentação formal é impregnada de referências seja à arquitetura moderna, seja àquela colonial, seja ainda às várias vertentes do pós-modernismo arquitetônico, no que os críticos de arquitetura Lauro Cavalcanti e André Corrêa do Lago (2005, p. 183) muito acertadamente denominaram de “desconstrutivismo irônico”. Algo assim  como se Zaha Hadid e Robert Venturi se encontrassem na rua da Mouraria, em pleno centro de Salvador e onde se localizava a sede do Sete43, pra comer umas lambretas...

Parafraseando a interpretação que Rafael Moneo (2008, p. 326) faz da arquitetura da dupla de arquitetos suíços Jacques Herzog e Pierre De Meuron, podemos dizer que a produção do escritório Sete43 “explora o potencial formal dos materiais” em “uma celebração da matéria”, entendendo que “o substancial da arquitetura é fazer os materiais falarem”. Do mesmo modo que na obra de Herzog & De Meuron, a atração dos arquitetos do Sete43 pelos materiais

[...] é ecumênica: não exclui aqueles produzidos pela indústria. Assim, ao lado de projetos nos quais os materiais parecem celebrar sua origem natural, sua procedência telúrica, há muitos outros em que os arquitetos revelam um interesse em assimilar o artificial, aquilo que um mundo governado pela indústria pode oferecer. (MONEO, 2008, p. 326)

A exploração do potencial formal e a experimentação com os materiais pode ser percebida na coberturas leves executadas em metalon e policarbonato, como na marquise em forma de besouro na entrada da Escola Lua Nova (2004), na Pituba; ou na utilização de delgadíssimas placas de mármore branco como esquadrias translúcidas, em diversos projetos. O emprego de dezenas de embalagens cartonadas da Tetra Pak como revestimento em uma fachada no pátio interno da Casa da Arquiteta (2005), na Mouraria, visando protegê-la das chuvas, em uma referência enviesada à tradicional utilização de telhas cerâmicas capa-canal em empenas de edificações do período colonial, como ainda é possível observar em alguns imóveis do CHS. O efeito da sobreposição das faces prateadas de alumínio das embalagens, refletindo a luz do sol, provoca um resultado surpreendente, como se estivesse em busca de um efeito semelhante, guardadas as devidas escalas, ao das sofisticadas fachadas em titânio do Museu Guggenheim de Bilbao (1997), do arquiteto norte-americano de origem canadense Frank Gehry, porém executadas, aqui, com material industrial reciclado.

Figura 30 - Marquise-inseto daa Escola Lua Nova, na Pituba, em Salvador (Fonte: Acervo Sete43)

 

Figura 31 - Execução do revestimento em Tetra Pak de uma das paredes do pátio interno da Casa Naia Alban (Fonte: Acervo Sete43)

Outra apropriação material interessante que busca conciliar experimentação projetual e barateamento da construção através do reuso de materiais produzidos industrialmente aparece no reaproveitamento, nas esquadrias de diversos projetos do Sete43, de folhas de vidro importadas da Inglaterra que, após serem utilizadas como fôrmas para a produção de acrílico, são descartadas devido a pequenos arranhões, quase imperceptíveis, mas que comprometem as peças de acrílico, para as quais são transferidos. Essas grandes peças de vidro, não mais úteis na produção de acrílico, podem, assim, ser adquiridas por uma fração do preço original. Por se tratar de vidro temperado, não pode ser cortado e é o projeto que tem ser concebido a partir das dimensões das peças de vidro disponíveis, e não o contrário.

Em muitos projetos, e especialmente nos primeiros anos de sua atuação profissional, os arquitetos do Sete43 adotaram como estratégia projetual aquilo que o arquiteto argentino Alfonso Corona Martínez (2000, p. 191) denominou de “estratégia de fragmentos”, na qual “o princípio de unidade é explicitamente descartado, em geral pela subdivisão do programa em partes individualmente caracterizáveis, sejam ‘completas’ ou não.” Essa estratégia de fragmentos - que podemos chamar também de colagem - fica patente, por exemplo, nos primeiros projetos da Sete43: uma série de casas construídas na cidade de Juazeiro, na divisa da Bahia com Pernambuco, batizadas com nomes que explicitam o partido adotado em cada projeto, como Casa Muro (1998) e Casa Curva (2003).18

Figura 32 - Casa Curva em Juazeiro (Fonte: Acervo Sete43)

Sobre a Casa Curva, Cavalcanti e Corrêa do Lago (2005, p. 183) afirmariam:

O corpo principal desta residência pareceria sóbrio não fossem adições “perturbadoras” tais como a curva de pedra, o muro pintado de vermelho e o curioso toldo da varanda. Evitar o convencional é uma das intenções, e redefinir o rústico pode ser outro dos objetivos dos arquitetos.

Cavalcanti e Corrêa do Lago (2005, p. 183) diriam ainda que “Naia Alban e Moacyr Gramacho estão traçando um caminho original através do uso de formas surpreendentes com elementos analiticamente separados e reunificados através da aplicação de materiais naturais”, em uma  obra “Complexa,  contraditória, possivelmente não mais triste, mas ainda, como queriam os poetas, tão dessemelhante...”. Para Corrêa do Lago,

Uma primeira análise parece indicar o desejo de mesclar materiais e formas aparentemente incompatíveis, de maneira a criar uma unidade caótica similar à dos bairros onde se encontram as casas. Em vez de buscar a calma no caos, ou isolar a família em um oásis em meio a um deserto arquitetônico, os dois criam uma composição informal, porém estudada. [...] Talvez a maior preocupação dos arquitetos esteja nos detalhes e não em uma composição coerente e previsível. (apud CAVALCANTI & CORRÊA DO LAGO, 2005, p. 187)

O apreço pela arquitetura colonial e a valorização do detalhe na obra do Sete43 se fazem presentes, de forma bastante explícita, no projeto do Albergue das Laranjeiras, empreendimento de Naia com seus irmãos, implantado em um sobrado de esquina, no CHS, em 1994 e ampliado para o imóvel vizinho, dez anos depois.

Figura 33 - Albergue das Laranjeiras, no Centro Hisstórico de Salvador (Fonte: Acervo Sete43)

A experimentação formal atinge seu ápice no projeto da Casa Fusão, em Alphaville (2011), um condomínio residencial de alto padrão na Avenida Paralela. A Casa Fusão é projetada num período em que jovens arquitetos como o cubano Yoanny Calvo (graduado pelo Instituto Superior Politécnico José Antonio Echeverría em Havana, em 2001, e especialista em conservação e restauração de monumentos e núcleos históricos pela UFBA, em 2004) e os baianos Sérgio Alencar (graduado pela Unifacs em 2004) e Zilton Cavalcanti (graduado pela UFBA em 2006) se tornam sócios do escritório. O prisma ortogonal, recorrente em diversos projetos residenciais anteriores do escritório, é deformado e transformado em um volume branco esconso, elevado do solo. O pavimento térreo, por  sua vez, é caracterizado por formas orgânicas - embora a circulação longitudinal que atravessa diagonalmente a edificação, adotada em outros projetos residenciais do escritório, esteja novamente presente. A fenestração do volume branco apresenta as formas mais diversas, sempre tortas - embora, na execução, essa solução tenha sido, em certa medida, comprometida  pela utilização de janelas e portas ortogonais, com a adoção de folhas fixas de vidro para fechar os vãos remanescentes. O fato de ter sido construída em um condomínio onde predomina uma arquitetura comercial banal ressalta ainda mais a forma inusitada da edificação.

Figura 34 - Casa Fusão, em Alphaville, Salvador (Fonte: Acervo Sete43)

O projeto mais brilhante da produção do Sete43 é o da Praça Dedé Caxias, mais conhecida como Praça Turca (2005), em Juazeiro. Aqui, o tema da colagem de formas heterogêneas e a profusão de materiais diversos é abandonado em favor de uma rigorosa modulação. A experimentação das possibilidades dos materiais está, como sempre na obra de Naia e Moacyr, presente, porém restrita a poucos materiais. O terreno retangular é rigorosamente organizado em módulos de 5 x 5 metros, correspondente ao vão vencido pela engenhosa cobertura formada por tiras entrelaçadas de material reciclado (garrafas PET e embalagens Tetra Pak) sustentadas por uma estrutura de tubos de aço galvanizado, na forma de parabolóide hiperbólico. A estrutura da cobertura é suportada por pilares em concreto armado, moldados a partir de elementos pré-fabricados em concreto pigmentado em tom ocre, com a forma de dois meios troncos de cone, unidos por suas bases maiores, se aproximando formalmente de troncos de palmeiras. À ortogonalidade e à modulação da cobertura se contrapõem as diagonais que, no nível do solo, atravessam a praça, configurando bancos e áreas não pavimentadas. A pavimentação, em blocos pré-moldados de concreto tipo estrela em tom ocre, se converte em uma onda maciça, no intuito de encobrir o feio muro da edificação preexistente na face oeste da praça. Este projeto demonstra que um espaço urbano residual pode, com criatividade e cuidado, ser transformado em um pequeno oásis urbano, oferecendo sombra e descanso em pleno sertão.19

Figura 35 - Praça Dedé Caxias (Praça Turca), em Juazeiro (Fonte: Acervo Sete43)

Em 2007, Moacyr Gramacho se licenciou do escritório para assumir a direção geral do Teatro Castro Alves (TCA), cargo que ocupa até hoje, passados 13 anos. Naia, por sua vez, professora da Faculdade de Arquitetura da UFBA, se envolve cada vez mais no ambiente acadêmico, até assumir, por dois mandatos, a partir de 2011, a direção da FAUFBA. O afastamento dos dois sócios fundadores do escritório, associado a problemas financeiros recorrentes em escritórios de arquitetura que trabalham predominantemente para o setor público, como o Sete43 havia se tornado, levaram ao progressivo fechamento do Sete43 entre 2011 e 2013. Algumas obras importantes, como a sede do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) da UFBA, no Campus de Ondina, seguem em execução ainda hoje, sem perspectiva de conclusão.

A contribuição do Sete43 para a arquitetura baiana, contudo, segue na obra de vários dos seus ex colaboradores. O ex sócio Zilton Cavalcanti se radica no vizinho estado de Sergipe, onde funda, em Aracaju, a Organum Arquitetura. Trabalhando predominantemente com maquetes físicas e desenho à mão, a Organum segue, em seus projetos, a trilha de experimentação formal aberta pelo Sete43. A Casa Rubi (2009), em Aracaju, incorpora uma série de características da produção de Naia e Moacyr, ainda que com expressividade própria. Os outros ex sócios também ecoam a experiência do Sete43 em seus projetos individuais, como a Casa da Lagoa (2015), no Condomínio Parque Interlagos, em Camaçari, de Yoanny Calvo, e a Casa Balanço (2018), no Condomínio Alphaville 2, em Salvador, de Sérgio Alencar.

Figura 36 - Casa Rubi, em Aracaju (Fonte: Acervo Organum Arquitetura)

 

Figura 37 - Casa da Lagoa, no condomínio Parque Interlagos (Fonte: Acervo Yoanny Calvo)

Figura 38 - Casa Balanço, no condomínio Alphaville 2, em Salvador (Fonte: Acervo Sérgio Alencar)

No projeto do Commons Studio Bar (2012), no Rio Vermelho, Alexandre Prisco (graduado pela UFBA em 2000) e o autor deste texto (graduado pela UFBA em 2001), ambos ex colaboradores do Sete43, buscam dar seguimento ao tema da experimentação através da utilização de materiais não usuais na construção civil. Trata-se de uma construção preexistente, sem valores históricos ou arquitetônicos que, para garantir o isolamento e condicionamento acústico demandados por uma pequena casa de shows, tem suas fachadaas, paredes internas e forros revestidos com paletes e caixas de frutas de madeira, que assumem o triplo papel de materiais de acabamento, luminárias e elementos de condicionamento acústico, na medida em que protegem mantas de PET com função isolante.20

Figura 39 - Commons Studio Bar, no Rio Vermelho, em Salvador (Fonte: A+P Arquitetura e Urbanismo)

Técio Filho, graduado pela UFBA em 2001, colaborou por alguns anos com o Sete43. Em sua trajetória profissional, destaca-se a Casa das Árvores (projeto de 2012, concluída em 2019), em Patamares, na qual a experimentação formal é associada a uma série de estratégias voltadas à redução do consumo energético e do impacto ambiental da edificação, que se implanta nas clareiras existentes em meio à densa vegetação do terreno.

Figura 40 - Casa das Árvores (Foto: Nivaldo Andrade)

Renata Mota, graduada pela UFBA em 2007, foi assistente de Moacyr Gramacho na cenografia e direção de arte de diversos projetos, dirigiu o Centro Técnico do TCA entre 2007 e 2011 e se consolidou na última década como uma cenógrafa brilhante e sensível. A árvore formada por 12 mil origamis, produzida para a Fliquinha 201421, em Cachoeira, com o reaproveitamento de livros sem condições de uso, associa inventividade, lirismo, reciclagem e valorização da produção artesanal, em uma das experiências mais relevantes da arquitetura efêmera baiana nos últimos anos.

Figura 41 - Cenário da Fliquinha 2014 (Fonte: Acervo Renata Mota)

Carol Gabrieli, graduada pela UFBA em 2008 e ex colaboradora do Sete43, esteve associada com seu colega de turma Fagner Novaes entre 2012 e 2018 no estudiofarol, escritório atuante tanto na área de cenografia e arquitetura para eventos quanto em projetos de arquitetura “perene”. A Casa Itapuã (2017), com apenas 90 metros quadrados, e a reforma da residência de acolhimento a religiosas idosas (2019), em Piatã, Salvador, demonstram a capacidade criativa e o domínio técnico dos dois jovens arquitetos; este último projeto demonstra a capacidade da jovem dupla de arquitetos de, com recursos limitados, transformar uma edificação banal e funcionalmente inadequada em uma arquitetura atraente e apropriada para o uso a que se propõe.

Figura 42 - Casa Itapuã, em Salvador (Fonte: Acervo estudiofarol. Foto: Exidio Correia)

 

Figura 43  - Capela da residência de acolhimento de religiosas idosas, em Piatã, em Salvador (Fonte: Acervo estudiofarol. Foto: Exidio Correia)

A experiência arquitetônica mais recente a ecoar a experiência do Sete43 é o projeto Mouraria 53, implementado a partir de 2017. O projeto nasce da oportunidade, por parte de Pedro Alban - graduado pela UFBA naquele mesmo ano - de ocupar um sobrado localizado na área central de Salvador, pertencente a sua família - inclusive a tia, Naia Alban - e que, há anos, servia apenas como depósito dos materiais de construção retirados durante as reformas realizadas em outros imóveis da família. Após um estágio junto ao coletivo Al Borde, em Quito, Equador, realizado em 2016, no qual participou da experiência da Casa en construcción22, Pedro Alban reúne um grupo de amigos e colaboradores e inicia um processo coletivo de recuperação do imóvel através da utilização de materiais recebidos em doação, como, por exemplo, as esquadrias em veneziana de madeira de um edifício residencial de alto padrão dos anos 1970 que estava passando por uma reforma e que estavam sendo descartadas. As esquadrias são transformadas, pelo coletivo, em portas, divisórias e pisos. Programa e projeto são estabelecidos pelo coletivo durante o processo de construção, e incluem os mais diversos usos, sempre vinculados às próprias demandas , como consultório de psicologia, espaço para aulas de yoga, exposições de fotografia, shows musicais e gravação de clipes. A obra é executada em sua quase totalidade pelos próprios membros do coletivo, com a colaboração de voluntários.23

Figura 44  - Esquema explicativo do projeto Mouraria 53 (Fonte: Acervo Mouraria 53)

Atualmente, Pedro Alban, inspirado pelo coletivo belga Rotor, está iniciando o projeto “Arquivo”, um banco de materiais de construção retirados de reformas que, normalmente, são descartados como entulho. A partir de uma visão do processo de construção sustentável e econômica, o projeto “Arquivo” se propõe a desmontar, transportar, catalogar e armazenar esses materiais para posterior utilização em novas arquiteturas.

Duas novas formas de produzir arquitetura, que colocam em questão o papel do arquiteto na atualidade. No Mouraria 53, rompe-se com a tradicional separação entre as figuras do projetista, do construtor e do usuário e implode-se a separação cronológica entre os momentos de definição do programa, de elaboração do projeto e de construção, que passam a ocorrer simultaneamente e misturados, se retroalimentando. No “Arquivo”, estabelece-se uma nova área de atuação para o arquiteto: aquele que conecta quem demole e quem constrói, promovendo o reuso de materiais que, de outro modo, seriam descartados. Nada mais atual, em tempos de escassez de recursos materiais e econômicos e de defesa da sustentabilidade e da reciclagem.

 

INTERVENÇÕES EM PREEXISTÊNCIAS

Experiências como a do Albergue das Laranjeiras e do Mouraria 53 trazem o tema da intervenção em preexistências. Segundo o espanhol Antón Capitel, o tema da “atuação projetual sobre um edifício existente, considerado de valor, e que por determinadas razões é preciso modificar ou completar extraordinariamente em época distinta àquela na qual foi construído” é “um dos mais interessantes e complexos temas de Composição em Arquitetura, todavia raramente tratado nas análises históricas ou críticas.” (CAPITEL, 1988, p. 11).

O estado da Bahia abriga 17 conjuntos urbanos e quase 200 bens tombados pelo IPHAN, além de um sítio reconhecidos pela Unesco como Patrimônio Mundial: o Centro Histórico de Salvador. A questão da restauração e da adaptação às demandas contemporâneas deste importante acervo patrimonial não poderia deixar de estar entre os temas arquitetônicos mais relevantes da Bahia na atualidade, seguindo a tendência mundial observada por Capitel.

As experiências precedentes, já citadas, de Lina Bo Bardi e de Paulo Ormindo de Azevedo na Bahia, consideradas referência, no Brasil e no exterior, de como intervir no patrimônio, não impediram que a maior ação de restauração já realizada no patrimônio edificado baiano, tanto em termos de área de intervenção quanto de recursos investidos, seja considerada um equívoco em diversos aspectos. O Programa de Recuperação do Centro Histórico de Salvador (PRCHS), conduzido pelo Governo do Estado da Bahia através do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) entre 1991 e 1997, adotou como estratégia a recuperação física do Pelourinho, Maciel e Carmo através de atividades turísticas e da animação cultural, expulsando quase três mil famílias que residiam em 470 edifícios encortiçados, que, para criar uma ambiência cenográfica, foram totalmente destruídos internamente e tiveram apenas suas fachadas “restauradas” - muitas vezes através da eliminação de elementos históricos como platibandas e ornamentos, em busca  de uma suposta unidade arquitetônica de feição neocolonial. Estes imóveis, após a restauração, passaram a abrigar espaços culturais, bares, restaurantes e lojas voltados aos turistas e a uma pequena parcela da população soteropolitana, de maior poder aquisitivo. As cores vibrantes adotadas nas fachadas, historicamente exógenas à área, e a criação de praças no “miolo” dos quarteirões, através da destruição e terraplenagem dos respectivos quintais, são outros aspectos desta monumental intervenção questionados pelos especialistas.

No novo milênio, um conjunto de projetos executados na Bahia e voltados à restauração e reuso de edifícios históricos mostra as distintas possibilidades arquitetônicas deste tipo de intervenção. Os arquitetos Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, graduados pela Universidade de São Paulo em 1978 e 1977, respectivamente, colaboraram com Lina Bo Bardi em diversos projetos - inclusive, no caso de Ferraz, naqueles elaborados para o CHS na segunda metade dos anos 1980, como o Projeto-Piloto Ladeira da Misericórdia, o Teatro Gregório de Mattos e a Casa do Benin. Nos últimos 20 anos, o escritório Brasil Arquitetura, liderado por Ferraz e Fanucci, se notabiilizou pelos projetos de intervenção no patrimônio, inclusive alguns realizados na Bahia. Dentre estes, merece destaque o Palacete das Artes, na Graça, inaugurado como Museu Rodin Bahia em 2006.24

Figura 45 - Palacete das Artes, antigo Museu Rodin Bahia, no bairro da Graça, em Salvador (Fonte: Acervo Brasil Arquitetura. Foto: Nelson Kon)

O projeto parte da restauração e adaptação em museu do Palacete Martins Catharino, exuberante edificação eclética construída em 1911 pelo arquiteto italiano Rossi Baptista para servir de residência de um dos  empresários mais ricos da Bahia. O palacete, que havia sido tombada pelo IPAC em 1986, é cuidadosamente restaurado no pavimento térreo, enquanto no pavimento superior Ferraz e Fanucci optam por demolir as paredes que separavam os diversos quartos, visando criar espaços mais amplos, alterando radicalmente a espacialidade interna do palacete.

O aspecto mais instigante deste projeto reside na complexa interação estabelecida entre o edifício tombado e o novo anexo. Ferraz e Fanucci buscam estabelcer um contraste entre este último e o rebuscamento e a profusão ornamental do palacete, através da limpidez e da simplicidade do novo volume, formado basicamente por planos verticais e horizontais de concreto aparente e de madeira. Por outro lado, a altura reduzida do anexo e a sua localização na parte posterior do terreno, por detrás do palacete eclético, deixam claro que ele não pretende disputar o protagonismo no conjunto. As centenárias arvores existentes no jardim do palacete, por sua vez, são preservadas e definem a localização do novo anexo, bem como limitam sua projeção.

É interessante também observar como ocorre a ligação entre o novo bloco e o palacete. Uma longa e delgada passarela de concreto protendido funciona não apenas como elemento físico de conexão entre a construção preexistente e o novo anexo e como espaço privilegiado para observar o jardim e as esculturas de Auguste Rodin nele instaladas, mas também como representação simbólica do vínculo que passa a se estabelecer entre as duas construções, agora umbilicalmente unidas. Esta passarela é, na verdade, um prolongamento do novo volume de concreto aparente do anexo, que avança até contaminar o palacete, onde é recebida pela nova caixa de circulação vertical, também construída em concreto aparente com gelosias de madeira.25

Se o Palacete Catharino representa o auge da arquitetura eclética italiana na Bahia do início do século passado, a intervenção nele realizada se insere no contexto da melhor arquitetura contemporânea – sem, contudo, deixar de fazer referências à arquitetura moderna brasileiras, através da linguagem brutalista que destaca a estrutura em concreto aparente, e à tradição luso-brasileira, através, por exemplo, da utilização de gelosias de madeira.26

No mesmo período em que executava, na Graça, as obras para instalação do Museu Rodin Bahia, o Governo do Estado iniciou a implementação, no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, no CHS, de um projeto de adaptação de imóveis históricos arruinados em habitação de interesse social, no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal. Executado pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) com o apoio da Unesco e recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), se baseava na preservação das fachadas e reconstituição da leitura volumétrica externa das edificações, a partir de projeto do arquiteto greco-carioca Demetre Anastassakis.27 Infelizmente, dos diversos imóveis contemplados na etapa de projeto, somente alguns foram efetivamente recuperados, como a ruína do sobrado azulejado localizado à Rua Direita do Santo Antônio, no 19.

Figura 46 - Perspectiva do projeto para o imóvel à Rua Direita do Santo Antônio, no 19, no Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico de Salvador (Fonte: Acervo Demetre Anastassakis)

Outra intervenção realizada no CHS no último vintênio que merece destaque é aquela conduzida no imóvel localizado na Praça da Sé, no 26/28. Na segunda metade dos anos 1990, o imóvel, construído trinta anos antes com altura maior que as edificações vizinhas e recuado do limite do lote, havia sido objeto de uma intervenção, promovida pelo IPAC, visando recuperar a continuidade do alinhamento do casario. A intervenção realizada pelo IPAC efetivamente recompunha a testada do quarteirão, ocupando o recuo, porém o fazia através da construção de uma nova fachada em vidro escuro, que, na prática, potencializava a ruptura e o protagonismo deste imóvel no conjunto, além de lhe garantir o apelido de “Edifício Microondas”. Essa obra, realizada à revelia do IPHAN, tornou-se uma anti-referência no tocante a intervenções em sítios históricos, nacionalmente conhecida.

Em 2008, a Justiça decidiu que o IPAC promovesse nova intervenção no imóvel, revertendo o impacto na paisagem do sítio tombado, devendo obrigatoriamente atender às recomendações e orientações do IPHAN. O projeto da nova intervenção foi elaborado pelo arquiteto Francisco Mazzoni, graduado pela UFBA em 1977 e especialista em restauração de monumentos pela Scuola di Perfezionamento in restauro dei monumenti da Università degli Studi di Napoli, em 1980. A nova fachada, inaugurada em 2010, reintegra o imóvel ao conjunto edificado da Praça da Sé, na medida em que recupera a continuidade, em termos de densidade e de ritmo, com as demais fachadas do quarteirão. Somente no volume recuado, aquele correspondente ao edifício construído nos anos 1960, Mazzoni opta por criar uma fachada em vidro, que se mostra uma solução dequada na medida em que contribui para ampliar a distância visual desse volume, mais alto, com relação ao restante do quarteirão.

Figura 47 - “A Vox Pop” ou “Edifício Microondas”, na Praça da Sé, no Centro Histórico de Salvador (Foto: Nivaldo Andrade)

 

Figura 48 - Nova fachada, cor de rosa, do antigo “Edífício Microondas”, na Praça da Sé, no Centro Histórico de Salvador, após intervenção do arquiteto Francisco Mazzoni (Foto: Nivaldo Andrade)

Do mesmo período é a execução do projeto de recuperação e adaptação da Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha em Espaço Cultural da Barroquinha . Construída no século XVIII e tombada pelo IPHAN em 1941, a igreja havia sido destruída por um incêndio em 1984. Na segunda metade da década de 1980, Lina Bo Bardi havia elaborado um projeto de restauração e reabilitação em centro cultural desta igreja, nunca executado. O projeto elaborado em 2009 pelo arquiteto Joaquim Gonçalves, graduado pela UFBA em 1973, recompõe a volumetria lacunar da igreja através de painéis de vidro com estrutura em aço, adequando o espaço para abrigar um equipamento cultural multiuso, administrado pela Prefeitura Municipal de Salvador.

No âmbito do Programa PAC Cidades Históricas, do IPHAN, Alexandre Prisco e o autor desse texto realizaram projetos como o da Casa do Carnaval (2018), em um imóvel do início do século XX localizado ao lado do Plano Inclinado Gonçalves, aos fundos da Catedral Basílica, na Cidade Alta, e o do Cerimonial da Conceição da Praia (2019, em coautoria com Adriano Mascarenhas), em dois sobrados vizinhos à Igreja da Conceição da Praia, na Cidade Baixa.28 Um dos dois sobrados havia desabado em 2010, restando somente pequenos trechos da fachada eclética preexistente, além das medianeiras e de algumas paredes internas. O projeto prevê a reintegração da lacuna que o desabamento criou no frontispício de Salvador, imagem icônica da cidade. Os elementos remanescentes do desabamento foram preservados e integrados na nova fachada, que, como diria o arquiteto italiano Giovanni Carbonara (1997, p. 398-399, tradução nossa), busca “suturar, em uma nova, porém respeitosa unidade figurativa, os fragmentos ou as desarticuladas imagens sobreviventes”, “através de um ato projetual criticamente guiado e, portanto, [...] respeitoso da integridade da parte antiga e de suas partes sobreviventes”.

Figura 49 - Casa do Carnaval, no Centro Histórico de Salvador (Fonte: Acervo  A+P Arquitetura e Urbanismo. Foto: Leonardo Finotti)

 

Figura 50 - Cerimonial da Conceição da Praia, na Cidade Baixa, em Salvador (Fonte: Acervo A+P Arquitetura e Urbanismo. Foto; Leonardo Finotti)

Também em 2019, foi inaugurada a sede da Neojibá - Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia, através da restauração e adaptação do conjunto arquitetônico do Parque do Queimado, na Caixa d’Água, um complexo industrial construído no século XIX que foi a primeira companhia de abastecimento de água do país e que, por isso, foi tombado pelo IPHAN em 1997. O projeto de restauração e refuncionalização foi elaborado pelo escritório suíço B-O-V Architectes29 e pelo arquiteto baiano Sergio Ekerman e transforma um complexo arquitetônico subutilizado por muitos anos em um equipamento cultural frequentado diariamente por centenas de pessoas.

Figura 51 - Sede da Neojibá, no Parque do Queimado, em Salvador (Fonte: Acervo Sergio Ekerman. Foto: Leonardo Finotti)

As duas primeiras décadas do século XXI testemunham o surgimento de uma série de intervenções de restauração e atualização funcional da arquitetura moderna brasileira. Na Bahia, o caso mais célebre é o projeto de requalificação e ampliação do Complexo Teatro Castro Alves (TCA), escolhido através de um concurso público nacional de anteprojetos de arquitetura promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) e organizado pelo IAB-BA, entre 2009 e 2010. O projeto vencedor do concurso é de autoria do escritório paulistano Estudio América, à época liderado pelos arquitetos Mario Figueroa, Lucas Fehr e Guilherme Motta.30 Concebido para ser executado em etapas, a primeira delas, concluída em 2016, contemplou requalificação da Concha Acústica e a construção de um edifício garagem encimado por uma esplanada. É mportante ressaltar que o tombamento do TCA pelo IPHAN ocorreu apenas em 2013, quando o projeto executivo de requalificação e ampliação já estava finalizado e a direção do TCA estava captando recursos para executar a primeira etapa das obras. Não obstante, as bases do concurso, publicadas quatro anos antes, já estabeleciam como uma das diretrizes do projeto que:

Os valores culturais do projeto de José Bina Fonyat Filho devem ser preservados [...], já que ele se constitui em um valioso patrimônio da cidade de Salvador. Ainda que se anseie receber soluções que capacitem o edifício às novas técnicas e tecnologias ligadas ao espetáculo, não se pretende ferir o aspecto geral do edifício ou as premissas básicas do seu projeto inicial. A preservação e a modernização necessitam estabelecer um diálogo coerente e equilibrado nas propostas, apresentadas para que os objetivos pretendidos com o concurso sejam efetivamente alcançados. (BAHIA, 2009, p. 07)

Figura 52 - Concha Acústica do Teatro Castro Alves após a execução do projeto de requalificação do Estudio America (Fonte: Fundação Cultural do Estado da Bahia)

Outros projetos de intervenção em edifícios modernos importantes têm sido mais polêmicos, como aqueles realizados no Edifício Caramuru, no Comércio, originalmente projetado pelo arquiteto carioca Paulo Antunes Ribeiro e inaugurado em 1949; e no Hotel da Bahia, inaugurado em 1952 a partir de projeto de Diógenes Rebouças e Antunes Ribeiro. Em 2009, o Edifício Caramuru já havia perdido os brises metálicos que o caracterizavam; na intervenção, esses elementos  foram refeitos em peças de alumínio com seções visivelmente mais robustas que as originais, comprometendo sua leveza. Por sua vez, a reinauguração do Hotel da Bahia como filial da rede Sheraton, em 2013, contemplou uma série de atualizações funcionais, nem todas respeitosas das suas características arquitetônicas.

O mais recente ataque ao patrimônio arquitetônico moderno baiano, contudo, é, sem dúvida, a implosão, em 2010, do Estádio Octávio Mangabeira, mais conhecido por Fonte Nova, inaugurado em 1951 e uma das obras mais importantes de Diógenes Rebouças. Embora a Arena Fonte Nova, construída no mesmo local em 2014 visando abrigar algumas partidass da Copa do Mundo daquele ano, corresponda a um edifício totalmente novo, ele é constantemente apresentado, nas publicações do seu projeto arquitetônico através de um discurso que mascara o processo de destruição deste significativo patrimônio arquitetônico e paisagístico baiano. Os textos de divulgação, replicados pela imprensa especializada afirmam que o projeto da Arena Fonte Nova teve como objetivo “adequar aos jogos da Copa o Estádio Octávio Mangabeira”, através de “modificações na geometria do estádio”, como “a remoção da pista de atletismo” e “o acréscimo de um lance de arquibancada, que agora passam a ser três”, dando a entender que se trata de uma intervenção no equipamento existente, e não na sua total demolição, registrada e difundida internacionalmente pela mídia (ARENA SALVADOR, 2009, grifos nossos)

No caso de exemplares da arquitetura moderna menos representativos, os arquitetos podem, evidentemente, intervir com maior liberdade, inclusive buscando atualizar o edifício preexistente não apenas funcionalmente, mas também simbolicamente. No projeto de retrofit recentemente executado no Hotel Bahia do Sol, no Corredor da Vitória, o arquiteto Guido Ramos - graduado pela UFBA em 2003 - e seus parceiros do escritório GAM Arquitetos demonstram claramente como uma intervenção contemporânea de qualidade pode qualificar edifícios preexistentes mais modestos. De fato, o edifício, inaugurado em 1974 no Corredor da Vitória, não só se atualiza como se torna esteticamente mais atraente através da intervenção de Ramos e equipe, em um processo que poderíamos, parafraseando a arquiteta italiana Laura Iermano (2003, p. 4, tradução nossa), denominar de restyling:

O restyling reprojeta imagens arquitetônicas preexistentes. O tema projetual do restyling arquitetônico consiste na transformação de uma imagem preexistente de um edifício em uma outra. A necessidade que determina a intervenção de restyling está voltada, efetivamente, ao prolongamento da vida de um edifício considerado obsoleto, além do ponto de vista da consistência material e funcional [...].

Figura 53 - Hotel Bahia do Sol após intervenção as fachadas (Fonte: Acervo GAM Arquitetos. Foto: Fábio Peixoto)

 

 

A REQUALIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS

Nas últimas três décadas, os investimentos voltados à requalificação dos espaços públicos de Salvador estiveram concentrados em dois períodos: as gestões dos prefeitos Antônio Imbassaahy (1997-2004) e Antônio Carlos Magalhães Neto (a partir de 2013), pertencentes ao mesmo grupo político.

Em 1999, quando Salvador comemorava 450 anos de fundação, os arquitetos Manoel Lorenzo - então Secretário Municipal de Planejamento - e Assis Reis idealizaram o Projeto do Polígono da Identidade Cultural, uma área na qual “reside o grande imaginário da população dessa cidade” e na qual a Prefeitura realizou “um  conjunto de intervenções pontuais em espaços públicos”, projetos nos quais a Prefeitura promoveu “uma requalificação por excelência [...], dando-lhe um bom acabamento ou substituindo, empregando materiais novos, dignificando o espaço público.” (Lorenzo apud SORIANO, 2006, p. 79)

Dentre espaços públicos que foram objeto de projetos de requalificação realizados no âmbito do Projeto do Polígono da Identidade Cultural, na gestão Imbassahy, estão algumas das praças mais importantes da área central de Salvador, como a Piedade (arquiteto Daniel Colina, 1998), a Praça da Inglaterra (Assis Reis, 1998), a Praça da Sé (Assis Reis, 2000), a Praça Deodoro (Daniel Colina, 2000) e o Campo Grande (Arilda e Maria Angela Cardoso, 2003). Além destas, foram objeto de intervenção, entre 1998 e 2000 e seguindo projetos de autoria de Assis Reis, os Largos da Soledade, da Lapinha e de Pirajá e o Mirante dos Aflitos,

O projeto de requalificação do Largo Dois de Julho (Sean Bradley, Sérgio Sá de Carvalho e equipe, 2002) foi escolhido através de Concurso Público Nacional de Arquitetura organizado pelo IAB-BA e executado apenas parcialmente anos depois, enquanto o projeto da Praça Cairú (Adriana Diniz, Luiz Antônio de Souza, Luiz Fernando Senna e Pasqualino Magnavita, 2001), também escolhido através de Concurso Público organizado pelo IAB-BA, não chegou a ser executado. 

Fora da área de central de Salvador, teve grande repercussão à época o projeto de requalificação da Praça Nossa Senhora da Luz (2000), na Pituba, projeto da arquiteta Lucinei Caroso Neiva (graduada pela UFBA em 1983), com colaboração de Adriano Mascarenhas, e também executado pela Prefeitura.

Figura 54 - Praça Nossa Senhora da Luz, na Pituba, após execução do projeto de requalificação de autoria da arquiteta Lucinei Caroso Neiva (Fonte: Acervo Lucinei Caroso Neiva)

Apesar de alguns projetos, como o da Praça da Sé, terem suscitado grande polêmica, a gestão Imbassahy correspondeu, sem dúvida, a um período em que a cidade vivenciou calorosos debates sobre os espaços públicos, em especial aqueles da área central. Esses debates foram potencializados no caso das praças e largos que foram objeto de concursos públicos - Praça Cairú e Largo Dois de Julho -, especialmente no ambiente arquitetônico.

Salvador só testemunharia um novo concurso público para requalificação de espaços públicos em 2012, quando o IPAC promoveu um certame, organizado pelo IAB-BA, para seleiconar o projeto para três largos internos a quadras do Pelourinho, executados durante o PRCHS, quase vinte anos antes. O Concurso Nacional de Ideias - Requalificação de Largos no Pelourinho teve como objeto os Largos Quincas Berro d’Água, Tereza Batista e Pedro Arcanjo e teve como vencedora a equipe liderada pelo arquiteto paulista Arthur de Mattos Casas (graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1983). O projeto, contudo, não chegou a ser executado.

Figura 55 - Proposta para o Largo Quincas Berro d’Água, de autoria do arquiteto Arthur de Mattos Casas, vencedora do Concurso Nacional de Ideias - Requalificação de Largos no Pelourinho (Fonte: Acervo IAB-BA)

Em 2013, o escritório paulistano Metro Arquitetos Associados, liderado pelos arquitetos Martin Corullon (graduado pela USP em 2000) e Gustavo Cedroni (graduado pela Fundação Armando Álvares Penteado em 2001), elaborou o projeto de intervenção na Ladeira da Barroquinha, importante conexão entre a Baixa dos Sapateiros e a Avenida Sete de Setembro e local de concentração de um tradicional comércio ambulante de produtos de couro.  

O projeto do Metro para a Barroquinha, financiado pelo vizinho Espaço Unibanco de Cinema, transforma a ladeira em uma escadaria e a divide em duas “faixas” tratadas de formas distintas. A metade mais ao norte é formada por degraus largos e ritmados, e por uma rampa longitudinal, rente ao histórico muro de contenção, e pretende atender às centenas de pessoas que atravesam a ladeira com pressa, vindo ou indo para o terminal de passageiros da Barroquinha. A metade mais ao sul se caracteriza pela alternância entre lances de quatro degraus estreitos e patamares amplos. Estes últimos deveriam abrigar o comércio informal mas, certamente por coincidirem com o acesso às lojas, os ambulantes, retirados da área “temporariamente” durante a execução das obras nunca retornaram. O piso, em mosaico de pedra portuguesa com meio fio em granito, é cuidadosamente executado e, em seu desenho, articular segmentos de retas e curvas. 

Figura 56 - Ladeira da Barroquinha após a execução do projeto do Metro Arquitetos (Foto: Nivaldo Andrade)

Em 2013, nos primeiros meses de seu primeiro mandato como Prefeito de Salvador, ACM Neto lançou o projeto de Requalificação da Orla de Salvador. A primeira intervenção executada, concluída em 2014, foi a requalificação da orla da Barra e teve como principal mérito a prioridade dada ao ciclista e ao pedestre em detrimento do transporte motorizado. Entretanto, a ausência de participação dos moradores e comerciantes do bairro, muitos deles insatisfeitos com a redução significativa do acesso por ônibus e as proibições de tráfego de veículos no Farol da Barra e de estacionamento em diversos logradouros, resultou em grande polêmica. A requalificação da orla do boêmio bairro do Rio Vermelho, por sua vez, concluída em 2016, provocou polêmica pela transformação do tradicional e popular mercado de peixe em um elitizado complexo de restaurantes, batizado de Vila Caramuru e formado por pavilhões com coberturas em membranas tensionadas.

Outros projetos realizados pela Prefeitura no âmbito do projeto de Requalificação da Orla de Salvador têm sido recebidos pela população com entusiamo e tido boa repercussão, como os das orlas de Jardim de Alah, Piatã e Itapuã, no limite nordeste da cidade, na orla atlântica, e de Plataforma e Itacaranha, no Subúrbio Ferroviário, na orla da Baía de Todos os Santos, ambos conduzidos pela Fundação Mario Leal Ferreira (FMLF). Em Itapuã, o projeto de requalificação da orla elaborado por Joaquim Gonçalves foi executado entre 2014 e 2015, com investimentos de 14 milhões de reais, dos quais quatro milhões foram aplicados no mercado local, a partir de projeto da FFA Arquitetura e Urbanismo, dirigida e fundada por Floriano Freaza Amoedo, graduado pela UFBA em 1985. O edifício de três pavimentos do novo mercado de Itapuã, em concreto armado e vidro, possui uma cobertura independente em membrana tensionada de poliéster.

A requalificação da orla de Plataforma e Itacaranha, inaugurada em 2018, teve seu projeto elaborado três anos antes pelos arquitetos Alexandre Prisco, Sergio Ekerman, Alberto Cordiviola (graduado pela UFBA em 1974 e ex colaborador de Assis Reis, Pasqualino, Katsuki e Lelé), Naia Alban e o autor deste texto. Este trecho do Projeto Orla contempla uma série de playgrounds e áreas verdes, além de um espaço de apoio para as marisqueiras, e foi desenvolvido de forma participativa, através de diversas audiências realizadas com as comunidades dos dois bairros. Lamentavelmente, o elemento mais interessante do projeto não chegou a ser executado: uma piscina pública natural, de água salgada, localizada ao lado das ruínas da antiga fábrica têxtil e que deveria funcionar de forma sustentável, através da troca diária de todo o seu volume de água, com base no movimento da maré, evitando o uso de bombas mecânicas.31 

Figura 57 - Proposta de criação de uma piscina pública natural de água salgada ao lado da Fábrica São Bras, no bairro de Plataforma, em Salvador (Fonte: Acervo A+P Arquitetura e Urbanismo)

Além das intervenções relacionadas com o projeto de Requalificação da Orla de Salvador, nos últimos anos a Prefeitura, também através da FMLF, têm elaborado uma série de projetos de requalificação de logradouros públicos situados em sítios urbanos tombados, como a Colina Sagrada do Senhor do Bonfim e o Terreiro de Jesus. A requalificação da Colina Sagrada do Bonfim, onde se situa a igreja do mesmo nome, foi realizada em 2018, a partir de um projeto de Adriano Mascarenhas (Sotero Arquitetos).32 O projeto contempla do desenho urbano aos elementos do mobiliário, como bancos, postes, totens, mesas para jogos e balizadores. O banco, por exemplo, é baseado no módulo de 45 x 45 cm, fazendo referência à “fitinha do Bonfim”, cuja medida corresponde ao comprimento do braço direito da estátua do Senhor do Bonfim. A pavimentação, por sua vez, apresenta, de forma estilizada, a cruz presente na fitinha e o opaxorô de Oxalufã, orixá sincretizado com o Senhor do Bonfim.

Figura 58 - Colina Sagrada de Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador (Fonte: Acervo Sotero Arquitetos. Foto: Leonardo Finotti)

O estacionamento de veículos é eliminado do largo em frente à igreja, enquanto no prolongamento da Casa dos Romeiros - um conjunto de casas geminadas construído no século XVIII - é erguido um novo pavilhão em concreto para abrigar a Casa das Velas e Água Benta. O projeto de Adriano Mascarenhas para a Colina Sagrada do Bonfim mostra sua capacidade de, em um contexto carregado de valores históricos e simbólicos, criar uma arquitetura autoral e, ao mesmo tempo, impregnada de referências ao lugar. O projeto de Mascarenhas é profundamente coerente, do partido geral da intervenção aos pequenos detalhes da pavimentação ou do mobiliário urbano, se utilizando de materiais e técnicas construtivas correntes, o que torna a intervenção ainda mais louvável.

O Terreiro de Jesus, uma das praças da cidade fundacional, em pleno CHS e na qual se localizam monumentos da importância da Catedral Basílica, teve seu projeto elaborado por Alexandre Prisco, pelo arquiteto paisagista Paulo Kalil e pelo autor deste texto. Executado em 2019, o projeto resgata a intervenção realizada na praça em 1950 por Roberto Burle Marx, executando novos bancos e canteiros com desenho semelhante aos do projeto do famoso paisagista e recuperando a pavimentação, então bastante lacunar.33  

Figura 59 - Terreiro de Jesus após a execução do projeto (Fonte: A+P Arquitetura e Urbanismo. Foto: Leonardo Finotti)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quem folhear o livro publicado sobre a produção dos jovens arquitetos brasileiros (SEGRE, 2004) por Roberto Segre, um dos mais importantes pesquisadores da arquitetura moderna e contemporânea na América Latina, e notar a ausência de qualquer obra localizada na Bahia ou projetada por arquitetos baianos, pensará que a produção arquitetônica contemporânea do estado é desprovida de interesse.34 A presença de duas obras baianas - as Casas Muro e Curva, do escritório Sete43 - na exposição “Ainda moderno”, realizada em Paris no ano seguinte, já mostrava que a Bahia estava, sim, produzindo arquitetura de qualidade. Apesar disso, a presença de apenas duas obras baianas entre os 67 projetos finalistas ao longo de seis edições do Prêmio de Arquitetura Akzo Nobel, promovido desde 2014 pelo Instituto Tomie Ohtake (São Paulo), demonstra que a produção local ainda é pouco conhecida e reconhecida, mesmo dentro do Brasil.35

As obras que apresentamos neste texto - muitas delas premiadas em certames nacionais ou publicadas em livros e revistas especializadas no Brasil e em outros países - tentam demonstrar o contrário: há, sim, uma arquitetura relevante sendo produzida na Bahia.

Lamentavelmente, trata-se de uma arquitetura de exceção, quase sempre restrita a obras públicas especiais (espaços públicos e equipamentos culturais, pricipalmente) ou a residências unifamiliares para famílias abastadas, localizadas em condomínios exclusivos. Apesar dos vultosos recursos  investidos nos últimos anos em habitação social em todo o país, através do Programa Minha Casa Minha Vida, a arquitetura que se construiu é de qualidade muito baixa, além dos problemas decorrentes da inserção destes conjuntos em áreas periféricas, apartadas dos serviços urbanos e muitas vezes desprovidas de infraestrutura. O fracasso das propostas de Lelé para o MCMV é, também, o fracasso da arquitetura brasileira; é a vitória dos interesses privados das empreiteiras em detrimento do interesse coletivo, da racionalidade construtiva e da economia em escala.

Triste é perceber que Salvador, a cidade da Bahia cantada em prosa e verso mundialmente e que Michel Parent (2008, p. 88) chamou de “primeira cidade de arte do Brasil”, venha se tornando, cada dia mais, uma “cidade genérica”, que, como um aeroporto contemporâneo, é “igual a todos os outros” (KOOLHAAS, 2010, p. 31). Um exemplo: a Casa do Comércio, que, nos anos 1980, se destacava no território ainda a ocupar da Avenida Tancredo Neves, criando um marco na paisagem desta nova centralidade urbana, passa hoje quase despercebida, perdida entre dezenas de edifícios vulgares, que poderiam estar em qualquer grande cidade do mundo.

Em diversas regiões, Salvador tem se tornado, assim, um não-lugar, na acepção de Marc Augé (1994), com suas torres envidraçadas semelhantes às de qualquer outra metrópóle do mundo em desenvolvimento, além de absolutamente inapropriadas ao clima local, como observou Fernando Peixoto. A esta cidade anódina, destituída de identidade, se contrapõe não apenas o Centro Histórico de Salvador, mas também as geometrias coloridas de Fernando Peixoto, as passarelas e sheds de Lelé, a experimentação formal do escritório Sete43 e de alguns de seus ex colaboradores e as demais obras que apresentamos ao longo deste texto.

 

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Notas

 

 A regulamentação do exercício da profissão do arquiteto no Brasil remonta a 1933, com o Decreto nº 23.569, que criou o Conselho de Engenharia e Arquitetura (CREA). Após mais de cinco décadas de luta, em dezembro de 2010 foi aprovada a Lei nº 12.378, que criou o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), no qual os graduados em arquitetura e urbanismo precisam se inscrever para poder exercer legalmente a profissão.

2 No Município de Salvador, as áreas de ocupação informal correspondiam, em 2006, a cerca de 29% da área ocupada total do território municipal. (GORDILHO SOUZA, 2008). Em 2018, 44,5% dos domicílios do estado da Bahia não dispunham de esgotamento sanitário por rede coletora, pluvial ou fossa ligada à rede (IBGE, 2018).

3 Algumas obras destes dois arquitetos serão objeto de análise neste texto.

4 A saber: Universidade Salvador – Unifacs, em Salvador (criado em 1999); União Metropolitana de Educação e Cultura – Unime, atual Faculdade Unime de Ciências Exatas e Tecnológicas – FCT, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (aberto em 2002); curso noturno da Faculdade de Arquitetura da UFBA, em Salvador (criado em 2009); Faculdade Ruy Barbosa, atual Centro Universitário Ruy Barbosa Wyden, em Salvador (criado em 2009); e Faculdades Jorge Amado – Unijorge, atual Centro Universitário Jorge Amado, em Salvador (criado em 2009). Fonte: e-MEC – Sistema de Regulação do Ensino Superior (emec.mec.gov.br), em consulta realizada em 19 de junho de 2020.

5 As 10 cidades baianas que abrigam cursos de graduação em arquitetura e urbanismo hoje são: Alagoinhas, Barreiras, Feira de Santana, Guanambi, Ilhéus, Itabuna, Lauro de Freitas, Paripiranga, Teixeira de Freitas e Vitória da Conquista. Fonte: e-MEC – Sistema de Regulação do Ensino Superior (emec.mec.gov.br), em consulta realizada em 19 de junho de 2020.

6 Dados fornecidos pela Gerência de Atendimento do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (GEAT-CAU/BA) em 22 de junho de 2020.

7 A arquitetura eclética, também chamada de acadêmica por ser aquela ensinada aos estudantes de arquitetura nas Academias de Belas Artes no Brasil e no exterior, foi a dominante no Brasil no período da República Velha (1889-1930) e correspondia a um revivalismo de estilos pretéritos, predominantemente europeus, com múltiplas origens geográficas e históricas, do barroco francês ao templo grego, e muitas vezes com as referências mais diversas mescladas em uma mesma obra. Entre os muitos exemplos da arquitetura eclética em Salvador, podemos destacar o Palacete Bernardo Martins Catharino (1912), atual Palacete das Artes, na Graça; o Palácio Rio Branco (1919), na Praça Municipal; a Igreja da Ajuda (1923), no Centro ; o Gabinete Português de Leitura (1918), na Piedade, e o edifício vizinho do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (1923). A arquitetura neocolonial, por sua vez, correspondeu a uma reinterpretação bastante livre da arquitetura do período colonial ibero-americano, amparada em um discurso, ao mesmo tempo, nacionalista – no que se diferenciava do ecletismo – e historicista – no que se aproximava daquela produção. Dentre as principais obras neocoloniais em Salvador, podemos citar o Palácio da Vitória (1925), atual sede do Museu de Arte da Bahia; e o Colégio Góes Calmon (1941), nos Barris.

8 Em “A Casa” (1974),  Vinícius - que batizou a casa de “Principado Livre e Autonomo de Itapuã” - registra: “Jamison Pedra / E Sílvio Robatto, os amigos arquitetos / Ambos baianos de boa cepa, fizeram / Um belo trabalho, com as duas torres laterais em hexágono / (Uma das quais é o teu solário) e os dois telhados superpostos”. Em outro trecho, “Uma casa / Baiana, feita por baianos para abrigar / Tua baianice máxima, sonhada.” (MORAES, 1974)

 9 Tavares, Gomes e Frank são também autores de projetos como o do edifício-sede do CIA, em Simões Filho (1968) e do Clube Espanhol (1975, demolido em 2010), em Ondina.

10 Tavares, Gomes e Frank são também autores de projetos como o do edifício-sede do CIA, em Simões Filho (1968) e do Clube Espanhol (1975, demolido em 2010), em Ondina.

11  O Virtuarium, uma sala de projeções 360 graus inserida em uma cúpula geodésica em vidro, foi o único desses volumes autônomos que não chegou a ser construído. 

12 Brise soleil ou simplesmente brise é um “elemento arquitetônico de proteção, com a finalidade principal de interceptar os raios solares, quando êstes forem inconvenientes” (CORONA & LEMOS, 2017, p. 81). Embora tenha sido criado pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier para o projeto de urbanização de Argel, nos anos 1930, a primeira utilização do brise - ou quebra-sol - ocorreu na sede da Associação Brasileira de Imprensa (1936-1938), no Rio de Janeiro, projeto dos irmãos Marcelo e Milton Roberto. A partir daí, os brises - fixos ou móveis, verticais ou horizontais - serão adotados em parte significativa das obras arquitetônicas modernas do Brasil. Na Bahia, podemos destacar, dentre os exemplares da arquitetura moderna que se utilizam de brises para controlar a incidência solar, o Edifício Caramuru (Paulo Antunes Ribeiro, 1949), no Comércio; e o Edifício Octacílio Gualberto, antiga sede do IPASE (Diógenes Rebouças, 1953), no Viaduto da Sé.

13 O projeto de Mascarenhas para o Tecnocentro recebeu, em 2012, menção honrosa no prêmio da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA) na categoria Edifícios de Serviços, modalidade Obras Concluídas. No mesmo ano, foi finalista do Prêmio “O Melhor da Arquitetura”, na categoria Edifícios Comerciais Acima de 5.000 m2. Em 2013, recebeu o 1o lugar na Premiação do IAB-BA, categoria Arquitetura de Edificações.

14 Em 2014, a Casa do Bomba recebeu o prêmio da AsBEA na categoria Residência. Em 2015, foi finalista do Prêmio “O Melhor da Arquitetura”, na categoria Casa de Campo.

15 Em 2018, Sergio Ekerman defendeu sua tese de doutorado em Arquitetura e Urbanismo na UFBA sobre a pré-fabricação na obra de Lelé (EKERMAN, 2018).

16 Em 2010, o projeto do Memorial do Holocausto foi publicado pela revista sul-coreana C3. Em 2011, o projeto de Ekerman para a sede e sinagoga da Sociedade Israelita da Bahia recebeu menção honrosa no 10o Prêmio Jovens Arquitetos do Departamento de São Paulo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP), na categoria Arquitetura - Projeto.

17 Moacyr Gramacho cursou a graduação em arquitetura na UFBA na primeira metade dos anos 1980, mas interrompeu o curso, que só foi retomado nos anos 2010 e concluído em 2016.

18  A Casa Curva e a Casa Muro foram as únicas obras baianas incluídas na já citada exposição “Ainda moderno? Arquitetura brasileira contemporânea”, promovida em Paris, entre outubro de 2005 e janeiro de 2006, como parte da programação oficial do Ano do Brasil na França

19 A Praça Turca recebeu o 1o Prêmio na VI Bienal Ibero-Americana de Arquitetura e Urbanismo, em 2008, na categoria Arquitetura de Espaços Urbanos.

20 Em 2013, o Commons Studio Bar foi finalista do Prêmio “O Melhor da Arquitetura”, na categoria Casas Noturnas, além de ter sido publicado em diversos periódicos brasileiros (como a revista aU) e estrangeiros (a revista italiana Ananke - Trimestrale di cultura, storia e tecniche della conservazione per il progetto e a argentina 30-60 - cuadernos latinoamericanos de arquitectura)

21 A Fliquinha é o espaço dedicado ao público infantil dentro da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica)

22 A Casa en construcción é um projeto do coletivo equatoriano Al Borde, iniciado em 2014, através do qual a recuperação e adaptação a novos usos de uma casa no centro histórico de Quito é  realizada a partir do compromisso dos arquitetos de pagar o aluguel do imóvel através de seu trabalho: elaboração do projeto, execução da obra (realizada diretamente pelos arquitetos e estagiárias), aporte de materiais obtidos em doação. O imóvel se transforma em escritório de arquitetura, residência de dois dos quatro membros do coletivos, residência temporária para os estagiários estrangeiros que passam períodos de seis meses no projeto, etc. A Casa en construcción recebeu o Prêmio Holcim América Latina, em 2014, e o Prêmio Panorama Ibero-Americano de Obras na X Bienal Ibero-Americana de Arquitetura e Urbanismo, em 2016. Mais informações sobre a Casa en construcción: https://www.albordearq.com/casa-en-construccion-proyecto-global-house-under-construction-global-project

23 A experiência do Mouraria 53 foi também o Trabalho Final de Graduação de Pedro Alban, orientado pelo autor deste texto e defendido e aprovado com a nota máxima em 2017. Mouraria 53 foi o único projeto do Norte e Nordeste selecionado pelos curadores para participar da 12a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 2019.

24 Dentre os outros projetos de intervenção no patrimônio desenvolvidos pela Brasil Arquitetura para a Bahia, podemos citar o de Vila Nova Esperança (2007), comunidade localizada no CHS, aos fundos da antiga Faculdade de Medicina da Bahia; e aquele realizado para o Terreiro Òsùmàrè (2017), tombado pelo IPHAN em 2013. O primeiro recebeu o 1o Prêmio IAB-SP em 2008, na categoria Habitação de Interesse Social, enquanto o segundo foi selecionado pelos curadores para a mostra “Muros de Ar”, no Pavilhão Brasileiro da 16a Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2018.

25 Gelosias, também chamadas de rótulas, são “Caixilhos, de porta ou janela, cujo vão é preenchido por uma grade composta de pequenas tiras de madeira que se cruzam diagonalmente”. Muito utilizadas na arquitetura brasileira do período colonial, como herança da cultura árabe, as gelosias “permitiam que se olhasse para fora sem ser visto, além de patrocinarem aos interiores agradável sombra e ventilação.” (CORONA & LEMOS, 2017, p. 415)

26 O projeto do Museu Rodin Bahia recebeu o 2o premio ex aequo na Categoria “Recuperación y puesta en valor, obras de más de 1.000 m2” do Premio Iberoamericano a la mejor intervención en obras que involucren el Patrimonio Edificado 2006.

27 Graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1973, Demetre Anastassakis foi um dos mais reconhecidos arquitetos brasileiros das últimas décadas, com projetos de habitação de interesse social executados em diversas cidades do país. Em Salvador, realizou ainda a intervenção na comunidade de Novos Alagados (2003).

28 O projeto da Casa do Carnaval foi publicado, em 2019, na revista Compasses - the architecture & interior design international magazine / middle east, editada nos Emirados Árabes Unidos.

29 O escritório B-O-V Architectes, fundado em 2005 em Lausanne, é dirigido pelos suíços Serge Butikofer e Olivier Vernay e pela paulista Olívia de Oliveira. Butikofer e Vernay graduaram-se arquitetos pela École Polytechnique Fédérale de Lausanne em 1991 e 1993, respectivamente. Oliveira é formada pela UFBA em 1985 e doutora em História da Arquitetura pela Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona em 2002, com uma tese sobre a obra de Lina Bo Bardi. Em 2019, o projeto da sede da Neojibá recebeu da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) o 14o Prêmio Arquitetos e Urbanistas do Ano, na categoria Setor Privado.

30 Mario Figueroa é graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas) em 1988 e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) em 2002. Lucas Fehr graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela USP em 1987, obtendo, na mesma instituição, o título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo, em 2010. Guilherme Motta graduou-se arquiteto pela Universidade Braz Cuba, em 1978.

31 O projeto de requalificação da Orla de Plataforma-Itacarannha foi publicado no livro “Urbanismo ecológico en América Latina”, editado em 2019 pela Harvard University Graduate School of Design (Estados Unidos) e pela editora Gustavo Gili (Espanha). (MOSTAFAVI et al., 2019)

32 O projeto da Sotero Arquitetos para a Colina Sagrada do Bonfim foi premiado na edição 2019 da Premiação IAB-SP, na categoria Desenho Urbano e Arquitetura da Paisagem - Projetos Executados.

33 O projeto de restauração do Terreiro de Jesus foi publicado, em 2019, na revista Compasses - the architecture & interior design international magazine / middle east, editada nos Emirados Árabes Unidos

34 Especialmente se considerarmos que o livro apresenta não só projetos elaborados por jovens profissionais do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, como é comum, mas também de outros estados que raramente são contemplados neste tipo de publicação, como Amazonas, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul.

35 O Commons Studio Bar, projeto de Alexandre Prisco e do autor deste texto, ficou em terceiro lugar na 1a edição do Prêmio, em 2014.  A Casa do Carnaval, dos mesmos arquitetos, foi um dos 13 projetos finalistas da 5a edição do Prêmio, em 2018.

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